sexta-feira, 8 de janeiro de 2021

DEZESSETE DEZEMBROS





Aposentadoria se aproximava e planos entravam em ebulição em sua cabeça.

Decidiu que era chegado o momento de partir para novas terras já que os familiares mais próximos moravam em São Paulo e Campinas. Vivia o tal chamado tempo da travessia, quando sentimos necessidade de trocar os caminhos.

Mudar-se para São Paulo descartou de imediato. Depois de morar mais de 50 anos em cidade de médio porte, concluiu que apesar de gostar da capital para passeios não se daria bem e teria dificuldades principalmente para dirigir por lá.  Já se imaginou saindo no Jornal Nacional em rede, como causadora de confusões no intenso trânsito paulistano.

Agora aposentada desejava uma vida mais calma, sem horários, sem correrias.

Foi quando surgiu a ideia de Santos, cidade que pouco frequentou mas da qual guardava boas lembranças. 

Assim pensou, assim procedeu.

No meio do ano saiu a tão esperada aposentadoria  mas por causa de compromissos ainda permaneceu em sua cidade até meados de dezembro.  Neste meio tempo providenciou residência em Santos, aquisição de alguns materiais necessários e com tudo planejado e organizado, partiu de mudança para novos ares.

Foi num 15 de dezembro.

Nunca havia se sentido tão bem!  Tudo era novidade! 

A cidade a encantou com a beleza do jardim da praia, com a alegria, com o agito, com as famílias inteiras passeando pelo calçadão. Era época natalina e as festividades deixavam tudo mais ainda bonito.

Estranhou no início o fato de caminhar por tempos sem encontrar nenhum conhecido. Estava acostumada a sempre topar com amigos, com ex-alunos, ex-colegas de trabalho a cada vez que saia na rua em sua cidade natal.  Em Santos era apenas um rosto desconhecido no meio do povo e isso lhe dava uma sensação muito boa.

Explorou passeios, museus, diferentes restaurantes e claro, a praia.

Ainda não sabia se iria acostumar na nova cidade mas tudo indicava que não voltaria para o interior apesar de adorar sua Rio Claro.  

Dito e feito. Adaptou-se rapidamente nesta bela cidade que à época de sua mudança, apresentava inclusive um custo de vida menor.  Infelizmente na época da descoberta do pré-sal a ganância do homem fez os valores subirem, fato que se mantém até hoje.

Passados os primeiros meses de euforia e descobertas começou a rondá-la a sensação de inutilidade que se apossa dos aposentados.  Estava acostumada a trabalhar mais de 8 horas/dia e inclusive levar serviço para casa.  De repente a ociosidade começou a incomodar.

Foi quando procurou uma escola, seu ambiente de trabalho por mais de 30 anos, para colaborar de alguma forma pois conhecia bem a realidade das escolas públicas.

Teve a sorte de ser muito bem recebida em uma unidade próxima à sua casa e que justamente precisava  na ocasião de alguém que entendesse de informática.  Começou então a  colaborar um pouco na Coordenação Pedagógica, campo que lhe era bem familiar. Assim passaram-se 14 anos neste voluntariado.

Neste meio tempo envolveu-se em outras atividades que passaram a ocupar as horas de seu dia, terminando com aquela sensação horrorosa de inutilidade.  Entretanto, até há pouco tempo por incrível que pareça, ainda não se sentia confortável ao ir caminhar na praia em plena segunda-feira. 

E assim neste ano deu-se conta que já passaram dezessete dezembros desde que veio a Santos.

A saudade de sua querida Rio Claro é enorme. Saudade dos amigos, de familiares e de um tempo que foi bom demais. Volta e meia vai revê-la e embora se entristeça com mudanças que a modificaram muito, a Cidade Azul jamais sairá de seu coração.

Relembrando a canção-prece de Cristovão Barros e Aldir Blanc: Resposta ao Tempo.

" Tempo tempo tempo tempo

Vou te fazer um pedido

Tempo tempo tempo tempo".

O tempo voa mas o bom é que somos o piloto e com as experiências vividas podemos direcioná-lo para o que nos faz bem.

Santos, 08 de janeiro de 2021

Nana Caymmi - Resposta ao Tempo