quarta-feira, 18 de maio de 2011

CRISTO NO TRÂNSITO




Para que a discussão tivesse início bastava uma palavra mal entendida, uma  entonação de voz mais elevada ou um simples gesto mal recebido.
Ela estava acostumada com isso e também sabia que dali a alguns minutos tudo estaria tranquilo novamente.  Por esse motivo não se abalou inicialmente quando o casal começou a discussão.
Na posição em que estava sentada podia ver a cena embora a luminosidade estivesse prejudicada: a mãe parada diante da mesa da cozinha na semiescuridão apalpava um objeto pequeno que estava em suas mãos.  Ato contínuo, perguntou ao marido o que ele havia posto sobre a mesa, mas, já deduzindo pelo tato, questionou:
- É um guarda de trânsito?
A resposta veio rápida e carregada de irritação.
- Como guarda de trânsito?  Não está vendo que é meu chaveiro com a imagem do Cristo Redentor feita em madeira?
Ainda apalpando ela reafirmou seu pensamento concluindo com toda certeza que só poderia ser a figura de um guarda de trânsito.
Os diálogos foram se exaltando e despertaram o interesse da filha pelo objeto desencadeador de tão repentina e ferrenha discussão no curto prazo de segundos.
Dirigiu-se até a cozinha ao mesmo tempo em que o pai também lá chegava criticando a esposa por ser incapaz de perceber que era seu chaveiro do Cristo que ela segurava nas mãos. As respostas do outro lado vinham rápidas na base do “Eu sei o que estou falando!”
Enquanto as farpas eram trocadas entre ambos, a filha acendeu a luz no ambiente e tudo se iluminou, ou melhor, tudo se esclareceu.
Nas mãos da mãe realmente estava o chaveiro de madeira que trazia a imagem de Cristo. Um detalhe porem fazia toda a diferença.
Cristo estava com o braço esquerdo decepado na altura do ombro.  Era um perfeito guarda de trânsito em plena atuação.
Diante dos olhares surpresos a voz saiu vitoriosa:
- Não falei que era um guarda de trânsito!!!
Ele ainda tentando entender o que havia acontecido, apalpou o bolso da calça e encontrou o braço esquerdo da imagem.  Com certeza havia sentado sobre o chaveiro e provocado a amputação involuntária do Cristo.
A expressão de espanto do pai foi desfeita e dessa vez a discussão terminou em gargalhadas ao som das quais, Cristo teve reimplantado seu braço esquerdo à custa de muita cola.
E foi assim que o trânsito perdeu seu mais novo e ilustre funcionário!

Santos, fevereiro de 2011

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