quinta-feira, 28 de abril de 2022

EDWARD x VAN GOGH

 



A preguiça é um dos pecados capitais e graças a ela há a procrastinação,  a apatia e até o desmazelo.

Quem de nós já não curtiu momentos de uma gostosa e pura preguiça que ocorre vez ou outra? É uma delícia deixar o corpo relaxado e a mente livre de preocupações, deixando passar por ela somente situações leves de puro relaxamento.

Com ele não é diferente, ainda mais quando alguma atitude a ser tomada diga respeito à elegância no trajar ou alguma mudança em seu visual. Aí então a procrastinação é certa, a despeito das cobranças  familiares. 

Diante da aproximação de uma viagem para rever familiares e amigos após anos ausente, acabou cedendo aos pedidos para dar o que chamamos de "um tapa no visual".

Seus cabelos rebeldes e num comprimento um pouco exagerado davam-lhe um aspecto de relaxo e total descuido. 

Em função disso resolveu atender aos apelos da família e concordou ao menos em aparar um pouco suas melenas, desde que tal fato se fizesse em casa mesmo, sem ter que recorrer a algum salão para isso.

Resignado ele pegou o pente para colocar no aparelho cortador de cabelos. Por conta de uma distração qualquer, ou por força da idade que o classifica como idoso, acabou pegando o tal pente específico para cortar barbas.

Para quem desconhece tais objetos, o pente para barba realmente quase rapa enquanto o pente para cabelos apenas apara.

Tudo acertado ele calmamente sentou-se imóvel enquanto a esposa providenciava os equipamentos necessários como toalha, pente e ... uma tesoura bem afiada.

Foi quando o espírito de Edward Mãos de Tesoura baixou de vez.

A primeira cortada que foi literalmente da nuca para o cocoruto já causou um belo estrago visto que quase rapou o couro cabeludo. 

Somente neste momento foi observada a troca do tipo de pente colocado no aparelho cortante, mas àquelas alturas Edward já estava muito empolgado e continuou seu trabalho com a tesoura: molha aqui, penteia ali e as tesouradas seguiram derrubando os cabelos sobre a toalha.

A princípio tudo caminhava como manda o figurino até que, e sempre há um senão, ouviu-se um berro que fez Edward dar um pulo para trás.

Num descuido a ponta da tesoura avançou além do necessário e atingiu a parte superior da orelha. O gemido foi alto provocando momentaneamente a suspensão da tal poda para que um curativo fosse feito já que sangrava bastante.

Foi quando ele ao olhar no espelho sentiu-se o próprio Van Gogh de terras lusitanas

Atrás de si Edward ainda brandia assustadoramente a tesoura.

Curativo feito e mais resignado ainda, submeteu-se novamente ao instrumento cortante pois do jeito que estava, metade rapado e metade cabeludo, não daria mesmo para deixar. 

Como ele gosta de viver perigosamente, continuou firme e forte sentadinho na cadeira enquanto ouvia o téc téc da tesoura livrando-o das madeixas.

Conformado pensou consigo que se não ficasse com uma aparência mais bonita, ao menos poderia ser comparado ao famoso pintor e sua orelha decepada.

Edward Mãos de Tesoura não ouviu, mas ele orava em silêncio pedindo clemência para a outra orelha que lhe restava intacta ainda!

 

Santos, 28 de abril de 2022

Para a dupla que me faz rir mesmo estando há mais de 8000 Km de distância.

quarta-feira, 6 de abril de 2022

Espírito DA luz

                                        

 

Madrugada corria solta e o silêncio e escuridão imperavam naquele quarto.

Seu sono sempre muito leve foi despertado por uma sensação estranha de repentina luminosidade no ambiente.

Mudou sua posição na cama para melhor se ajeitar. Foi quando percebeu mesmo com as pálpebras ainda cerradas, uma claridade bem perto de si.

Ainda sem entender, sonolento, abriu vagarosamente os olhos e o que viu lhe causou um grande espanto fazendo-o recuar instantaneamente na cama.

De dentro do armário com a porta semi cerrada, saia um raio forte de luz que iluminava parcialmente o quarto.  Piscou várias vezes tentando compreender o que estava vendo.

Ao constatar aquela fonte de luz saindo pela fresta da porta, um calafrio lhe desceu pela espinha e num átimo saltou da cama pelo lado oposto ao do armário. 

O que se passava? 

Seria um sonho? Seria um pesadelo? Seria algum espírito que se instalara dentro de seu guarda-roupas?

Ainda atordoado ficou pensando em como desvendar o mistério sem se aproximar muito, já que desconhecia a causa daquilo.

Olhou à sua volta e viu seu chinelo sobre o tapete. Resolveu usá-lo como arma e num gesto rápido lançou-o com força contra a porta do armário.

Nada aconteceu. A luz continuou firme e forte a brilhar lá dentro.

Contornou a cama muito ressabiado pensando em sair do quarto e se afastar, pois talvez algum espírito estivesse no ambiente.

Seria algum espírito brincalhão? Melhor levar todas as hipóteses em consideração pois de repente era algum mal que ali se instalara.

Como ainda faltavam horas para o dia clarear, chegou à conclusão que o melhor a fazer era desvendar de vez tudo aquilo.

Munido de toda a coragem que conseguiu reunir aproximou-se pé ante pé do armário segurando na mão o outro pé de chinelo, única defesa que tinha no momento.

Prendendo a respiração e mantendo o corpo o mais distante possível do armário, com sua "arma" improvisada, deu um grande safanão na porta que estava meio aberta e no mesmo instante deu um salto para trás buscando se proteger mais ainda.

Foi quando tudo se esclareceu. A porta do guarda-roupa se abriu de vez.

Tranquilamente sobre as peças de roupas dobradas na prateleira, viu sua lanterna acesa iluminando todo o interior do armário.

Lembrou-se então de tê-la guardado ali antes de deitar. Por uma falha qualquer o botão de liga e desliga ficou mal posicionado e no meio da noite resolveu optar por ligar a peça.

Apesar do coração ainda acelerado respirou fundo e deu graças por estar livre de qualquer mau espírito no ambiente.

Voltou a deitar-se agora no quarto já novamente escuro, conseguindo conciliar o sono, mas não sem alguma dificuldade, afinal havia acabado de vivenciar uma experiência inédita.

Não é qualquer um que sai por aí espantando um espírito a chineladas!!!!

Santos, 06 de abril de 2022