Passeando
recentemente pelas calçadas que tantas e tantas vezes andei da infância à fase
adulta, fui olhando para as casas do quarteirão, uma a uma, recordando como eram
as arquiteturas nos anos 60, relembrando as famílias e mentalmente citando seus
nomes um por um. Lembro de todos principalmente das crianças.
Dos
moradores de minha época não há mais nenhum ocupando sua antiga casa. Na verdade, há ainda uma pessoa que não chegou
a compartilhar dos folguedos de minha turma, mas brincou com minha irmã caçula.
Juliana permanece como representante da Rua 2.
Neste
intervalo de quase 6 décadas houve uma mudança incrível no quarteirão e praticamente
nada lembra o cenário de minha infância.
Eram
casas simples, outras um pouco mais elaboradas, mas sempre abrigando pessoas
que valorizavam a amizade acima de tudo.
Não
há como esquecer a residência do pianista Eugênio Benetti. Além do som belíssimo que se
fazia ouvir, a família costumava colocar sobre as muretas na frente da casa, lindas
e coloridas araras que lá ficavam enfeitando e encantando os olhos da meninada.
Nunca cheguei a ver, mas os adultos contavam que Geninho fazia suas serenatas à
noite colocando o piano sobre a carroceria de um caminhão e percorrendo as ruas
da cidade. Imagino a emoção de quem recebia tais serenatas.
Asfalto
ainda não havia chegado e era sobre o calçamento de paralelepípedos que a
criançada toda noite se reunia para as brincadeiras de rua. Eram muitas.
Lembro
que quando íamos brincar do que chamávamos de Pai da Latinha (uma variedade de
pega pega), colocávamos uma lata bem no cruzamento da rua 2 com a avenida 8 e o
dono da lata contava até 10 enquanto a molecada se espalhava pelo pedaço. Ele
tinha que alcançar alguém sem deixar que ninguém viesse tocar na dita cuja
lata. Se ao menos relasse em alguma criança ambas trocariam de função e ele
ficaria livre de tomar conta da latinha.
Só
de pensar no local já se conclui o pouco trânsito que havia neste pedaço.
Ainda
neste mesmo cruzamento sobre o bueiro que ainda deve estar lá, meu pai acendia
fogos de artifício na época das festas juninas. Colocava o que se chamava vulcão e era lindo
ver aquela explosão de cores e luzes subindo bem alto.
Futebol
era meio constante. As portas de aço das casas comerciais serviam como gol.
Entretanto
o que mais me recordo eram as turmas.
Nós
nos identificávamos como a Turma da Rua 2 e outros meninos moradores na rua de
baixo, entre as mesmas avenidas (8 e 10), se intitulavam Turma da Rua 3. Como
era de se esperar havia rivalidade entre ambas.
Para
quem morava na 3, passar pela rua 2 a qualquer hora do dia significava
provocação. O mesmo ocorria quando alguém
da 2 ousasse passar pela rua 3.
Lembro-me
que toda vez que tinha que ir na antiga Padaria Gaib (esquina da rua 3 com
avenida10) eu ia e voltava usando apenas a rua 2 e avenida 10 como percurso.
De
vez em quando uma guerrinha surgia entre as turmas. O campo de batalha era a
avenida 8 entre as duas ruas. Para estas
ocasiões fazíamos estoque de munição: tampinhas de refrigerantes amassadas ao
meio. Elas eram lançadas com estilingues.
Apesar
de serem somente tampinhas doía bastante quando éramos alvejados.
Muitos
anos depois em uma consulta com um dermatologista em Rio Claro, ele reconheceu-me.
Lembrou-se da infância e em particular das Turmas das Ruas 2 e 3. Éramos inimigos
naqueles tempos.
Por
um bom período fui a única menina do pedaço já que minha irmã nasceu anos depois.
Não tive muita escolha: era entrar nas brincadeiras dos meninos ou ficar de
fora olhando. Confesso que morria de medo do carrinho de rolimã (Geórgeres
andava como se fosse piloto de Fórmula 1) e também não gostava de ficar no gol
pois tinha medo das boladas.
Flávio
era o expert em empinar papagaios. Sempre os colocava nas alturas para orgulho
do pai Euclides (proprietário da loja Bazar da China).
Até
um ringue de luta de box como manda o figurino foi montado certa vez na casa do
Beto (Casa da Borracha). Meu primo Francisco foi escolhido para massagista e
adaptou uma malinha infantil de viagem com esparadrapos e que tais. Colou até uma cruz branca na tampa da mala. Lembro
que a disputa mais esperada foi Beto x Luiz Ângelo (Cerri). Não me lembro quem ganhou,
mas isso nem nos importava. O que valia era a festa que fazíamos nas
brincadeiras.
A
maior parte dos prédios abriga atualmente casas comerciais. A região central da
cidade se expandiu e atingiu nosso reduto infantil. Novos tempos.
Não
se vê mais a criançada em turmas brincando nas calçadas e ruas. Na cidade como em todas as outras os vizinhos
mal se conhecem e se cumprimentam.
São
as consequências do mundo moderno que nos trouxe tantos benefícios nas áreas da
saúde, tecnologia, educação, etc, mas em contrapartida, abafou de vez a alegria
dos gritos infantis que se ouviam nas ruas e esquinas de minha infância.
Santos,
27 de outubro de 2022
OBS.:
Aos amigos desta época que nos deixou grandes e belas lembranças.