terça-feira, 31 de maio de 2011

A VISITA DO ALPISTE



            Ela era muito responsável no trabalho.
Procurava manter tudo sobcontrole e dentro das exigências legais.
A despeito disso, mesmo sabendo que tudo estava em ordem, sempre ficava um tanto ansiosa na época em que um representante do Tribunal de Contas fazia análise dos documentos.  Isso ocorria geralmente em março e demorava alguns dias.  Por ser um tanto precavida, sempre antevendo uma próxima visita, fazia uma análise total dos documentos sob sua responsabilidade a fim de certificar-se que tudo estava nos conformes da lei.
Nos últimos anos esse representante era sempre o mesmo e talvez por força de sua função, era uma pessoa de pouquíssimas palavras e nenhum sorriso. Era a personificação da burocracia.  Atendia pelo sobrenome curioso de Alpiste.
Naquele início de janeiro e recém-chegada das férias, ela ainda se inteirava das últimas publicações oficiais e das ocorrências e providências adotadas durante sua ausência.
Estava totalmente concentrada nessa tarefa que nem se deu conta quando a chefe da administração adentrou sua sala acompanhada de um senhor.
De cabeça baixa e de costas para a porta, mexia em documentos na gaveta do arquivo quando ouviu a voz da colega de trabalho chamando-lhe a atenção:
- Veja quem veio nos visitar mais cedo esse ano!
Ficou intrigada já que a fala transmitia um mistura de surpresa e tensão.  Virou-se mais curiosa do que preocupada e viu ali, já de pastinhas nas mãos e crachá no peito, o representante do Tribunal, o senhor Alpiste.
Mesmo tendo certeza que tudo estava em ordem, sentiu um calafrio descer pela espinha já que ainda não havia feito a costumeira e última conferência antes de receber tal visita.
Tentando demonstrar naturalidade e que ele era bem-vindo em qualquer época do ano, prontamente estendeu a mão para cumprimentá-lo. 
Aconteceu, porém, que o susto com a visita tão inesperada provocou uma pequena pane em seus neurônios e sem se dar conta falou em alto e bom som:
- Bom dia senhor PARDAL !
Segundos de um silêncio constrangedor seguidos por uma imensa gargalhada da chefe de administração, que desencadeou nela também, um riso sem controle. 
Impossível se desculpar uma vez que nem conseguia falar para corrigir o ato falho.
Para sua surpresa e alívio, o sempre sério Senhor Alpiste também estava rindo muito com tudo aquilo. Pela primeira vez o viam descontrair-se.
Achou melhor deixar como estava para não falar mais bobagens e causar maiores danos. Lembrou-se que depois de alpiste e pardal, outra palavra relacionada seria gaiola!
Com certeza seu subconsciente a havia traído e desejado que surgisse ali, naquele momento, um pardal faminto, pronto para devorar aquele indigesto alpiste com pastinhas, crachá e tudo o mais que a fome mandasse.

Santos, abril de 2011

3 comentários:

  1. Acredita Selma, que Carol anda às voltas com o Sr. Alpiste...kkkkkk

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  2. kkkkkkkkkkkkkkk...com um sobrenome desses só podia causar uma desorientação na pobre da corretíssima funcionária...kkkkkkk, muito bom!

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