Era um sábado chuvoso nos idos anos 50. Relógios marcando meio dia e o comércio encerrando suas atividades, fato comum nas cidades do interior naqueles tempos.
Pai e filho tomam as últimas providências para concluírem o trabalho, fecharem a loja e se dirigirem para casa que era próxima pois o almoço já os aguardava. Todas as portas de aço estavam devidamente abaixadas e trancadas, menos a principal que era de esquina e por onde sairiam.
Como a chuva estivesse forte resolveram esperar mais um pouco visto que estavam sem guarda-chuva e até abaixarem a porta de aço e colocarem os cadeados estariam totalmente molhados.
Enquanto o pai ultimava suas anotações na mesa que ficava nos fundos da loja, o menino resolveu abaixar um pouco a porta da esquina até uma altura que evitasse a entrada da chuva trazida pelo forte vento. Assim pensando abaixou-a até a metade e dirigiu-se também para os fundos da loja para aguardar o pai.
Na residência os ânimos estavam ficando mais tensos com o atraso de ambos. A comida estava esfriando e uma demora maior obrigaria voltar todo alimento para o fogo novamente.
Tentou-se contato pelo telefone mas naqueles tempos qualquer chuva mais intensa provocava danos nos aparelhos impedindo ligações.
Tempo passando, comida esfriando e a paciência esgotando. Foi quando a esposa decidiu mandar a menina ir ao encontro do pai e do irmão para apressá-los. A garota ficou até feliz pois usaria pela primeira vez sua nova sombrinha azul de cabo longo, presente de aniversário.
Ventava muito e a chuva caia com força e bem inclinada. Buscando maior proteção, além de deslocar-se junto às paredes das casas, ela também inclinou a sombrinha deixando-a bem à frente de seu corpo. Andando dessa forma a menina tinha a visão prejudicada pois só conseguia ver um pouco mais de um metro da calçada a sua frente.
Atravessou a rua correndo para molhar-se o menos possível. Embalada nessa corrida ela continuou em velocidade até enxergar por baixo da sombrinha, o degrau e a abertura da porta de esquina da loja.
O que se ouvi a seguir foi um enorme estrondo e um grito.
Barrada pela porta semiaberta a menina teve o rosto projetado com violência contra as ferragens da sombrinha que entortou a tal ponto que o cabo encostou no tecido. Entrou atordoada na loja, trocando as pernas e sem saber direito o que tinha acontecido. Chegou a pensar que havia sido atropelada por um caminhão.
Tentando sozinha estancar o sangue que saia pelo nariz, viu quando o pai ao invés de acudi-la, dava uma enorme bronca no irmão por ter deixado a porta naquela posição semiaberta.
Com dor e assustada com o sangue que escorria em seu rosto, a garota tratou de voltar para casa correndo novamente. Desta vez a travessia foi feita até sem sombrinha, não se importando com a chuva que lhe molhava. Com toda a confusão ela até esqueceu do que havia ido fazer na loja.
Logo depois pai e filho também chegaram na residência.
O almoço daquele sábado com certeza não foi dos mais festivos.
O acontecimento porém acarretou outro problema.
A sombrinha nova ficou muito danificada. Com o impacto sofrido, o cabo entortou praticamente 90°, dobrando bem sobre o local de travamento das varetas, o que impossibilitava seu fechamento. Assim ficou a sombrinha aberta por um bom tempo sobre o armário, esperando um dia chuvoso para que a menina pudesse levá-la para consertar.
No primeiro dia de chuva lá foi a garota bem constrangida caminhando com sua sombrinha entortada. Para que o tecido ficasse sobre sua cabeça e lhe protegesse ela tinha que segurar o cabo na posição horizontal na altura de seu ombro, o que a obrigava a andar com o braço erguido. Isso despertou olhares curiosos em todo o trajeto.
Ao passar em frente a uma loja onde dois senhores conversavam, ouviu o comentário espantado entre ambos sobre o novo e estranho modelo de sombrinha. Perguntaram-lhe então se não era desconfortável.
Rapidamente ela esclareceu:
- É modelo próprio para dias de chuva com vento forte - e pensando consigo mesma, completou mentalmente a frase – desde que não tenha nenhuma porta pela frente!
Santos, 26 de maio de 2011
Ps:
1. A preocupação em dar a bronca (aliás uma enorme bronca, certo Edo?) foi maior do que acudir um nariz arrebentado.....rsss
2. Os dois senhores que estranharam o modelo da sombrinha foram Mauricio e Emílio Chacur, proprietários de uma loja na rua 3 - Bazar São Paulo.