A preguiça é um dos pecados capitais e graças a ela há a procrastinação, a apatia e até o desmazelo.
Quem de nós já não curtiu momentos de uma gostosa e
pura preguiça que ocorre vez ou outra? É uma delícia deixar o corpo relaxado e
a mente livre de preocupações, deixando passar por ela somente situações leves de puro relaxamento.
Com ele não é diferente, ainda
mais quando alguma atitude a ser tomada diga respeito à elegância no trajar ou
alguma mudança em seu visual. Aí então a procrastinação é certa, a despeito das cobranças familiares.
Diante da
aproximação de uma viagem para rever familiares e amigos após anos ausente,
acabou cedendo aos pedidos para dar o que chamamos de "um tapa no
visual".
Seus cabelos
rebeldes e num comprimento um pouco exagerado davam-lhe um aspecto de relaxo e
total descuido.
Em função disso resolveu atender aos apelos da família e concordou ao menos em aparar um pouco suas melenas, desde que tal
fato se fizesse em casa mesmo, sem ter que recorrer a algum salão para isso.
Resignado ele pegou o pente para colocar no aparelho cortador de cabelos. Por conta de uma distração qualquer, ou por força da idade que o classifica como idoso, acabou pegando o tal pente específico para cortar barbas.
Para quem desconhece tais objetos, o pente para barba realmente quase rapa enquanto o pente para cabelos apenas apara.
Tudo acertado ele
calmamente sentou-se imóvel enquanto a esposa providenciava os equipamentos
necessários como toalha, pente e
... uma tesoura bem afiada.
Foi quando o espírito de Edward Mãos de Tesoura baixou de vez.
A primeira cortada que foi literalmente da nuca para o cocoruto já causou um belo estrago visto que quase rapou o couro cabeludo.
Somente neste momento foi observada a troca do tipo de pente colocado no aparelho cortante, mas àquelas alturas Edward já estava muito empolgado e continuou seu trabalho com a tesoura: molha aqui, penteia ali e as tesouradas seguiram derrubando os cabelos sobre a toalha.
A princípio tudo caminhava como manda o figurino até que, e sempre há um senão, ouviu-se um berro que fez Edward dar um pulo para trás.
Num descuido a ponta da
tesoura avançou além do necessário e atingiu a parte
superior da orelha. O gemido foi alto provocando momentaneamente a suspensão da tal poda para que um curativo fosse feito já que sangrava bastante.
Foi quando ele ao olhar no espelho sentiu-se o próprio Van Gogh de terras lusitanas
Atrás de si Edward ainda brandia assustadoramente a tesoura.
Curativo feito e mais resignado ainda, submeteu-se novamente ao instrumento cortante pois do jeito que estava, metade rapado e metade cabeludo, não daria mesmo para deixar.
Como ele gosta de viver perigosamente, continuou firme e forte sentadinho na cadeira enquanto ouvia o téc téc da tesoura livrando-o das madeixas.
Conformado pensou consigo que se não ficasse com uma aparência mais bonita, ao menos poderia ser comparado ao famoso pintor e sua orelha decepada.
Edward Mãos de Tesoura não ouviu, mas ele orava em silêncio pedindo clemência para a outra orelha que lhe restava intacta ainda!