segunda-feira, 19 de maio de 2014

CACHORROS E CACHORRADAS



Não há a menor dúvida sobre a importância de um animal de estimação em nossas vidas, seja ele qual for.  É bom lembrar que a recíproca também é muito verdadeira.
Quem já não teve, tem ou pretende ter um dia, um animalzinho como companheiro para todas as horas?
Gatos e cachorros são os mais tradicionais companheiros dos homens, e que companheiros!
Alguns são mais brincalhões, vivazes e se criados com toda liberdade, fazem estripulias na casa até na fase adulta.
Foi assim com o cachorrinho que o padre e também professor de Português, criou em sua casa no final dos anos 70. 
Não recordo mais o nome do bichinho, mas sei que era um nome próprio masculino e que por causa disso, o padre já havia tido problemas com um xará do animal que se sentiu ofendido com este fato.  
Pois não é que este cãozinho criou o maior problema para o padre e para a escola!
Apesar de sempre ser avisado que os diários de classe deveriam ficar nos armários da escola, o padre com pressa de voltar para sua cidade após a última aula da noite que acabava às 23h, saia praticamente voando da sala em direção ao seu fusquinha e levava consigo todo e qualquer material que estivesse em suas mãos. 
Os demais professores que eram seus companheiros de viagem também corriam para não ficarem para trás.
Numa certa tarde já no início do terceiro bimestre do ano letivo, o padre professor distraído por sua própria natureza, esqueceu todos os diários de classe sobre sua cama.
Quando foi pegar o material para ir trabalhar à noite na escola, teve uma grande surpresa!
Todos os diários de classe estavam quase que totalmente comidos e devidamente mastigados pelo cachorrinho que, a exemplo de Erasmo Carlos, havia feito uma festa de arromba com todos aqueles papéis sobre a cama de seu dono.
Não lhe restou alternativa a não ser recolher o que sobrou de tudo e se dirigir para a escola já sabendo da confusão que arranjara.
Ainda lembro perfeitamente da cena que presenciei no momento em que ele relatava os fatos para uma assustada e horrorizada secretária de escola.
Com os braços para trás do corpo, segurando firmemente os frangalhos dos diários de classe, o padre começou a contar a história bem de leve, pelas bordas como se costuma dizer.
A cena foi hilária. A expressão facial do padre, muito sem jeito, tentando explicar a ela o inexplicável, enquanto balançava nervosamente os restos dos diários de classe ainda escondidos atrás de si. 
À medida que ele aprofundava o assunto, os olhos da secretária se arregalavam mais e mais até que finalmente deu um grito ao ver o estado crítico e desesperador dos documentos.
O espanto foi grande já que o professor, talvez em virtude de sua vida um tanto corrida, não havia entregado ainda para a funcionária, as anotações de faltas e notas relativas aos dois primeiros bimestres do ano. 
Sendo assim, tais informações só existiam até aquele fatídico dia, nos diários de classe que haviam se transformado em farrapos.
Ao saber deste detalhe, um “mero” detalhe, diga-se de passagem, compreendi o motivo do desespero da secretária e a indignação da diretora que chegou logo a seguir, após ouvir as exclamações desesperadas vindas da sala ao lado.
É bom lembrar que naquela época ainda não existiam os computadores.
O professor se justificou citando o nome do cachorro como o responsável pelo estrago.
As duas mulheres o interromperam querendo saber como alguém em plena sanidade mental poderia ter mastigado os papéis, já que para elas o nome próprio masculino que o cachorro tinha, remetia a um homem ou a um garoto.
A confusão durou um bom tempo e o problema criado mais ainda.
Não me lembro de como tudo se resolveu depois, mas a partir daquele dia os acompanhantes do padre em suas alucinantes viagens noturnas de volta para casa, passaram a ter mais alguns segundinhos de tempo para a carona, já que os armários da escola passaram a ser devidamente usados por todos os professores, inclusive o padre.

Santos, 19 de maio de 2014. 


Aos amigos professores dos tempos de Ipeúna/SP e em especial ao querido Padre Quirino Volani (in memoriam).