segunda-feira, 13 de janeiro de 2020

HÁ CINCO DÉCADAS





Em pleno salão de baile carnavalesco ela gritava em meio à folia e às marchinhas:
- Guarde uma carteira ao lado da sua no primeiro dia de aula!
Falava com a alegria que sempre a acompanhou e acompanha até nos dias atuais.  Eu ria,  acenava positivamente e assim procedia.
Sentávamos lado a lado nas velhas carteiras modelo Brasil, aquelas cujos tampos eram presos ao encosto da carteira da frente. Assim foram os 3 anos do curso do Ensino Médio que nos anos 60 era chamado de Curso Normal, formando as futuras professoras de 1ª à 4ª séries do Ensino Fundamental, antigo primário.
Esta posição das carteiras facilitava o contato nos dias de prova. Minha letra sempre foi grande mas apesar disso era comum ouvir um sussurro vindo da carteira ao lado dizendo - aumenta a letra, aumenta a letra!
Sorrio só em lembrar! Eram atitudes inocentes e típicas de adolescentes que estavam bem longe de comportamentos como os que geralmente vemos nos tempos atuais, carregados de maldade e total falta de educação.
Nos efervescentes anos de 1967 a 1969  quarenta jovens na faixa de 15 e 16 anos estudavam na mesma classe.  Muitas delas já haviam cursado juntas também os antigos cursos ginasial e primário e aí os laços de amizade só se fortaleceram.
Cada qual com seu temperamento, com sua expectativa diante da vida; algumas expansivas, outras tímidas, algumas sempre alegres, outras mais contidas.
A verdade é que apesar das diferenças entre si todas formavam um grupo coeso de muita amizade e cumplicidade, cuja marca registrada eram a alegria e espontaneidade. Éramos felizes e sabíamos disso.
Era uma turma de boas notas e excelente educação mas que de certa forma desafiava os professores que necessitavam buscar muita bagagem para motivarem suas aulas.
Impossível não lembrar das aulas descontraídas de Psicologia quando o professor usando de fina ironia, brincava com os fatos que ocorriam. Até hoje me lembro da blusa que ele chamava de  psicodélica (era um termo da moda) que era sempre usada por uma das alunas, bem como do dia em que um pandeiro caiu no chão durante sua aula. Ele era doutor em sua área e sabia bem como lidar com aquela classe que transbordava dinamismo.
As aulas de Sociologia já eram mais silenciosas e o professor bem circunspecto. Fizemos a leitura e  interpretação completa do livro de autoria de Aldous Huxley, Admirável Mundo Novo. E não é que estamos vivendo realmente neste admirável mundo?
As temidas chamadas orais de História deixaram marcas em muitas alunas.  As dissertações sobre a História do Brasil e História Geral exigiam excelente memória!
Cada professor procurava se adequar àquela turma irrequieta e ao mesmo tempo curiosa diante do mundo que estava se abrindo à sua frente.
Muitas já namoravam e no sábado (havia aulas neste dia também) a sala mais precisamente o fundão da sala, transformava-se num salão de cabeleireiro.  Qualquer folga, qualquer tempinho, lá estavam algumas pedindo auxilio para as amigas que eram mais jeitosas com os arranjos nos cabelos e com a manicure, afinal era dia de namorar na Praça da Liberdade após as aulas da tarde.
Na semana que antecedia algum baile especial principalmente no clube Ginástico Rioclarense frequentado pela maioria, o alvoroço da moçada era imenso. Modelos de vestidos, escolha de penteados, de sapatos,etc
As saídas para passeios extraclasse eram diversão garantida.  Geralmente o transporte era improvisado e íamos na carroceria do caminhão do pai de uma das alunas.  Momentos que com certeza nenhuma de nós esqueceu e nem esquecerá.
Éramos 40 jovens e trazíamos no olhar muitos sonhos, esperanças e vontade de abraçar o mundo. 
E assim após 3 anos juntas chegamos à formatura, ao momento no qual cada uma já tinha traçado o rumo a seguir.  Algumas foram para a Universidade, outras abraçaram de imediato o magistério e algumas se casaram logo após a formatura e até mudaram de cidade. 
Nas voltas que o mundo deu acabamos nos desencontrando pelas esquinas da vida e ficamos reduzidas a pequeninos grupos.  Vez ou outra nos encontrávamos ao acaso.
A chegada da tecnologia com suas mil possibilidades de comunicação virtual, possibilitou o início  dos contatos. Como rastilho de pólvora as mensagens correram rapidamente em todas as direções e em pouco tempo quase a totalidade das jovens foram localizadas.
Infelizmente 6 já nos deixaram e algumas poucas não puderam ser contatadas.
Neste dezembro de 2019 completamos 50 anos de formatura. E claro, um almoço foi organizado para o reencontro das jovens formandas de 1969.
Na longa mesa que se formou no restaurante era impossível saber quem falava mais.
Na verdade talvez a frase correta seja:  impossível saber quem sorria mais.
O comportamento do grupo reunido era exatamente o mesmo  vivido há 50 anos. A alegria do reencontro, as novidades que cada uma tinha para contar, as lembranças de fatos ocorridos nas aulas. Enfim, uma infinidade de emoções para extrapolar! Risos e lágrimas de alegria ao mesmo tempo.
Realmente somos o que vivemos e posso garantir que nestas poucas horas que passamos juntas, foi como se estivéssemos nos arrumando para a festa de formatura.  
A euforia daquelas jovens no final do curso estava novamente presente, como se cinco décadas não tivessem transcorrido.
Recordando Vinícius de Moraes - "A vida é a arte do encontro, embora haja tanto desencontro pela vida" .
Parabéns amigas pelos 50 anos de formatura no Instituto de Educação "Joaquim Ribeiro" - Rio Claro/SP

Santos, 12 de janeiro de 2020

Deixo aqui uma homenagem especial às amigas que já partiram: Cristina Nobreza, Bia Moreira, Marli Pacheco, Cecília Chinelato, Maristela Fernandes e Vanuza Leal.