segunda-feira, 24 de setembro de 2012

VOTO VENCIDO




18 a 25 de setembro de 2012 - Semana Nacional de Trânsito. Foi o aviso que li há pouco, num site da internet.
No mesmo instante me veio à mente a primeira escola pública estadual onde atuei como professora, muito embora ainda universitária, já lecionasse em escola particular. O início na rede estadual ocorreu num final de agosto quando assumi aulas de Ciências num município vizinho. 
Animada com as novidades ainda estava tomando contato com o ambiente quando no começo de setembro fui escalada para compor a banca examinadora de um concurso de frases sobre a Semana do Trânsito.
As frases deveriam ser originais e alertarem para os perigos no trânsito, bem como maneiras seguras e responsáveis para quem dirige e para quem é passageiro.
O corpo de jurados era composto por 5 professores de diferentes áreas de ensino.
Como todos os alunos de 5ª e 6ª séries (atuais 6º e 7º anos) participaram, a quantidade de frases foi significativa e uma primeira triagem foi necessária. Os próprios alunos selecionaram dez trabalhos de cada classe que foram encaminhados para a fase final a cargo da banca de jurados.
A expectativa era grande uma vez que para os dois primeiros colocados, uma casa comercial oferecera uma viagem de lazer num final de semana, juntamente com os pais.
Na noite marcada para a escolha final nos apresentamos no laboratório de Ciências onde as cartolinas com as frases escritas estavam dispostas cuidadosamente sobre as bancadas.
Tudo muito formal e bem organizado pela direção da escola.
Numa primeira leitura dois cartazes já chamaram minha atenção pelas maneiras divertidas com que as frases foram elaboradas.  Comparadas às demais concorrentes, acabei dando meus votos para estas duas.  Elas expressavam uma realidade vivida pelos alunos cuja maioria residia na zona rural e usava diariamente o ônibus escolar.
Ao confrontar minhas escolhas com as dos demais jurados, por mais que eu argumentasse e justificasse as opções para 1º e 2º lugares, acabei sendo voto vencido e a frase campeã que já não lembro mais, dizia algo no estilo bem tradicional, nada criativo, semelhante a: Dirija com cuidado para preservar a vida. 
Entretanto, decorridos tantos anos, ainda me lembro das duas frases por mim escolhidas e que até hoje me fazem rir.
Elas mostravam claramente o dia-a-dia dessas crianças no ponto de espera do ônibus e durante todo seu percurso.

2ª Colocada: NÃO TREPE NAS PLACAS.
1ª Colocada: PEDESTRE, NÃO ANDE COM A CABEÇA PARA FORA DO ÔNIBUS

 Impossível esquecê-las!!!

Santos, 24 de setembro de 2012    

domingo, 9 de setembro de 2012

ALEGRIAS VIVIDAS




Ambiente de trabalho é local onde além da qualificação profissional, deve haver também muita responsabilidade, atenção, educação e respeito.
A somatória desses fatores todos, muitas vezes acaba criando uma atmosfera séria,  circunspecta, tolhendo gestos de descontração.
Não era diferente em meu local de trabalho. O chefe, pessoa muito competente e um tanto autoritária, dificilmente exibia um sorriso em sua face. Tal fato acabou desencadeando a fama de ser muito severo.  Em função disso, muitos de seus subordinados tinham certo temor até em lhe dirigir a palavra.
Esse clima sério, que a despeito de propiciar o bom andamento do serviço tornando-o ágil, gerava certa inquietação. Sempre acreditei que era possível desempenhar bem uma função sem deixar de lado o bom humor. Aliás, muitas vezes o bom humor até melhora o rendimento.
Na sala de trabalho ocorriam alguns momentos de boas risadas sempre que surgia a possibilidade.
Certa ocasião foi designada uma professora até então desconhecida, para ser minha auxiliar.
Notando seu nervosismo inicial, resolvi criar uma situação que a deixasse mais calma, mais descontraída. Resolvi dar certo tratamento de choque para quebrar o gelo.
Lembrei-me que no fundo da gaveta havia um grande frasco de vidro contendo centenas de clips de papel, a maioria dos quais enferrujados.  Com a expressão muito séria coloquei o tal vidro na frente da auxiliar e justificando a necessidade de se evitar desperdício de material, mandei que a professora abrisse cada peça, passasse bom-bril ao longo dela para tirar a ferrugem e finalmente a fechasse direitinho para ser reutilizada.
O olhar de espanto e a paralisação total da auxiliar foram instantâneos.
Creio mesmo que ela entrou por alguns segundos, num estado de coma traumático. Nesse instante acabei deixando a risada escapar, o que foi bom para evitar que um enfarte ou coisa desse tipo acontecesse. Esse foi seu batismo.
Com o passar dos dias fui percebendo que a professora era muito espirituosa e tinha facilidade para soltar frases irônicas muito apropriadas e hilárias.
Foi assim que numa certa manhã ela recebeu a incumbência diretamente do temido chefe, de datilografar (nessa época as máquinas de datilografia reinavam soberanas) um importante documento em três vias.  Em função da urgência, ele posicionou-se em pé ao lado da mesa aguardando o serviço ser realizado.
Nervosa, já que não era muito ágil nesse trabalho, ela começou a suar principalmente nas mãos. Enquanto arrumava os papéis para colocá-los na máquina, o carbono preto em contato com o suor começou a soltar tinta e sujar não só suas mãos, como também as folhas brancas.
Com o chefe muito sério em pé a seu lado, impávido, querendo pressa no serviço e vendo toda aquela trapalhada até para colocar os papéis na máquina, a professora parou tudo o que estava fazendo, apoiou a papelada sobre a mesa, colocou as mãos na cintura, suspirou bem fundo e dirigindo-se a ele afirmou:
- Senhor! Não trabalho sob pressão!
Levei um susto ouvindo isso mas logo veio o alívio. Diante do inesperado desabafo de minha auxiliar, algo um tanto raro aconteceu: o chefe riu descontraído da situação e retirou-se imediatamente para sua sala avisando que lá ficaria à espera do material.
De outra feita, numa tarde já no final do expediente, conversávamos um assunto divertido, uma piada para ser mais exata, quando de repente eis que o chefe entra inesperadamente na sala.  Distraídas com o assunto, não ouvimos seus conhecidos passos no corredor.  De pronto a conversa parou e ele obviamente notando isso, questionou com certo sorriso irônico, se estava nos atrapalhando.
- Atrapalhou sim. A partir de amanhã o senhor venha trabalhar com sapatos de salto alto.
Foi a resposta rápida e divertida de minha auxiliar que novamente conseguiu provocar muito riso no semblante tão fechado do chefe.
Realmente o poeta Vinícius* sabia o que dizia quando escreveu:
É melhor ser alegre que ser triste
Alegria é a melhor coisa que existe
É assim como a luz no coração...”

Santos, 09 de setembro de 2012 

Nota: Uma homenagem à Rosmari  e às lembranças de um tempo muito bom.

*Samba da Bênção” – Vinícius de Moraes e Baden Powell