quinta-feira, 7 de novembro de 2019

BARULHINHO MISTERIOSO






Splasch....splasch.....splasch.....
O inconfundível barulho de sacolinha plástica sendo manuseada sempre me faz recordar uma reunião  de trabalho.
O típico ruído se ouvia a todo instante e estava intrigando a responsável pela reunião que de frente para a plateia  fazia  suas explanações sobre procedimentos administrativos a serem executados.
Compondo a mesa diretiva mais três pessoas também trocavam olhares inquisidores diante do barulho repetitivo.
Quando outra pessoa tomava a palavra o barulhinho curioso não acontecia. Bastava a dirigente reiniciar sua fala e pronto....splasch...splasch...splasch....
Até que identificou-se que tal ruído vinha da primeira fileira da plateia, mais precisamente das mãos de um diretor de escola.  Em seu colo além dos papéis utilizados na reunião, havia um saquinho plástico branco não transparente que era constantemente mexido pelas mãos de seu portador.
A curiosidade foi grande e uma das componentes da mesa diretiva, sem grande alarde, levantou-se e passou a ocupar uma cadeira que até então estava vazia justamente na primeira fila.
Ficou atenta e com os olhos fixos no saquinho branco esperando o momento em que ele fosse novamente tocado.  Não demorou muito pois assim que a dirigente retomou sua fala  o tal splasch se fez ouvir no recinto.
Neste instante o segredo foi desvendado pelo olhos atentos daquela que estava sentada próxima.  
O diretor havia levado de maneira disfarçada dentro do tal saquinho, um mini gravador que era ligado e desligado a todo instante. Foi o recurso que ele encontrou para poder ouvir e estudar novamente as orientações no momento de executar o trabalho. 
Consciente das dificuldades que geralmente ocorriam na elaboração das tarefas administrativas, ele resolvera gravar as explanações para minimizar tais problemas e reduzir as falhas.
Se no dia a dia  havia essa preocupação no tocante à escrituração escolar, em contrapartida contornava as dificuldades  de seu cargo de forma bem satisfatória visto que a escola situava-se num bairro  periférico e naquela época com sérios problemas econômicos e sociais. Creio mesmo que outra pessoa não teria fibra para permanecer tantos anos à frente desta unidade escolar como ele permaneceu.
A despeito destas adversidades procurava manter o bom humor o que de certa forma ajudava a diminuir os ralhos de seus superiores.
Um fato em especial sempre me faz rir ao lembrá-lo. 
Na necessidade de se passar aviso urgente para todas as escolas o recurso disponível na época  era somente o telefone.  A internet não havia ainda se popularizado nem tampouco o celular. É bom que se esclareça que não havia também o tal identificador de ligações.
Em uma dessas ocasiões a funcionária começou a ligar rapidamente para todas as unidades.  Ao telefonar para a escola deste diretor não reconheceu de imediato a voz dele, ao passo que ela sim teve sua voz reconhecida por ele.  Na dúvida e achando que havia ligado para número errado, a funcionária quis saber de onde estava se falando. Num momento de descontração e para zoar um pouco como se diz hoje em dia, ele respondeu de pronto:
- É da Funerária Santa Maria, sua morte nossa alegria!
Assustada com tal resposta a funcionária desligou imediatamente o telefone. Claro que logo a seguir nova ligação desfez a confusão e todos acabaram rindo muito da situação.
Em momentos assim que paramos e pensamos que se há de procurar colher sempre as virtudes das pessoas pois é sabido que falhas todos nós as temos.

Santos, 02/11/2019

Para Mariana que não quis saber de papo com a Funerária Santa Maria....eita!

terça-feira, 23 de julho de 2019

ESSA TAL EMPATIA





Interessante esse sentimento chamado empatia.
Do nada, assim sem aviso prévio, conhecemos alguém que embora ainda seja uma página em branco em nossas vidas, já desperta nossa atenção e transmite um sentimento agradável.
Foi assim que há muitos anos ao iniciar uma experiência nova em termos profissionais, entre tantas pessoas totalmente desconhecidas, um rosto com um sorriso tranquilo e seguro,  transmitiu  a mensagem que eu era bem-vinda. Sabendo de minha total inexperiência naquele campo, colocou-se à minha disposição para os primeiros passos.
Nossa convivência neste período foi curta mas isso não impediu de guardar para sempre na memória,  aquele sorriso doce e tranquilizador.
A dona deste sorriso era você Ivani.
Anos se passaram até que numa viagem de férias a vejo chegar cheia de expectativas e trazendo sua mala. Para minha surpresa você fazia parte do grupo e isso me alegrou bastante.
Convivemos vários dias neste período de viagem e suas atitudes só reforçaram o que eu já sabia:  pessoa  sincera, meiga, sensata e alegre. Trazia na face a expressão que nos faz reconhecer um verdadeiro amigo.
Novamente nossos caminhos se distanciaram e depois de mais de uma década, a reencontrei novamente graças a amigas em comum.
A partir daí as saídas com o grupo tornaram-se mais frequentes: era uma noite de pizza regada a vinho, algumas comemorações,  jantares na casa de alguém  ou simplesmente para conversarmos e rirmos muito. 
Mudei de cidade e a partir daí toda vez que visitava  nossa sempre amada Rio Claro, combinávamos uma saída à noite com toda a turma.  Justamente em várias oportunidades estas noites coincidiram com capítulo final de novela e você, noveleira que era, abria mão de assistir o tal capítulo para poder participar do encontro.
Não esqueço de uma certa manhã de sábado em que passei rapidamente por Rio Claro. Nesta ocasião fiz uma caminhada com amigas nas proximidades do campo de aviação. Você ficou sabendo disso e deu um jeito de aparecer por lá apenas para me dar um abraço.
Até em Santos você veio me visitar com as amigas.  Foram dias de muita alegria e até um senhor banho de chuva tomamos na volta para casa depois de um passeio.
Fui acompanhando sua vida à distância depois que adoeceu  e sempre torcendo e rezando.
Até que...
Até que na semana passada recebi a notícia de sua partida.
Claro que um filme passou em minha mente. Um filme em câmera lenta fazendo uma retrospectiva destes anos todos.  Em cada cena sempre seu sorriso doce se destacava.
Siga em paz amiga Ivani.
Siga em paz e com a certeza que faz parte da história de quem pôde conviver com você.
Deixou-me somente boas e belas lembranças e um sentimento de eterna gratidão.
Parece que estou vendo alguém sorrindo no céu.  Será você?

Santos, 22 de julho de 2019

Para amiga Ivani Aparecida Lombardo (in memorian)

segunda-feira, 11 de fevereiro de 2019

THELMA





Conhecemo-nos há aproximadamente 5 anos.
Cheguei novata entre as alunas, já antigas frequentadoras das aulas.
De imediato me foi dito que talvez não houvesse  vaga naquela turma, mas sim em outro dia e horário.
Lembro-me bem como foi a reação de algumas alunas e a dela em especial, intervindo na questão e dizendo ao professor que me permitisse frequentar as aulas naquele grupo.
Assim foi feito e comecei a participar daquela turma.
Já no primeiro dia ainda um tanto quieta e tímida, tive a primeira demonstração de seu temperamento  autêntico e forte.  Irritada por conta de uma dificuldade maior em acertar os tons ao  pintar a óleo determinado espaço em sua tela, proferiu algumas palavras que num primeiro momento me pareceram um tanto grosseiras demais. Alguns termos debochados foram citados em alto e bom som.
Antes que me refizesse do susto ouvi sua voz relembrando minha presença na turma, que em sendo novata, poderia me ofender ouvindo determinadas expressões.
Percebendo e compreendendo que aquela situação era mais que rotineira, sorri, a acalmei e esclareci que todos os vocábulos e expressões que ouvira já eram de meu conhecimento e que infelizmente não havia aprendido nada novo.
Foi então a vez dela rir alto ao perceber que eu havia entendido que tais explosões eram costumeiras e serviam apenas como desabafos momentâneos.
Assim era Thelma, explosiva e impetuosa. Escondia por trás de seu comportamento impulsivo, um coração enorme e disposto a ajudar quem dela se aproximasse.
Sua maneira autêntica de ser, apesar de a princípio causar certo receio, fez com que a admirasse mais.  Dizia o que realmente estava pensando, sem bajular, sem eufemismos. Falava com o objetivo de aprimorar ou acrescentar algo que julgasse necessário, sem a menor preocupação em  "dourar a pílula". 
Neste curto espaço de tempo em que convivemos, pude observar embora de forma lenta, o declínio de sua saúde.   Apesar de estar ciente de certas restrições necessárias ao seu bem-estar, ela nunca preocupou-se muito consigo mesma e descumpria com frequência tais restrições, não ouvindo os conselhos de ninguém. 
Nesta semana, após um último ano muito difícil e com os problemas de saúde agravados, Thelma partiu.
Sua presença física não mais será vista mas com certeza seu jeito tão peculiar de ser, tão despojado de não me toques, bem como seu enorme coração, jamais serão esquecidos.
Vá em paz Thelma!
Continue pintando suas obras nesta tela azul e enorme do céu, que daqui debaixo  estaremos  admirando. Siga seu caminho com a certeza que viverá para sempre na memória daqueles que a conheceram.

Santos, 11 de fevereiro de 2019.

Para Thelma Dib.