Creio que com o passar dos anos, ou seria melhor dizer, passar das décadas,
ficamos mais atentos às lembranças do passado seja ele distante ou mais
recente.
Vira
e mexe e sem prévio aviso, me vejo vasculhando o baú da memória e por sorte
sempre as lembranças que encontro são as que me fazem sorrir ou até rir
muito mesmo que sozinha.
Lembranças
tristes raramente batem à minha porta.
Há
duas noites lendo um livro interessante (O Livreiro) emprestado por uma amiga,
a certa altura o autor descreve a história de quando adquiriu um cofre para
guardar o dinheiro arrecadado aos sábados em sua loja no final da década de 60,
visto que os bancos não abriam nesse dia e claro, nem se pensava em caixa
eletrônico ainda.
No
mesmo instante e com muita nitidez veio em minha mente um enorme cofre de cor
verde musgo que pertencia ao meu avô. Não sei se por eu ser muito pequena mas
aquele cofre parecia imenso para mim.
Por
uns tempos ele ficara nas dependências do escritório da família no térreo do sobrado
da rua 3 com avenida 8 em Rio Claro.
Posteriormente com o fechamento do comércio da família este cofre foi
para o quarto de meu avô.
Lá
ele guardava papéis importantes, dinheiro e até sua flauta.
Era
comum naqueles tempos chamar-se os cofres de burra (ou burras). Há até a expressão: "Enchendo as burras"
, que significa estar guardando valores ou dinheiro.
Sendo
assim meu avô e todos nós da família também nos referíamos ao cofre chamando-o
de burra.
Certa
manhã de domingo minha irmã caçula com seus 6 ou 7 anos saiu de casa, atravessou a rua e se enfiou na casa de avô Adolpho que era bem próxima.
Ficou por lá pouco tempo e logo voltou.
A
mãe quis saber o motivo do retorno tão rápido e ela explicou que não havia
ninguém por lá, apenas o avô em seu quarto. Na sequência completou com a frase
que me fez lembrar deste caso há duas noites ao ler O Livreiro:
-
Ele tava abrindo a VACA no quarto.
Gargalhada
geral.
A
menina fez uma "leve" troca de bichos.
Anos
depois durante uma compra em supermercado, procurando leite e verificando
marcas e preços e ao constatar que um tipo estava em oferta, meu irmão negou-se a
levá-lo pois achou o nome do produto assaz esquisito e que não lhe passava
confiança. O leite era da marca Dona
Vaca. Talvez tenha achado o nome explícito demais. Na verdade a estranheza em minha opinião deveria ocorrer caso o nome fosse Senhor Boi.
Anos
depois a vaca surgiu novamente no seio familiar.
A
sobrinha caçula em fase final de alfabetização fazia um joguinho de palavras
cruzadas próprio para crianças.
Eis
que a dica dizia "Vive no brejo". Havia três espaços a serem
preenchidos num total de quatro pois no segundo espaço já havia a letra A.
A
garota mais que depressa gritou.
-
Já sei, é VACA!
Estranhou
no mesmo instante o olhar espantado dos adultos demonstrando claramente que ela
errara.
Foi quando resolveu explicar o motivo de sua certeza que era vaca, pois já ouvira muitas vezes todos dizendo a expressão:
-
A vaca foi pro brejo. Então quem mora no brejo é a vaca!
E
quem vai agora contra a lógica infantil?????
Santos, 2 de agosto de 2021.
Relembrando Tutu e avô abrindo uma vaca no quarto, sr. Edo e sua cisma com o nome do leite e Luíza com sua brilhante associação entre o dito popular e as palavras cruzadas.