quinta-feira, 29 de julho de 2021

O FOGÃO



Ao ver belas fotos clicadas por uma amiga recordei de imediato da antiga casa da rua 2 em Rio Claro, onde na cozinha havia um grande fogão a lenha no canto da parede e próximo à janela.

Era coberto com ladrilhos vermelhos com traços verdes formando desenhos, aliás, os mesmos encontrados no piso da cozinha.  Na copa era igual também apenas trocando a cor verde pela branca.

Ao lado do fogão havia sempre uma pazinha e um tipo de vassoura italiana sem o cabo, que eram usadas para ajeitar as cinzas que iam esparramando-se pela abertura onde se colocava a lenha.

Sobre o fogão havia 3 ou 4 bocas que quando não estavam em uso, eram fechadas por placas de ferro.

Crianças ainda sempre tivemos responsabilidades na casa como por exemplo, recolher  todas noites as cadeiras de vime que ficavam na área de entrada, auxiliar nas pequenas tarefas na cozinha e dentre estas, uma em especial era destinada ao meu irmão.

Esta tarefa consistia em limpar e retirar toda a cinza do fogão assim que ele terminasse de ser usado.  Isto deveria ser feito com muito capricho e cuidado também pois a quentura às vezes ainda persistia no ladrilhos.

Lembro-me bem que ele fazia tal trabalho mas não gostava nem um pouco. Mesmo assim não o liberavam desta obrigação.

Quando nossa mãe engravidou da caçula tínhamos eu e ele, 6 e 7 anos respectivamente e claro, nem desconfiávamos do que nos aguardava o futuro. Os tempos eram outros e as crianças jamais participavam de conversas com adultos.

Seguindo os costumes da época quando estava próximo ao nascimento, minha mãe achou por bem nos reunir para tentar contar o fato de que ganharíamos um  irmão ou uma irmã.

Àquelas alturas meu irmão já havia visto dias antes na casa de um amigo vizinho, um belo fogão a gás em plena atividade.  Ficara maravilhado com a praticidade.

Lembro-me de estarmos sentados na cama ouvindo minha mãe fazendo a pergunta que tanto havia ensaiado:

- Vocês querem ganhar um irmãozinho?

Enquanto eu me alegrava já pensando em uma menina para brincar, meu irmão foi mais rápido e soltou a frase:

- Não!  Eu prefiro ganhar um fogão a gás.

Silêncio geral.  Os adultos não esperavam que ele tivesse tanta urgência de se livrar do fogão a lenha.

Com certeza uma cegonha não aguentaria trazer pendurado no bico, um belo fogão.

A reação de minha mãe foi rir mas tal fato acabou virando piada na família.

Ainda na infância quando havia qualquer entrevero que envolvesse a caçula, logo ouvia-se o comentário dele isentando-se de qualquer problema ou culpa, afirmando peremptoriamente que seu pedido tinha sido fogão a gás e não irmã. Portanto os demais que resolvessem a questão.

Não me lembro exatamente quanto tempo depois deste fato realmente meu pai  comprou o bendito fogão a gás, mas creio que foi logo após o nascimento da menina.

A verdade é que por um bom tempo e ainda até hoje às vezes e em tom de brincadeira, chamamos a irmã caçula de fogão.

A cabeça de uma criança é realmente uma caixinha de surpresas!

 

Santos, 29 de julho de 2021

Para Maria Eliza Aily por me proporcionar  esta viagem ao túnel do tempo com suas fotos e para Tutu, a caçula que quase foi permutada por fogão a gás.

 

terça-feira, 6 de julho de 2021

Aconchego













"Estou de volta pro meu aconchego, trazendo na mala bastante saudade" *

Quem já não cantarolou mesmo que apenas mentalmente uma parte desta música?

Particularmente fiz e faço isso com frequência ao retornar para casa depois de uma viagem, por melhor que tenha sido.

Espaçosa ou pequena, simples ou luxuosa, a casa em que moramos tem uma energia especial com a qual nos identificamos.  Não é simplesmente uma casa ou um prédio, mas sim o lar que nos acolhe.

Morei muitos anos em um mesmo local mas com o passar do tempo e novas necessidades surgindo optei por mudanças, morando posteriormente em dois apartamentos para finalmente me instalar neste atual.

Em cada residência lembro perfeitamente dos locais em que gostava de ficar sentada apenas curtindo e observando o espaço à minha volta.  Eram momentos de deleite e extremo bem estar que me davam uma sensação plena de felicidade.

No sobrado em Rio Claro meu cantinho preferido eram os primeiros degraus da escada onde sentava e ficava observando a sala e a área de ventilação com seus vários vasos cheios de folhagens e flores.

Já no apartamento ainda na cidade, meu local preferido era uma poltrona na sala de estar cuja posição permitia ver também toda a sacada com suas folhagens e parte do azul do céu tão decantado pelos rio-clarenses.

Em Santos e já em apartamentos menores o jeito foi adequar cantinhos para chamá-los de meus.

Apesar de bem pequeno fui muito feliz nos 10 anos que morei no apartamento anterior a este. Transformei cada parte da sala em local que me dava prazer enorme de ficar apenas olhando e curtindo objetos, telas, flores e o céu que me espiava através da enorme janela.

Aqui não é diferente.

Com espaço um pouco maior montei o cantinho da saudade onde ficam objetos que contam histórias ocorridas na família há quase um século como o jarro inglês, muitas fotos e peças que marcaram minha vida. Cada uma me conta um conto.

No restante da sala de estar estão os demais móveis com pequenos objetos de decoração e algumas telas feitas com carinho e cores fortes que levantam o astral.

O prazer que sinto ao olhar para qualquer um destes cantinhos é imenso e constante. É como se me abraçassem oferecendo um aconchego de colo de mãe. Transmitem muita paz e alegria ao mesmo tempo.

Consegui até organizar um pequeno galinheiro na bancada da cozinha e a cada viagem, mais uma galinha vem para enriquecer a turminha que ficou internacional.

Na sacada estão vasos de vários tamanhos. Adoro o verde das folhagens enfeitando os espaços e mesmo agora no inverno há flores e muitos botões abrindo. É sinônimo de vida!

Quem de nós não gosta de um aconchego? É bom demais tê-lo no olhar, no tocar e principalmente no SENTIR.

É o que realmente representa a palavra lar, onde o coração bate mais forte!

 

Santos, 06 de julho de 2021.

 

Para Eunice Nedog Leme, pela sugestão do tema e pela bela atitude de partir em busca do aconchego familiar. Isso sim faz a vida valer a pena!

 

Música: De volta pro meu aconchego

Autores: Dominguinhos e Nando Cordel.