sábado, 31 de dezembro de 2011

E O METRÔ DE VIENA PAROU

O bom humor é um elemento essencial que deve constar na bagagem de qualquer viajante, principalmente se o destino for algum país onde não conheça a língua.
Cada passeio, o uso de transporte público, cada refeição e até uma simples ida ao banheiro, pode se converter num mico homérico.
            No restaurante, uma tática que surtiu um bom efeito foi olhar o prato do vizinho de mesa. Se o aspecto agradou, disfarçadamente chamar o garçom e apontando para o vizinho, indicar que se deseja exatamente a mesma coisa.  Claro que há de se ter o cuidado de não ser observado pelo proprietário do citado prato. Mesmo assim, ainda há uma margem de erro, pois às vezes a quantidade é astronômica e o jeito é dar conta de tudo aquilo.
Numa dessas situações por exemplo, um pig (porco em inglês) acabou sendo confundido com um big (grande) e aí, quando o prato chegou, a cara de espanto de todos foi impagável.
Na bilheteria do teatro, houve um momento que chegamos a desconfiar que fosse um índio tentando se comunicar com um alemão, usando a linguagem tupi-guarani. Saiu algo assim:  
- Eu pagar ticket internet.    
Como não houve compreensão, nova tentativa foi feita e essa acarretou boas risadas de quem estava por perto:
          - I buy  tickets internet.
          Entretanto o termo buy que significa comprar em inglês, foi pronunciado exatamente como se escreve e não bai que  é a forma correta de se dizer.
A gargalhada de quem conhece o idioma denunciou que algo estava errado, mas finalmente o alemão entendeu o que estava sendo falado.
No último dia do ano, claro que o mico tinha que ser caprichado, e foi com certeza. 
Conseguiu-se literalmente parar o metrô de Viena por alguns minutos.
Na pressa em entrar no vagão do metrô, todos carregados com malas e mochilas  já com um respeitável peso, uma sacola contendo um casacão preto caríssimo, cometeu o atrevimento de cair justamente no vão entre a plataforma e o degrau do vagão.
Um grito de alerta foi dado e na indecisão sobre o que fazer no momento pois o sinal de partida do trem já tocara, o grupo todo, arrastando novamente as malas e mochilas, saiu correndo para fora do vagão de maneira toda atrapalhada, nada discreta, atraindo olhares curiosos de austríacos tão bem comportados.
O trem partiu e na plataforma vazia, ficaram os quatro turistas olhando a sacola caída no meio dos trilhos.  E agora, o que fazer? O casacão era emprestado.
A ideia de descer nos trilhos foi logo descartada pois os trens circulam com pouco intervalo entre um e outro.
A saída foi acionar o SOS da estação contando para isso com a ajuda de uma alemã caridosa.  Em pouco tempo, dois funcionários chegaram, desligaram a energia da linha e um deles desceu para resgatar o casaco fujão suicida.
Trabalho concluído, os trens voltaram a circular em poucos minutos.
Depois dessa, o jeito foi partir para Veneza pois por mais um pouco o grupo vira ria manchete no Jornal Nacional de Viena.


Conto escrito a quatro mãos - Ligia e Luíza Cerri

Viena, 31 de dezembro de 2011   

domingo, 25 de dezembro de 2011

E O CUCO VOOU.........


               Viajar por lugares diferentes cujos idiomas nos são desconhecidos, é uma aventura interessante.
            Nessas situações o contato verbal passa ao segundo plano e a mímica acaba auxiliando e muito a comunicação.
            Exemplos claros e reais disso constatamos ao comprar um simples  remédio para resfriado.  O jeito foi simular alguns espirros para que o farmacêutico entendesse o que se desejava. Nos restaurantes ao deparar-se com um filé quase sangrando em seu prato,  bastou um efeito onomatopéico como tchiiiiiiiiiiiiii prolongado e pronunciado várias vezes ao mesmo tempo em que se virava a palma da mão para cima e para baixo, para que o garçom entendesse que se desejava uma carne bem passada.
            Confiante nessa linguagem gestual, ela resolveu fazer compras num local onde o idioma alemão era predominante.
            A parede cheia de pequenos objetos coloridos chamou sua atenção.
            Eram pequenos relógios cucos que estavam expostos para venda em uma relojoaria.  O rapaz a seu lado, já sabedor de suas constantes trapalhadas, alertou-a sobre o risco de esbarrar em outros objetos, pois o espaço era minúsculo.  O alerta foi em vão. 
            Encantada pelo colorido e pelo movimento dos relógios, ela se empolgou e se pôs a escolher um que lhe agradasse mais.
            Mexe aqui, mexe acolá e o que era previsível aconteceu.  De repente o vozerio alemão que se escutava na pequena loja foi suplantado pelo barulho forte de algo caindo e quebrando no chão. 
            Um passarinho cuco conseguira pela primeira vez, realmente alçar vôo livre mesmo que tenha sido em direção ao chão.  Claro que para isso ele contou com a ajuda de um grande safanão.
            Silêncio total enquanto ela abaixava-se para recolher os pedaços que se soltaram do relógio e entregá-los à proprietária que num piscar de olhos  estava em pé ao seu lado com ares nada amistosos, falando algo que ela não entendia. Com certeza a alemã só não a estava chamando de Nossa Senhora. 
            Após catar os pedaços, fazendo gestos com a mão, avisou que levaria o tal relógio mesmo porque não lhe restava outra opção diante da situação constrangedora. Dirigiu-se para o balcão enquanto tentava remontar as partes quebradas.  
             Para sua surpresa, a proprietária colocou de lado o cuco quebrado e trouxe uma caixa fechada com um novo relógio perfeitinho.
            Era justamente o que ela queria.
         Pagou e saiu da loja satisfeita. Antes de fechar a porta atrás de si ainda olhou para a alemã que tinha cara de poucos amigos e fez um aceno de despedida. Usando seu vasto repertório da língua inglesa pronunciou um despretensioso..... bye bye .
           Saiu feliz com seu mini relógio cuco nas mãos.

Munique, 25 de dezembro de 2011  

quarta-feira, 14 de dezembro de 2011

O CAMELO QUE FALAVA EM FRANCÊS

Finalmente chegara o dia combinado com as crianças para irem ao circo.
Há dias que ele estava instalado na cidade e todos comentavam as belezas das apresentações dos mágicos, trapezistas, domadores, palhaços e principalmente o impacto que causava o número do globo da morte.
No final da tarde lá foram os três irmãos mais um primo acompanhados do pai e da tia.  Para que pudessem assistir direitinho todo o espetáculo, as crianças foram acomodadas nas cadeiras próximas ao picadeiro enquanto os adultos ficaram um pouco mais atrás.
A abertura do show com a bandinha de música tocando alto e os palhaços fazendo a maior bagunça, agitou a criançada que batia palmas cantando junto.
Número após número, cada um mais surpreendente que outro, foi desfilando naquele espaço próximo às cadeiras das crianças que não perdiam nenhum movimento dos artistas.
Os palhaços a todo o instante avisavam que logo haveria uma surpresa: um camelo que falava em francês. Depois de vários anúncios, eis que chegou o tão esperado momento.
Por trás das cortinas fechadas ouviu-se um vozeirão gritando:
- Je suis français.
As cortinas então se abriram e um animal grande e todo desengonçado entrou no picadeiro. A entrada foi triunfal e a plateia caiu na gargalhada.
Na verdade era um falso camelo e as crianças logo perceberam que dois homens davam vida ao animal, escondidinhos por baixo daquela fantasia enorme.
Virando-se para o público, o camelo se apresentou:
- Je suis camelê e gostê de comê panzê francê com mortadelê!
O artista que falava pelo bicho não conhecia a língua francesa e propositalmente dizia todos os termos terminando com a vogal e dando-lhe um acento tônico.
As palhaçadas que o animal fazia divertiam a todos: mexia com os músicos da banda, com os palhaços, com os ajudantes do circo, até que finalmente ele resolveu descer para brincar com a plateia.
Os irmãos e o primo que estavam acomodados bem na ponta da terceira fileira das cadeiras, riam muito com a algazarra que o camelo fazia mexendo com as crianças, ora tirando o boné de um, ora pegando a pipoca de outro.  Tão entretidos estavam que não notaram que a irmã caçula, de olhos arregalados, estava na verdade apavorada com o tal camelo francês.
As gargalhadas aumentaram quando o camelo começou a circular entre as fileiras e eis que de repente ele se dirigiu ao local onde estavam os irmãos e primo.
Nesse exato momento a caçula não resistiu mais. Entrou em pânico. Levantou e saiu correndo em disparada entre as cadeiras.  Os irmãos, pegos de surpresa, nada puderam fazer para evitar isso.
Depois de dar a volta toda nas cadeiras da plateia, a garota sempre correndo, se dirigiu ao corredor principal que dava acesso ao picadeiro. Para sua infelicidade, era exatamente esse o trajeto que o camelo faria para voltar ao palco.
O pai da menina na intenção de socorrê-la partiu ao seu encontro, mas acabou se atrapalhando e pôs-se a correr atrás do camelo.
A plateia estourou numa gargalhada só, pois a cena era hilária demais. Parecia ter sido ensaiada: a criança gritando e correndo sendo seguida de perto pelo desengonçado animal e logo atrás dele, o pai da garota.  Os três correndo no corredor central, um atrás do outro.
Quando já estavam próximos ao picadeiro, a tia da menina veio ao seu encontro no sentido contrário e salvou-a daquela situação.
Demorou um pouco para os ânimos se acalmarem, mas o que não demorou foi a enorme bronca que os dois irmãos mais velhos levaram do pai por não terem cuidado da caçula.
Após o encerramento do espetáculo que contou com a brilhante participação, não tão espontânea, dos dois coadjuvantes - pai e filha, todos voltaram para casa.
No caminho as crianças vieram se divertindo à custa da caçula cujo apelido era Dudu. Imitando o camelo francês, diziam:
- Camelê corrê atrás de Duduzê.  Duduzê chorê e quasê se borrê de sustê.
Essa brincadeira durou pouco, pois os irmãos sabiam que o pai não havia gostado nada da fama repentina adquirida na cena, mesmo porque sua performance deixou a desejar. Seu humor não estava lá essas coisas e de repente o castiguê seria imediatê e aí viriam cascudês nas cabecês!

Santos, 14 de dezembro de 2011   

quinta-feira, 8 de dezembro de 2011

O GALO COXO

A vida não era fácil para aquela família lá pelo começo dos anos quarenta.
Desde muito cedo os seis filhos do casal já eram direcionados ao trabalho no intuito de ajudarem nas despesas de casa.  Os garotos ainda na adolescência já desempenhavam com certa destreza o ofício de barbeiro; as filhas mais velhas trabalhavam no comércio e as mais jovens auxiliavam a mãe que além dos cuidados com a casa e com a família, lavava roupas para fora como se dizia naquela época em que a máquina de lavar era objeto de sonhos para a maioria da população.
A despeito da vida simples e desprovida de grandes confortos, o casal criava os filhos com muita dignidade e retidão. 
O chefe da família se virava como podia.  Suas atividades iam do ofício de alfaiate a porteiro de cinema, passando inclusive pelos negócios pois atuava também como vendedor de pequenos animais domésticos como aves, cabritos, porcos, que criava no quintal da casa.
Enquanto a mãe era mais séria, de pouco riso, o pai já tinha um comportamento totalmente diverso.  Brincalhão e divertido, gostava de pregar peças nos amigos e conhecidos.
São inúmeras as histórias contadas na família a respeito de suas brincadeiras. Uma das preferidas era colar moedas na calçada próxima à alfaiataria e ficar de longe espiando aqueles que se abaixavam e em vão tentavam recolher as tais moedinhas de pouco valor.  Suas vítimas preferidas eram duas irmãs solteiras, tidas como endinheiradas e sovinas. Elas não resistiam e sempre paravam para pegar as moedas provocando gargalhadas no autor da brincadeira que escondidinho presenciava a cena.
A criação dos animais em casa também dava motivos para muitas histórias.
Certa vez adquiriu um galo de temperamento um tanto agitado. Volta e meia vinha reclamações da vizinha dizendo que ele havia voado para seu quintal e feito estragos nos canteiros de verduras. 
A princípio seu proprietário resolveu cortar as pontinhas das asas do animal na tentativa de retê-lo em seu espaço.  Essa solução logo se mostrou ineficiente já que o irrequieto galo mesmo com um vôo totalmente desastrado e meio sem rumo conseguia chegar até o território vizinho.
Cansado de tantos bate bocas seu criador teve a ideia de amarrar uma pedra  bem pesada na extremidade de uma tira de barbante e com um forte nó prender a outra extremidade numa das pernas da ave. 
Logo que essa estratégia foi colocada em prática, o bicho tentou fazer algumas decolagens mas o peso da pedra não permitia que ele conseguisse sequer sair do solo.  Depois de várias tentativas frustradas resignou-se a simplesmente caminhar em seus domínios, sempre arrastando a perna onde a pedra estava presa. Dava um passo e arrastava a outra perna, outro passo, novo arrasto.
Finalmente havia sido encontrada uma solução para o problema e a política da boa vizinhança voltou a imperar.
O tempo passou e a ave envelheceu.  Já havia perdido todo aquele arroubo de um perfeito galo de briga quando seu dono resolveu tirar de vez a pedra que por anos acompanhara o animal.
O que se observou a seguir foi um misto de espanto, pena e gargalhadas.
Mesmo sem o peso da pedra o galo dava um passo e arrastava a outra perna, outro passo e puxava a perna. Não parava de coxear de um lado para outro.
O galináceo ficara psicologicamente afetado e na impossibilidade de fazer terapia tornou-se um coxo assumido permanecendo assim até o final de seus dias.

Santos, 07 de dezembro de 2011  

Eis o proprietário do galo, Sr. Izidoro Arnold, meu avô materno com o qual pouco convivi mas de quem guardo boas e belas recordações.

domingo, 4 de dezembro de 2011

AGORA É A MINHA VEZ!

O silêncio que imperava na saleta só era quebrado pelo barulho do dado rolando sobre o tabuleiro e pelas expressões dos dois jogadores: Agora é a sua vez!
O menino com seus 11 anos e a irmã com 10, entretidos que estavam com o jogo, nem se deram conta que a tarde terminava e que não haviam ainda atendido ao pedido da avó para que tomassem banho já que a hora do jantar se aproximava.
Sentados no chão, tabuleiro entre ambos, as crianças estavam no primeiro pavimento da casa, próximos à escada da qual estavam separados por uma grade protetora.
Da cozinha ouviam-se de tempos em tempos as ordens para que parassem o jogo, ordens essas que nem chegavam aos ouvidos de ambos tal a concentração dirigida às pecinhas coloridas que pulavam casas em busca da vitória que demorava a chegar.
Como diz o ditado, paciência tem limite e no caso em questão esclareço que o limite era o menor possível.  Vendo que nada interrompia a brincadeira, a avó dirigiu-se silenciosamente para a escada.
Na saleta as vozes infantis continuavam empolgadas, ora ele, ora ela: Agora é a sua vez!
Subindo vagarosamente os degraus, o rosto da avó começou a aparecer através do gradil. As crianças, pernas cruzadas, olhos que passeavam do tabuleiro para o dado, voltando ao tabuleiro, não se deram conta do olhar extremamente zangado que os fixava ali há poucos centímetros de onde estavam.
Quando o dadinho rolou mais uma vez e antes que qualquer dos jogadores pudesse falar algo, ouviu-se uma voz muito brava e direi que até ameaçadora, afirmando:
- Agora é a MINHA vez!
O susto fez os pequenos olharem na direção de onde a voz tinha partido e deram com aquele conhecido par de olhos verdes, muito grandes e arregalados. Era a avó a poucos passos dos dois.
Com uma rapidez e flexibilidade só possíveis quando se é criança, os dois deram um salto que fez voar longe tabuleiro, pecinhas e dado. As canelas giraram.
Num pique só, cada um correu para seu banheiro fechando ruidosamente as portas  já que na pressa não dava para se ter maiores cuidados. Trancaram-se cada um no seu espaço.  Estavam salvos.
A velocidade foi tanta que a avó surpreendeu-se e acabou rindo da cena pois as canelinhas dos dois giraram tão rápido que ela lembrou-se dos desenhos do bip bip fugindo do coiote. Disfarçou um pouco e manteve a voz de comando pois não poderia fraquejar diante dos netos.
Passados alguns segundos, ouviu-se o barulho dos chuveiros denunciando que as ordens foram cumpridas; não demorou muito para que pedidos de ajuda viessem dos dois banheiros.  Na correria, ambos não tiveram tempo para pegarem as toalhas e as roupas limpas para vestirem. 
Em voz bem baixinha, quase um sussurro, e bem cautelosos, os dois bip bip pediram socorro à tia. Abriram uma mínima fresta através das quais uns dedinhos apareceram para recolherem as peças que precisavam.
Queriam ter certeza que quem estava atrás da porta não era a avó reclamando que ainda ERA SUA VEZ!

Santos, 04 de dezembro de 2011