sábado, 24 de agosto de 2013

A ENTRADA NOS "ENTA"




À medida que caminhamos pela vida, adquirimos o hábito de olharmos com mais frequência para trás, quer seja para recordarmos algo bom, quer seja para matarmos alguma saudade ou então para vivenciarmos ao menos em pensamentos, momentos marcados por belas emoções.
Isto é até compreensível já que em certa altura de nossa existência, a estrada que se abre à frente terá com certeza menos quilômetros a serem percorridos, do que o trajeto que deixamos para trás.
Noto, entretanto, que perdemos muito do precioso tempo atual justamente nesta parada, neste pit stop, observando o que ficou em cada curva percorrida.
Não sei se por questão cultural ou mesmo social, quando se entra na conhecida fase dos “enta”, reduzimos erroneamente as expectativas de vivenciarmos grandes mudanças ou  grandes transformações.
Nossos olhares já não buscam um horizonte longínquo; contentam-se com o que enxergam até na esquina mais próxima.
Fazendo uma retrospectiva, lembro-me que ao chegar aos quarenta anos passei a recordar com muita frequência, fatos da infância e da juventude, quando então julgava que o mundo poderia ser conquistado com um simples abraço. Talvez inconscientemente em função disso, passei a valorizar muito mais esta época da vida, do que o próprio momento que surgia em meu dia a dia.
Curiosamente dez anos depois, quando completei meio século de vida, as lembranças do que vivi aos 40 anos, mostraram que na verdade em qualquer momento de nossas vidas, sempre haverá novos horizontes a serem explorados e descobertos. Cada tempo tem seu sonho.
Se por um lado recordar nos faz bem, pois não devemos e nem podemos esquecer nossas raízes, por outro lado, este hábito precisa ser bem administrado para que não nos impeça de olhar para frente e não nos tire o direito, a curiosidade e muito menos a emoção da descoberta do que há depois da próxima curva na estrada da vida.
Pelos caminhos vamos colhendo e guardando lembranças, mas sempre em busca de novos sonhos e novas esperanças.



Santos, 24 de agosto de 2013  

sábado, 10 de agosto de 2013

SENHOR ITALO



Mais um dia dos pais se aproxima.
Independente de ser uma figura sempre lembrada, nesta época parece que as emoções ficam mais à flor da pele.
Impossível ver um comercial na TV, propagandas em lojas, mensagens na internet, sem que nossos pensamentos se direcionem ao nosso pai.
As primeiras imagens dele que me vêm à mente, é vê-lo organizando seus papéis em pastas (nossa, como ele tinha pastas!), etiquetando caixas, colando objetos, trabalhando em alguma nova invenção nem sempre útil e fazendo anotações em suas agendas. Aliás, ele tinha agendas de todos os tipos e tamanhos.
Interessante que mesmo muito antes da linguagem internetês existir, era possível ler em sua agenda lembretes como, por exemplo: cortar kbelo, ou então, comprei kfé. Setembro ele anotava assim: 7mbro.
Muito criança ainda, uma de minhas brincadeiras era imitar sua profissão de representante comercial, inventando clientes e fornecedores.  Lembro-me que utilizava nestes momentos, suas já usadas cadernetas quilométricas de viagem da antiga Companhia Paulista de Estradas de Ferro. Eu achava meu pai importante por ter essa caderneta que trazia a foto dele e anotações das viagens feitas.
Um pouco mais crescida, minhas brincadeiras já eram na rua com a criançada da vizinhança.  Nesta fase já comecei a sentir mais sua autoridade e reserva, pois não sentia muita facilidade e liberdade para dele me aproximar. 
Foi na adolescência que sua presença de certa forma, começou a causar em muitos momentos, mais receios do que qualquer outro tipo de sentimento.
Ainda hoje me lembro da dificuldade que era obter seu consentimento para aos domingos, ir ao cinema com amigas, aos 14, 15 anos de idade.
Se o pedido fosse feito no início da semana, a resposta que eu até já sabia de cor seria:
 - Ainda há muita água para passar sob a ponte. 
Caso contrário, se o pedido fosse feito no sábado, a resposta seria:
- De última hora não costumo decidir coisas!
Resultado, nada de cinema com amigas.  Acabei desistindo de pedir-lhe e passei a ir somente com autorização de minha mãe, que como se dizia, “segurava a barra” por mim.
Estes tipos de atitudes acabaram reforçando certo distanciamento dos filhos em relação a ele, pois havia sempre o receio de uma bronca inesperada e muitas vezes, não merecida.
Já adulta, comecei a entendê-lo melhor e descobrir que por baixo daquela armadura invisível que ele vestia, havia alguém que se importava com a família, com amigos, mas que tinha grandes dificuldades em manifestar isto através dos gestos tão comuns, como um abraço ou até um simples aperto de mãos.   
Pude vê-lo emocionado pouquíssimas vezes e mesmo assim, de maneira bem contida.  Talvez, nestas poucas ocasiões, já vendo os filhos adultos, sentiu-se um pouco mais seguro para extravasar sentimentos trancados no peito durante anos.
Interessante que fora do âmbito familiar, ele era divertido com amigos, contador de piadas e ria com muita facilidade.
A armadura que vestia era na verdade sua proteção, sua maneira de não demonstrar emoções e desta forma, manter o que ele entendia ser sua autoridade de pai e de chefe de família. Esta minha interpretação se reforçou com a chegada dos netos, com os quais seu comportamento foi bem diferente do que teve com os filhos.
Aprendi a respeitá-lo e a temê-lo desde a infância. 
Somente na fase adulta é que pude compreendê-lo melhor e admirá-lo mais ainda após sua partida, ao saber de atitudes elogiáveis que tomou e não contou nem mesmo aos beneficiados.  
Este era o Sr. Italo, meu pai.
Esteja onde estiver, desejo-lhe um FELIZ DIA DOS PAIS!

Santos, 10 de agosto de 2013  (Véspera do Dia dos Pais)