terça-feira, 25 de fevereiro de 2014

RATINHO E RATÃO


Estava lá de passagem como gostava de frisar, deixando claro que na primeira oportunidade se removeria para outra escola mais central.
Era uma boa administradora, competente, responsável e correta.
Entretanto, apesar de toda esta capacidade profissional, o relacionamento pessoal deixava a desejar, pois evitava maiores aproximações com todos os subalternos.
Era tida como arrogante por boa parte do pessoal, mas particularmente creio que suas atitudes refletiam mais uma autodefesa, uma maneira de manter a autoridade.  Talvez receasse que a amizade pudesse ser confundida com liberdade e, portanto, não a cultivava mesmo.
A escola se localizava num bairro periférico da cidade e sua clientela era formada por alunos que enfrentavam sérios problemas familiares, econômicos e sociais de um modo geral. 
Para aquela criançada não passava despercebida a postura muito superior da diretora, e isto só reforçava a antipatia que sentiam por ela.
Numa tarde ensolarada as aulas aconteciam num clima tranquilo, sem nada que afetasse o bom andamento dos trabalhos.
De repente, não mais que de repente” *, como já disse Vinícius, uma gritaria teve início numa sala e na sequência, a professora saiu em disparada em direção ao corredor sendo seguida por todos os alunos, que berravam dando o alarme: Um rato!  Um rato!
As salas vizinhas ficaram alvoroçadas e as aulas foram interrompidas.  Nas portas de cada sala do corredor, cabeças e mais cabeças espiavam tentando ver o que acontecia.
Um grande e assustado rato que corria atordoado entre as pernas das crianças, acabou encurralado num canto de parede.  Os alunos acostumados com situações deste tipo mataram rapidamente o bicho com algumas pedradas, mesmo antes que qualquer adulto pudesse tomar alguma providência.
Foi bem nesse momento que a diretora chegou ao local do fato e já criticando o comportamento da professora e alunos, quis saber o motivo de tanto reboliço. 
Mostrando-lhe o animal morto, as crianças contaram que ele estava andando sobre o varão que prendia a cortina e acabou caindo sobre a mesa da professora.
Mantendo seu ar de superioridade, ela fez uma expressão de desdém e comentou:
- Não acredito que vocês alvoroçaram a escola toda por causa de um ratinho deste!
No mesmo instante ouviu-se a divertida e oportuna resposta de um dos garotos:
- Ratinho?  Por acaso na casa da senhora os ratos são maiores????
A gargalhada foi geral, inclusive por parte da professora.
Sem resposta a dar, a diretora voltou para sua sala permanecendo quietinha lá até o final do expediente.
“Quem fala o que não deve, ouve o que não quer!”

Santos, 25 de fevereiro de 2014.


*Soneto da Separação – Vinícius de Moraes

terça-feira, 18 de fevereiro de 2014

QUANDO A PAIXÃO DESCONHECE O TEMPO



Corria os anos 70 e no Brasil e no mundo, ainda se vivia a efervescência que brotara na década anterior, revolucionando a cultura, a política, as artes e os costumes de um modo geral.
Alheio a toda esta agitação que encontrou guarida principalmente na juventude, ele começou a viver uma história, a princípio simples, tímida, mas que desencadeou um sentimento que o acompanharia pelas mais de três décadas que se seguiram.
Naquela turma que começava sua vida universitária, ele era apenas mais um novato que estava maravilhado com tantas novidades.  Pelo seu jeito simples de ser, foi logo aceito pelos grupos que se formavam.  Veio de outra cidade buscar conhecimentos, buscar a formação profissional que desejava para sua vida adulta. Mal sabia ele que encontraria também nesta nova cidade, na sua turma de alunos, uma pessoa especial que lhe marcaria para sempre.
Bastava o olhar encontrá-la que os sentimentos afloravam à pele.  A princípio decidiu aguardar, ficar silente sobre o que acontecia receoso de ser mal interpretado.
O contato era diário e isso só fez crescer a paixão que começara tão tímida, tão insegura.
Finalmente após um tempo já não era mais tão fácil disfarçar o que sentia e amigos próximos perceberam o que se passava. Foi quando a história começou a ser escrita, mas de maneira praticamente invertida, já que o final chegou junto com o início.  
A paixão que o dominava não era correspondida de maneira alguma.  
As tentativas de uma aproximação maior foram uma a uma descartadas, com elegância e respeito, mas descartadas. 
Recolheu seus sentimentos e guardou-os na alma. 
Após os anos de estudos a turma concluiu o curso e cada um partiu em busca de suas realizações pessoais e profissionais.   
Os anos passaram céleres e tanto ele quanto ela constituíram famílias e seguiram a vida em cidades distantes.
Quase quatro décadas depois participando de um evento, ele casualmente encontrou uma ex-colega universitária e sem esconder a ansiedade, quis saber notícias de sua antiga paixão.  Absorveu cada palavra que ouviu, mesmo sendo tão poucas as informações obtidas.
Comentou que conseguira homenageá-la dando seu nome a uma neta.
Num momento de descontração ainda neste evento, quando o espaço foi disponibilizado para apresentações, ele não se conteve e subindo ao palco cantou com imensa ternura, a música que foi a trilha sonora de toda sua vida: Aline.
Para esta paixão, o tempo simplesmente nunca existiu.



Santos, 17 de fevereiro de 2014.