Eles eram grandes. Muito grandes.
Eram três ao todo e muito bonitos - um preto,
um branco e um com pelos castanhos tendendo para o dourado. Três cães enormes circulando pela casa.
Ainda bem que eram razoavelmente dóceis pois
caso contrário jamais alguém entraria lá e se entrasse, com certeza não sairia
intacto dado ao tamanho das criaturas.
Bem alimentados e cuidados, vagavam pelos
cômodos à procura do lugar mais fresco já que o calor estava insuportável.
Naquele final de semana de pleno verão eles
estavam sob os cuidados de uma pessoa com a qual não tinham muito contato, mas
nem por isso criaram problemas, ao contrário, ficaram deitados a maior parte do
tempo.
Final de noite e início da madrugada, com a TV já desligada, o senhor dirigiu-se ao
banheiro. Os três animais o seguiram e sentaram-se próximos à porta esperando
por ele.
Ao entrar no quarto, para seu espanto, foi
seguido pela trinca que se acomodou no chão ladeando a cama toda - um de cada
lado e um nos pés.
Isso é até compreensível e aceitável afinal
ali havia ar condicionado e os cães com certeza também se acharam com até mais
direito de usufruírem daquela temperatura amena, uma vez que eles eram os mais
peludos do quarteto. Entendendo que esse era o costume, o senhor resolveu
deixar a porta aberta para o caso de seus companheiros de quarto desejarem sair
durante a noite para alguma balada. Na verdade ele é que de certa forma ficou
sem chance de sair da cama no escuro pois correria o risco de pisar sem querer
em um dos pimpolhos peludos e aí o forrobodó estaria armado.
Dormiu assim totalmente guardado pelo cães
que a exemplo dos humanos, roncavam razoavelmente. Situação curiosa e estranha, mas enfim, era
uma nova experiência em sua vida.
Na bela manhã de domingo ensolarado lá
estavam todos dividindo os espaços da casa e em perfeita harmonia após um sono
reparador no quarto para quatro. Assim
passaram as horas daquele dia até que chegou o momento da partida.
No final da tarde o senhor arrumou suas
coisas e seguindo as orientações recebidas, trancou a porta da sala que dava
acesso à frente da casa enquanto a trinca peluda dormia sossegada no piso frio
do cômodo.
Ato seguinte, abriu o portão da rua para
partir de vez, procurando agir sempre com total naturalidade para não chamar a
atenção de frequentadores de um bar bem na frente do local.
Já na calçada e enquanto virava a chave na
fechadura não notou que havia um recipiente com água bem próximo dali e encostado ao muro. No exato instante em
que muito discretamente fechava o portão, um grande e sedento cão preto de rua, enfiou-se entre suas pernas e
começou a beber a água da vasilha.
Ao olhar para baixo e vendo o cão preto, o
senhor se espantou e achando que era um de seus coleguinhas de quarto que havia
escapado, começou a empurrá-lo para dentro da casa ao mesmo tempo em que o
animal acionava com toda força seu breque improvisado usando as quatro patas, negando-se
peremptoriamente a entrar na casa. Cena
hilária de quase rapto canino.
Alguns segundos depois ao ser alertado sobre
o equívoco, deixou o assustado animal seguir sua vida de morador de rua, muito
provavelmente sem terminar de matar a sede, já que naquele instante sua
prioridade era bem outra: ir para bem longe dali.
Ainda mantendo discrição, ou melhor, o que ainda
restava de discrição e obedecendo orientações recebidas, o senhor teria que
jogar o chaveiro por cima do muro.
Antes de jogá-lo e para ter certeza de onde cairia,
subiu numa saliência tipo barrado que havia no muro. E não é que nesse exato momento
o dito cujo chaveiro resolveu escapar de suas mãos e cair na calçada provocando
forte tilintar de sinos? O gesto perfeitamente identificado à distância
teve que ser repetido pela segunda vez, mas agora finalmente com sucesso.
A estas alturas toda e qualquer discrição que
ainda havia foi de vez para o espaço. Só não notou todo aquele movimento, algum
frequentador do bar que tivesse sérios problemas de visão.
Missão cumprida, retorno tranquilo para o
lar.
Por muito pouco o morador da casa ao chegar à
noite, acreditaria piamente em geração espontânea já que deixara três cães e
encontraria quatro animais instalados confortavelmente em sua sala.
Santos, 25 de março de 2018
Ao Luiz Adhemar, que fez mais três amigos de 4 patinhas, ou melhor, de 4 patonas!!