segunda-feira, 8 de abril de 2024

BULLYING SEMPRE EXISTIU

 



            Vez ou outra um comentário, uma palavra, uma foto, nos lembram momentos interessantes que vivemos recentemente ou mesmo há muitos anos.
           
           Lembranças antigas da cidade mostradas recentemente numa rede social, de imediato lhe trouxeram à mente um fato marcante que até hoje a surpreende.

           Época: antigo Curso Primário, atual Ensino Fundamental I. 
          
          Escola: “Marcello Schmidt”.
          
         Com um ano apenas de diferença na idade, os dois irmãos cursavam ele a 4ª série e ela a 3ª série.

        Nesta fase ela era um tanto espevitada, enquanto ele era tranquilo, calmo e ignorava qualquer provocação. Ficava sempre como se diz, “na dele”.

       Talvez devido a este posicionamento um colega de classe passou a provocá-lo, adotando um comportamento que hoje chamamos de bullying.

      Sempre na saída das aulas ele levava um tapinha na cabeça, uma puxada de orelha, ou outra hostilidade qualquer. Nunca reagia, não dava a menor bola.

        Os irmãos e o provocador sempre faziam o mesmo trajeto ao saírem da escola até chegarem ao jardim público. A partir daí os caminhos se diferenciavam.

       Certa vez a irmã cansada de ver tais provocações, resolveu tomar uma atitude e a fez em total silêncio, sem comentar nem com os pais.

      Como era bem menor que o garoto agressor, sabia que não teria chance ao enfrentá-lo cara a cara. Lembrou-se então da enceradeira que havia na casa e que era usada para dar brilho ao assoalho. As três escovas de sua parte inferior eram unidas por uma borracha grossa e forte que às vezes escapava da tal enceradeira.

            Era a arma que ela precisava.

         Na manhã seguinte, antes de seguirem para a aula, a garota retirou a dita borracha do local e a guardou dentro da bolsa escolar, esperando a oportunidade para usá-la.

         Naquele dia retornaram novamente juntos para casa sendo seguidos de perto pelo importunador. Ao chegarem ao meio do jardim público, onde até há pouco tempo existia uma banca de revistas, eis que seu irmão leva um tapa na cabeça.

        Ela imediatamente pegou a borracha de dentro da bolsa e sem que o outro tivesse tempo de se defender, começou a desferir borrachadas em suas pernas.

        Naquela época o uniforme escolar dos meninos era uma calça curta, o que deixava as pernas totalmente à mostra.

        Pego de surpresa, o autor do bullying começou a correr e foi seguido de perto pela garota que continuou a lhe acertar as pernas com a borracha.
     Fizeram várias voltas em torno da banca de revistas enquanto o proprietário, senhor Edgar, incrédulo, só olhava a cena.

         Finalmente o provocador saiu em disparada rumo à sua casa.

         A partir daquele dia, o bullying nunca mais aconteceu.

        Para ela a enceradeira tinha sido muito mais útil do que simplesmente dar brilho ao assoalho.
 

Santos, 07 de abril de 2024

Nota: Para Angela Hilsdorf pela recordação da banca do sr. Edgar, e ao W.B. que já praticava o bullying há muitos anos.

 Aí está a borracha preta contornando as 3 escovas.


quarta-feira, 27 de março de 2024

AFEIÇÃO E INDIFERENÇA

 


          A cada ano que passa, e já se vão várias décadas desta minha existência, mesmo sem planejar ou desejar, acabo fazendo comparações buscando analogias e diferenças em meu modo de pensar e me relacionar com o mundo, durante todo este tempo.

        Observo alterações muitas vezes significativas.

        Na infância e se estendendo até o início da fase adulta, prestes a entrar no mercado de trabalho, é inerente e esperado que todos tenhamos muitos objetivos a alcançar, sonhos a realizar, sempre buscando um crescimento pessoal e também sucesso na vida profissional.  

      Claro que estas realizações quando atingidas com resultados altamente positivos, trazem consigo na esteira, facilidades para aquisição de bens de um modo geral. Isto é perfeitamente compreensível.

     Estamos, porém, presenciando atualmente uma verdadeira febre que costuma se chamar  ostentação. 

       Pessoas ainda bem jovens que por um ou outro motivo conseguem se destacar dentre as demais (não entrarei no mérito deste fato), sentem uma necessidade enorme em exibir bens adquiridos, passeios caros, vida de luxo, numa ambição sem limites.

       Nada contra.  Cada um faz de sua vida o que lhe apraz, mas sinto uma vulnerabilidade enorme nesta tal ostentação, pois se deseja um objeto apenas para tê-lo, sem significado maior além da pura exibição.

       Entretanto, voltando à análise de como enxerguei a vida nestes anos todos, observo que apesar de nunca ter sido consumista,  o tempo me tornou mais seletiva ainda.

       É a tal dicotomia: afeição e indiferença.

      Não é qualquer fato ou coisa que me atraia ao ponto de desejá-la ardentemente. 

      Noto que as coisas que mais me falam à alma, mais tocam meus sentimentos, além é claro, das pessoas com as quais convivo, são objetos que carregam em si, uma parte de minha história de vida.

     Assim é com uma mesa que está na família há muitos anos, uma jarra de porcelana, plantas que minha mãe cuidava com carinho, uma roupa que usei numa ocasião de plena felicidade, um local onde estive na companhia de pessoas que amo, um casa onde morei por anos e que me recorda momentos bons vividos em cada cantinho dela, assim como as pessoas que a compartilhavam.

      Já me disseram, que coisas são coisas, assim como Chico César canta na música “De uns tempos para cá”. * 

      Claro, concordo que coisas são meramente coisas. Não é necessário ser discípula de Platão ou Sócrates para entender isso.

       Reafirmo, entretanto, que aprendi através da vivência de décadas, que há coisas que são relevantes, justamente por nos trazerem lembranças boas, lembranças queridas que por si só, são excelentes companheiras. 

        Por estas eu tenho afeto, e me orgulho disso!

Santos, 27 de março de 2024


*Música: DE UNS TEMPOS PARA CÁ

Autor: Chico César

De uns tempos pra cá

Os móveis, a geladeira

O fogão, a enceradeira

A pia, o rodo, a pá

Coisas que eu quis comprar

Deu vontade de vender

Pra ficar só com você

Isso de uns tempos pra cá

De uns tempos pra cá

O carro, a casa, o som

Tv, vídeo, livros, bom

O que em tese faz um lar

Admito eu quis comprar

Começo a me arrepender

Pra ficar só com você

Isso de uns tempos pra cá

Coisas são só coisas

Servem só pra tropeçar

Têm seu brilho no começo

Mas se viro pelo avesso

São fardo pra carregar

Coisas são só coisas

Servem só pra tropeçar

Têm seu brilho no começo

Mas se viro pelo avesso

São fardo pra carregar

De uns tempos pra cá

O pufe, a escrivaninha

Sabe a mesa da cozinha?

Lençóis, louça e o sofá

Não precisa se alterar

Pensei em me desfazer

Pra ficar só com você

Isso de uns tempos pra cá

De uns tempos pra cá

Telefone, bicicleta

Minhas saídas mais secretas

'To pensando em deixar

Dê no que tiver que dar

Seu amor me basta ter

Pra ficar só com você

Isso de uns tempos pra cá

Coisas são só coisas

Servem só pra tropeçar

Têm seu brilho no começo

Mas se viro pelo avesso

São fardo pra carregar

Coisas são só coisas

Servem só pra tropeçar

Têm seu brilho no começo

Mas se viro pelo avesso

São fardo pra carregar


segunda-feira, 5 de fevereiro de 2024

NOSSAS ORIGENS

 

       


Desde pequena ouvíamos nosso avô paterno e também nosso pai, falarem sobre Lucca, uma cidade italiana na região da Toscana de onde nos fins do século XIX, nossos bisavós Angelo e Rosa vieram para o Brasil em busca de novas oportunidades.

Um cunhado de Angelo já havia feito esta mesma viagem e isso estimulou o casal a imitá-lo.

Com eles veio o primogênito Casemiro. Os demais filhos nasceram no Brasil.

Lembro-me que avô Adolpho dizia que quando ainda era bem menino a família retornou à Lucca, mas optaram mesmo por fixar residência no Brasil, especificamente em Rio Claro/SP, e para lá mudaram-se definitivamente após um tempo na cidade italiana.

Ficava evidente o desejo de Adolpho e também de meu pai, de conhecerem esta cidade italiana, mas naqueles tempos era realmente um sonho impossível devido às dificuldades na viagem, dificuldades na comunicação e financeiras obviamente.

Cresci com uma Lucca imaginária na mente. 

Sempre fui muito interessada em História, e em se tratando da história de minha família então, esse interesse triplica! Com certeza isso se passa também com os demais membros da família.

Anos se passaram e com eles quase um século e meio desde a vinda do casal ao Brasil.

Nos meses finais de 2023 começamos a esboçar e programar uma possível realização deste sonho.

Graças ao empenho de minha cunhada Selma e a colaboração de todos, em especial de meu sobrinho, passo a passo fomos planejando tão almejada viagem.

No último mês do ano, precisamente em dezembro, o que me parecia inviável aconteceu.

Aproveitando nossa estada em terras lusitanas onde atualmente meu irmão e família residem, partimos com destino a Lucca, passando no caminho pela bela Milão e a indescritível Florença. Infelizmente as duas mais novas da família, Carolina e Luíza, não puderam nos acompanhar em função de compromissos profissionais.

Já na estrada a visão dos primeiros outdoors com propagandas do comércio na cidade, foram nos deixando cada vez mais ansiosos. A despeito de já termos visto reportagens e fotos dos locais, tudo nos parecia a mais pura novidade. 

Era como se estivéssemos entrando verdadeiramente no túnel do tempo.

Com auxílio da tecnologia e acesso a determinadas informações, conseguimos chegar à Igreja San Cassiano a Vico.

Primeira parada e primeira emoção.

Foi justamente nesta igreja que em 6 de outubro de 1892, Angelo Cerri desposou Rosa Marcucci.

O ponto de partida de nossas origens estava ali, diante de nossos olhos.

Uma igreja antiga como já esperávamos, simples e pequena, mas que causou em mim e com certeza aos demais da família, uma emoção imensa.

Diante do altar singelo e ao mesmo tempo grandioso para nós, a fantasia criou asas e não foi difícil imaginar o casal ali, iniciando nossa família.

Como gostaria que meu avô e meu pai estivessem conosco ali, naquele momento. 

Seria mais sublime ainda!

De posse de informações em documentos antigos, conseguimos também passar pelas ruas onde ambos moravam quando solteiros. Tudo era novidade, tudo era aperto no coração.

Permanecemos em Lucca por 3 dias e assim pudemos caminhar por locais onde nossos antepassados com certeza passaram, talvez já ansiosos e munidos de coragem planejando a travessia do Atlântico em busca de novas vidas.

Uma cidade medieval que conserva suas tradições e ao mesmo tempo caminha rumo ao futuro. Um lugar extremamente prazeroso onde cada cantinho nos conta uma história interessante.

Impossível não sentir que nossos bisavós nos acompanharam durante todo este passeio.

A visita a Lucca e a entrada na igreja San Cassiano a Vico, representam fatos dos mais marcantes em toda esta minha existência de mais de 7 décadas.

Retornamos às origens e vivenciamos nosso passado.

Sensação inesquecível!



Santos, 05 de fevereiro de 2024.



Obs: Meus agradecimentos a todos da família e em especial à Selma e ao Luís Fernando.





                                           Igreja San Cassiano a Vico - Lucca - Itália



                                   Sobrado da família Cerri - Rua 3 esquina da av. 8 - Rio Claro/SP
                                                          Ano: 1936

                              Ainda não havia nascido o último neto: Sérgio Francisco Cerri

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