sábado, 31 de dezembro de 2011

E O METRÔ DE VIENA PAROU

O bom humor é um elemento essencial que deve constar na bagagem de qualquer viajante, principalmente se o destino for algum país onde não conheça a língua.
Cada passeio, o uso de transporte público, cada refeição e até uma simples ida ao banheiro, pode se converter num mico homérico.
            No restaurante, uma tática que surtiu um bom efeito foi olhar o prato do vizinho de mesa. Se o aspecto agradou, disfarçadamente chamar o garçom e apontando para o vizinho, indicar que se deseja exatamente a mesma coisa.  Claro que há de se ter o cuidado de não ser observado pelo proprietário do citado prato. Mesmo assim, ainda há uma margem de erro, pois às vezes a quantidade é astronômica e o jeito é dar conta de tudo aquilo.
Numa dessas situações por exemplo, um pig (porco em inglês) acabou sendo confundido com um big (grande) e aí, quando o prato chegou, a cara de espanto de todos foi impagável.
Na bilheteria do teatro, houve um momento que chegamos a desconfiar que fosse um índio tentando se comunicar com um alemão, usando a linguagem tupi-guarani. Saiu algo assim:  
- Eu pagar ticket internet.    
Como não houve compreensão, nova tentativa foi feita e essa acarretou boas risadas de quem estava por perto:
          - I buy  tickets internet.
          Entretanto o termo buy que significa comprar em inglês, foi pronunciado exatamente como se escreve e não bai que  é a forma correta de se dizer.
A gargalhada de quem conhece o idioma denunciou que algo estava errado, mas finalmente o alemão entendeu o que estava sendo falado.
No último dia do ano, claro que o mico tinha que ser caprichado, e foi com certeza. 
Conseguiu-se literalmente parar o metrô de Viena por alguns minutos.
Na pressa em entrar no vagão do metrô, todos carregados com malas e mochilas  já com um respeitável peso, uma sacola contendo um casacão preto caríssimo, cometeu o atrevimento de cair justamente no vão entre a plataforma e o degrau do vagão.
Um grito de alerta foi dado e na indecisão sobre o que fazer no momento pois o sinal de partida do trem já tocara, o grupo todo, arrastando novamente as malas e mochilas, saiu correndo para fora do vagão de maneira toda atrapalhada, nada discreta, atraindo olhares curiosos de austríacos tão bem comportados.
O trem partiu e na plataforma vazia, ficaram os quatro turistas olhando a sacola caída no meio dos trilhos.  E agora, o que fazer? O casacão era emprestado.
A ideia de descer nos trilhos foi logo descartada pois os trens circulam com pouco intervalo entre um e outro.
A saída foi acionar o SOS da estação contando para isso com a ajuda de uma alemã caridosa.  Em pouco tempo, dois funcionários chegaram, desligaram a energia da linha e um deles desceu para resgatar o casaco fujão suicida.
Trabalho concluído, os trens voltaram a circular em poucos minutos.
Depois dessa, o jeito foi partir para Veneza pois por mais um pouco o grupo vira ria manchete no Jornal Nacional de Viena.


Conto escrito a quatro mãos - Ligia e Luíza Cerri

Viena, 31 de dezembro de 2011   

domingo, 25 de dezembro de 2011

E O CUCO VOOU.........


               Viajar por lugares diferentes cujos idiomas nos são desconhecidos, é uma aventura interessante.
            Nessas situações o contato verbal passa ao segundo plano e a mímica acaba auxiliando e muito a comunicação.
            Exemplos claros e reais disso constatamos ao comprar um simples  remédio para resfriado.  O jeito foi simular alguns espirros para que o farmacêutico entendesse o que se desejava. Nos restaurantes ao deparar-se com um filé quase sangrando em seu prato,  bastou um efeito onomatopéico como tchiiiiiiiiiiiiii prolongado e pronunciado várias vezes ao mesmo tempo em que se virava a palma da mão para cima e para baixo, para que o garçom entendesse que se desejava uma carne bem passada.
            Confiante nessa linguagem gestual, ela resolveu fazer compras num local onde o idioma alemão era predominante.
            A parede cheia de pequenos objetos coloridos chamou sua atenção.
            Eram pequenos relógios cucos que estavam expostos para venda em uma relojoaria.  O rapaz a seu lado, já sabedor de suas constantes trapalhadas, alertou-a sobre o risco de esbarrar em outros objetos, pois o espaço era minúsculo.  O alerta foi em vão. 
            Encantada pelo colorido e pelo movimento dos relógios, ela se empolgou e se pôs a escolher um que lhe agradasse mais.
            Mexe aqui, mexe acolá e o que era previsível aconteceu.  De repente o vozerio alemão que se escutava na pequena loja foi suplantado pelo barulho forte de algo caindo e quebrando no chão. 
            Um passarinho cuco conseguira pela primeira vez, realmente alçar vôo livre mesmo que tenha sido em direção ao chão.  Claro que para isso ele contou com a ajuda de um grande safanão.
            Silêncio total enquanto ela abaixava-se para recolher os pedaços que se soltaram do relógio e entregá-los à proprietária que num piscar de olhos  estava em pé ao seu lado com ares nada amistosos, falando algo que ela não entendia. Com certeza a alemã só não a estava chamando de Nossa Senhora. 
            Após catar os pedaços, fazendo gestos com a mão, avisou que levaria o tal relógio mesmo porque não lhe restava outra opção diante da situação constrangedora. Dirigiu-se para o balcão enquanto tentava remontar as partes quebradas.  
             Para sua surpresa, a proprietária colocou de lado o cuco quebrado e trouxe uma caixa fechada com um novo relógio perfeitinho.
            Era justamente o que ela queria.
         Pagou e saiu da loja satisfeita. Antes de fechar a porta atrás de si ainda olhou para a alemã que tinha cara de poucos amigos e fez um aceno de despedida. Usando seu vasto repertório da língua inglesa pronunciou um despretensioso..... bye bye .
           Saiu feliz com seu mini relógio cuco nas mãos.

Munique, 25 de dezembro de 2011  

quarta-feira, 14 de dezembro de 2011

O CAMELO QUE FALAVA EM FRANCÊS

Finalmente chegara o dia combinado com as crianças para irem ao circo.
Há dias que ele estava instalado na cidade e todos comentavam as belezas das apresentações dos mágicos, trapezistas, domadores, palhaços e principalmente o impacto que causava o número do globo da morte.
No final da tarde lá foram os três irmãos mais um primo acompanhados do pai e da tia.  Para que pudessem assistir direitinho todo o espetáculo, as crianças foram acomodadas nas cadeiras próximas ao picadeiro enquanto os adultos ficaram um pouco mais atrás.
A abertura do show com a bandinha de música tocando alto e os palhaços fazendo a maior bagunça, agitou a criançada que batia palmas cantando junto.
Número após número, cada um mais surpreendente que outro, foi desfilando naquele espaço próximo às cadeiras das crianças que não perdiam nenhum movimento dos artistas.
Os palhaços a todo o instante avisavam que logo haveria uma surpresa: um camelo que falava em francês. Depois de vários anúncios, eis que chegou o tão esperado momento.
Por trás das cortinas fechadas ouviu-se um vozeirão gritando:
- Je suis français.
As cortinas então se abriram e um animal grande e todo desengonçado entrou no picadeiro. A entrada foi triunfal e a plateia caiu na gargalhada.
Na verdade era um falso camelo e as crianças logo perceberam que dois homens davam vida ao animal, escondidinhos por baixo daquela fantasia enorme.
Virando-se para o público, o camelo se apresentou:
- Je suis camelê e gostê de comê panzê francê com mortadelê!
O artista que falava pelo bicho não conhecia a língua francesa e propositalmente dizia todos os termos terminando com a vogal e dando-lhe um acento tônico.
As palhaçadas que o animal fazia divertiam a todos: mexia com os músicos da banda, com os palhaços, com os ajudantes do circo, até que finalmente ele resolveu descer para brincar com a plateia.
Os irmãos e o primo que estavam acomodados bem na ponta da terceira fileira das cadeiras, riam muito com a algazarra que o camelo fazia mexendo com as crianças, ora tirando o boné de um, ora pegando a pipoca de outro.  Tão entretidos estavam que não notaram que a irmã caçula, de olhos arregalados, estava na verdade apavorada com o tal camelo francês.
As gargalhadas aumentaram quando o camelo começou a circular entre as fileiras e eis que de repente ele se dirigiu ao local onde estavam os irmãos e primo.
Nesse exato momento a caçula não resistiu mais. Entrou em pânico. Levantou e saiu correndo em disparada entre as cadeiras.  Os irmãos, pegos de surpresa, nada puderam fazer para evitar isso.
Depois de dar a volta toda nas cadeiras da plateia, a garota sempre correndo, se dirigiu ao corredor principal que dava acesso ao picadeiro. Para sua infelicidade, era exatamente esse o trajeto que o camelo faria para voltar ao palco.
O pai da menina na intenção de socorrê-la partiu ao seu encontro, mas acabou se atrapalhando e pôs-se a correr atrás do camelo.
A plateia estourou numa gargalhada só, pois a cena era hilária demais. Parecia ter sido ensaiada: a criança gritando e correndo sendo seguida de perto pelo desengonçado animal e logo atrás dele, o pai da garota.  Os três correndo no corredor central, um atrás do outro.
Quando já estavam próximos ao picadeiro, a tia da menina veio ao seu encontro no sentido contrário e salvou-a daquela situação.
Demorou um pouco para os ânimos se acalmarem, mas o que não demorou foi a enorme bronca que os dois irmãos mais velhos levaram do pai por não terem cuidado da caçula.
Após o encerramento do espetáculo que contou com a brilhante participação, não tão espontânea, dos dois coadjuvantes - pai e filha, todos voltaram para casa.
No caminho as crianças vieram se divertindo à custa da caçula cujo apelido era Dudu. Imitando o camelo francês, diziam:
- Camelê corrê atrás de Duduzê.  Duduzê chorê e quasê se borrê de sustê.
Essa brincadeira durou pouco, pois os irmãos sabiam que o pai não havia gostado nada da fama repentina adquirida na cena, mesmo porque sua performance deixou a desejar. Seu humor não estava lá essas coisas e de repente o castiguê seria imediatê e aí viriam cascudês nas cabecês!

Santos, 14 de dezembro de 2011   

quinta-feira, 8 de dezembro de 2011

O GALO COXO

A vida não era fácil para aquela família lá pelo começo dos anos quarenta.
Desde muito cedo os seis filhos do casal já eram direcionados ao trabalho no intuito de ajudarem nas despesas de casa.  Os garotos ainda na adolescência já desempenhavam com certa destreza o ofício de barbeiro; as filhas mais velhas trabalhavam no comércio e as mais jovens auxiliavam a mãe que além dos cuidados com a casa e com a família, lavava roupas para fora como se dizia naquela época em que a máquina de lavar era objeto de sonhos para a maioria da população.
A despeito da vida simples e desprovida de grandes confortos, o casal criava os filhos com muita dignidade e retidão. 
O chefe da família se virava como podia.  Suas atividades iam do ofício de alfaiate a porteiro de cinema, passando inclusive pelos negócios pois atuava também como vendedor de pequenos animais domésticos como aves, cabritos, porcos, que criava no quintal da casa.
Enquanto a mãe era mais séria, de pouco riso, o pai já tinha um comportamento totalmente diverso.  Brincalhão e divertido, gostava de pregar peças nos amigos e conhecidos.
São inúmeras as histórias contadas na família a respeito de suas brincadeiras. Uma das preferidas era colar moedas na calçada próxima à alfaiataria e ficar de longe espiando aqueles que se abaixavam e em vão tentavam recolher as tais moedinhas de pouco valor.  Suas vítimas preferidas eram duas irmãs solteiras, tidas como endinheiradas e sovinas. Elas não resistiam e sempre paravam para pegar as moedas provocando gargalhadas no autor da brincadeira que escondidinho presenciava a cena.
A criação dos animais em casa também dava motivos para muitas histórias.
Certa vez adquiriu um galo de temperamento um tanto agitado. Volta e meia vinha reclamações da vizinha dizendo que ele havia voado para seu quintal e feito estragos nos canteiros de verduras. 
A princípio seu proprietário resolveu cortar as pontinhas das asas do animal na tentativa de retê-lo em seu espaço.  Essa solução logo se mostrou ineficiente já que o irrequieto galo mesmo com um vôo totalmente desastrado e meio sem rumo conseguia chegar até o território vizinho.
Cansado de tantos bate bocas seu criador teve a ideia de amarrar uma pedra  bem pesada na extremidade de uma tira de barbante e com um forte nó prender a outra extremidade numa das pernas da ave. 
Logo que essa estratégia foi colocada em prática, o bicho tentou fazer algumas decolagens mas o peso da pedra não permitia que ele conseguisse sequer sair do solo.  Depois de várias tentativas frustradas resignou-se a simplesmente caminhar em seus domínios, sempre arrastando a perna onde a pedra estava presa. Dava um passo e arrastava a outra perna, outro passo, novo arrasto.
Finalmente havia sido encontrada uma solução para o problema e a política da boa vizinhança voltou a imperar.
O tempo passou e a ave envelheceu.  Já havia perdido todo aquele arroubo de um perfeito galo de briga quando seu dono resolveu tirar de vez a pedra que por anos acompanhara o animal.
O que se observou a seguir foi um misto de espanto, pena e gargalhadas.
Mesmo sem o peso da pedra o galo dava um passo e arrastava a outra perna, outro passo e puxava a perna. Não parava de coxear de um lado para outro.
O galináceo ficara psicologicamente afetado e na impossibilidade de fazer terapia tornou-se um coxo assumido permanecendo assim até o final de seus dias.

Santos, 07 de dezembro de 2011  

Eis o proprietário do galo, Sr. Izidoro Arnold, meu avô materno com o qual pouco convivi mas de quem guardo boas e belas recordações.

domingo, 4 de dezembro de 2011

AGORA É A MINHA VEZ!

O silêncio que imperava na saleta só era quebrado pelo barulho do dado rolando sobre o tabuleiro e pelas expressões dos dois jogadores: Agora é a sua vez!
O menino com seus 11 anos e a irmã com 10, entretidos que estavam com o jogo, nem se deram conta que a tarde terminava e que não haviam ainda atendido ao pedido da avó para que tomassem banho já que a hora do jantar se aproximava.
Sentados no chão, tabuleiro entre ambos, as crianças estavam no primeiro pavimento da casa, próximos à escada da qual estavam separados por uma grade protetora.
Da cozinha ouviam-se de tempos em tempos as ordens para que parassem o jogo, ordens essas que nem chegavam aos ouvidos de ambos tal a concentração dirigida às pecinhas coloridas que pulavam casas em busca da vitória que demorava a chegar.
Como diz o ditado, paciência tem limite e no caso em questão esclareço que o limite era o menor possível.  Vendo que nada interrompia a brincadeira, a avó dirigiu-se silenciosamente para a escada.
Na saleta as vozes infantis continuavam empolgadas, ora ele, ora ela: Agora é a sua vez!
Subindo vagarosamente os degraus, o rosto da avó começou a aparecer através do gradil. As crianças, pernas cruzadas, olhos que passeavam do tabuleiro para o dado, voltando ao tabuleiro, não se deram conta do olhar extremamente zangado que os fixava ali há poucos centímetros de onde estavam.
Quando o dadinho rolou mais uma vez e antes que qualquer dos jogadores pudesse falar algo, ouviu-se uma voz muito brava e direi que até ameaçadora, afirmando:
- Agora é a MINHA vez!
O susto fez os pequenos olharem na direção de onde a voz tinha partido e deram com aquele conhecido par de olhos verdes, muito grandes e arregalados. Era a avó a poucos passos dos dois.
Com uma rapidez e flexibilidade só possíveis quando se é criança, os dois deram um salto que fez voar longe tabuleiro, pecinhas e dado. As canelas giraram.
Num pique só, cada um correu para seu banheiro fechando ruidosamente as portas  já que na pressa não dava para se ter maiores cuidados. Trancaram-se cada um no seu espaço.  Estavam salvos.
A velocidade foi tanta que a avó surpreendeu-se e acabou rindo da cena pois as canelinhas dos dois giraram tão rápido que ela lembrou-se dos desenhos do bip bip fugindo do coiote. Disfarçou um pouco e manteve a voz de comando pois não poderia fraquejar diante dos netos.
Passados alguns segundos, ouviu-se o barulho dos chuveiros denunciando que as ordens foram cumpridas; não demorou muito para que pedidos de ajuda viessem dos dois banheiros.  Na correria, ambos não tiveram tempo para pegarem as toalhas e as roupas limpas para vestirem. 
Em voz bem baixinha, quase um sussurro, e bem cautelosos, os dois bip bip pediram socorro à tia. Abriram uma mínima fresta através das quais uns dedinhos apareceram para recolherem as peças que precisavam.
Queriam ter certeza que quem estava atrás da porta não era a avó reclamando que ainda ERA SUA VEZ!

Santos, 04 de dezembro de 2011  

segunda-feira, 28 de novembro de 2011

TUDO CULPA DE UNS BICHINHOS


A vida é mesmo uma caixinha de Pandora. Fatos e experiências inimagináveis de repente nos envolvem e nos colocam em situações inusitadas.
Remexendo em documentos e papéis, ela encontrou alguns recortes de jornais amarelados pelo tempo. De imediato não se lembrou do que se tratava, mas curiosa os abriu e aí toda a cena aconteceu novamente diante de seus olhos que visualizavam o passado.
Eram notícias publicadas em vários jornais que circularam há muitos anos. Relatos das peripécias na Mata Atlântica, de três estudantes mais a professora e o motorista de uma Kombi da universidade.
A despeito da situação preocupante vivida nessa ocasião, não conseguiu conter o sorriso ao lembrar-se dos momentos passados madrugada adentro, no mato, em meio a muitos soldados e bombeiros. Reviveu mentalmente cada detalhe.
Nas primeiras horas daquele fatídico dia, o grupo formado por três estudantes acompanhadas da professora, se deslocou para um local específico da Mata Atlântica onde fariam coletas de insetos da região. Duas delas já haviam percorrido alguns quilômetros de estrada para chegarem a São Paulo, visto que residiam em cidade do interior.
A terceira jovem, Marta, foi justamente quem primeiro desceu do veículo numa encruzilhada, local que já conhecia razoavelmente pois era onde coletava os besouros usados em suas pesquisas na pós-graduação. Após combinarem horário de encontro no final da tarde naquele mesmo ponto, as outras seguiram na viatura da universidade, para uma outra região mais distante.
O dia foi cansativo mas bem proveitoso. Encontraram farto material que necessitavam para pesquisas. Quando o Sol já dava mostras de partir, o grupo encerrou as atividades e foi em direção à encruzilhada, ponto de encontro marcado com Marta.
Chegado o horário combinado, não havia sinal da jovem nas proximidades. Como a tecnologia do celular ainda não existia, o jeito foi esperar um pouco. Naquele final de tarde no meio da mata, as nuvens de pernilongos invadiam o veículo e não havia repelente que funcionasse a contento. Quando os últimos raios de sol começaram a sumir, o desespero já era grande pela procura da estudante.
Alguns homens que estavam acampados próximos ao local, ouvindo os chamados por Marta, vieram em auxílio e tochas acesas nas mãos, todos entraram na mata gritando pelo nome da jovem.  Nada. Silêncio total somente cortado pelos ruídos dos animais noturnos e pelos gravetos quebrados à medida que o grupo caminhava.
Diante da situação, a professora pediu ao motorista que levasse as outras duas alunas à cidade mais próxima em busca de auxílio dos bombeiros.
Como não conheciam a cidade, foram diretamente para a Delegacia de Polícia a fim de registrarem a ocorrência e solicitarem o grupo de resgate.   Quando entraram na repartição já passava da meia noite.  Naquele ambiente pouco agradável, foram atendidas pelo delegado que a princípio mostrou-se incrédulo com o caso. Não acreditava que as jovens haviam vindo de uma cidade distante, simplesmente para coletar insetos.  Considerou aquilo um absurdo, mas, diante da situação acionou os bombeiros e a chamada COE - Companhia de Operações Especiais do Exército; esta última viria de São Paulo e demoraria um pouco para chegar.
Sendo assim, as duas jovens tiveram que se separar. Uma foi designada para acompanhar os bombeiros e lhes mostrar o local da mata onde a professora os esperava; a outra ficou na delegacia esperando o grupamento da COE chegar.
Na sequência, a estudante se viu dentro de uma viatura dos bombeiros, rodeada por oito deles carregando grandes facões, deslocando-se com sirene ligada e em grande velocidade, por uma estrada em plena madrugada.  Jamais havia pensado em viver uma experiência semelhante e o inusitado da situação provocou-lhe uma vontade de rir que teve dificuldade em disfarçar. 
Não demorou muito para que o caminhão com mais de uma dezena de soldados e mais a amiga, chegassem também a tal encruzilhada onde Marta fora deixada na manhã anterior. As duas jovens estavam tão pasmas vivendo aquela situação que até esqueceram-se do cansaço, da fome, das picadas de insetos. Aqueles homens todos, com fardas camufladas, empunhando armas, saltando da carroceria coberta do caminhão e se embrenhando mata adentro, fizeram lhes parecer que estavam dentro de uma cena de filme e que a qualquer momento Sylvester Stallone ou Arnold Schwarzenegger iriam aparecer por ali.
Por sorte a jovem Marta foi encontrada e praticamente sem ferimentos, exceto arranhões superficiais nos braços e rosto. Quando se deu conta que estava perdida e andando em círculos, abriu um espaço no chão com seu facão e sentou-se esperando ajuda.
Na volta a São Paulo, os soldados no caminhão do exército e as três estudantes e professora no veículo da universidade, ainda houve uma parada num hospital para que Marta fosse medicada.
O sol já brilhava alto quando finalmente o grupo todo chegou à capital.
Depois de toda peripécia, as duas estudantes ainda enfrentaram mais algumas horas de viagem no retorno para casa no interior.  Traziam na bagagem os vidrinhos com os insetos coletados e riam ao lembrarem-se da expressão no rosto daquele delegado de polícia que numa mistura entre incrédulo e indignado, havia lhes perguntado:
        – Não tem bichinhos lá na cidade de vocês não? Nenhum besourinho por lá? Não é possível isso. Viajaram até aqui e se enfiaram na mata só por causa de uns bichinhos? Tem louco pra tudo nesse mundo!
Com certeza ele nunca conviveu com um biólogo, mas não deixou de ter razão: foi mesmo tudo culpa de uns bichinhos!

          Santos, 28 de novembro de 2011  


 Para Vera, companheira dessa odisseia e de tantas outras.

sábado, 19 de novembro de 2011

EM BOA COMPANHIA

Carregando na bagagem muitos sonhos e ideais, a jovem recém formada iniciou a carreira trabalhando em municípios próximos a sua cidade.
Em cada período do dia ela era encontrada em uma cidade diferente e somente por volta da meia noite é que retornava para casa.  Sem ainda dispor de automóvel e carta de motorista, se deslocava sempre de carona com colegas com os quais dividia as despesas das viagens.
O último período do dia era cumprido numa cidade distante 20 Km da sua. Ligando os dois municípios havia uma estrada de terra batida e mal conservada. Os buracos existiam em grande quantidade e eram os grandes vilões já que provocavam constantes quebras nos carros. No período da seca, a poeira tomava conta de tudo e atrapalhava a visão do motorista.  Já na época das chuvas o problema era outro - a estrada virava um imenso lamaçal.
A jovem e outra colega eram caronistas oficiais do professor de Português que acumulava essa função com o exercício do sacerdócio.  
Bastante ansioso e sempre com muita pressa, o padre professor mal ouvia o sinal das 23h encerrando a última aula da noite, já se instalava em seu fusca e ficava acelerando pronto para zarpar assim que suas colegas chegassem. 
Muitas vezes fazia a primeira curva já saindo da frente da escola com a porta do carro ainda sendo fechada pela colega.  
Na estrada a situação de perigo funcionava para os ocupantes do fusquinha, como uma diversão radical de algum parque de diversões.  O carro simplesmente voava sobre os buracos e as cabeçadas no forro do veículo eram frequentes.
A cada curva feita sem qualquer redução de velocidade, as caronistas se contraiam e esperavam pelo pior.
            Às vezes uma delas não se continha e dizia alto: Cuidado sacerdote!  
De pronto ouvia-se a resposta do motorista: Deus está conosco
A jovem professora que sempre se acomodava no banco traseiro então completava: Espero que Ele saiba disso.
Certa feita logo após uma curva bem fechada e com mato alto em ambos os lados do caminho, os três professores foram surpreendidos pela presença a uns 15 metros de distância, de um grupo de seis homens desconhecidos que posicionados em toda a largura da estrada, faziam um tipo de cerco.
O padre professor brecou bruscamente o fusquinha verde quase provocando seu capotamento.   Sem muito tempo para raciocinar o sacerdote murmurou – “Seja o que Deus quiser” – e na sequência com  luz alta no farol, pisou fundo no acelerador e avançou sobre o grupo.
A jovem no banco traseiro chegou a fechar os olhos momentaneamente enquanto a colega da frente se benzia e dizia “Amém”, mas não se conteve e olhou assim que ouviu os gritos dos homens que literalmente pulavam de lado à medida que o carro avançava.  Todos acabaram agarrados e pendurados nas plantas dos barrancos que ladeavam a estrada. Se o sacerdote já corria normalmente, naquela noite com toda certeza o fusquinha verde poderia ser confundido com um Boeing.
Após um ano vivendo tantas peripécias nessa estrada, inclusive varando a madrugada atolados no meio do caminho mas sem que nada de mais grave acontecesse,  as duas caronistas do fusquinha verde concluíram mais um ano letivo  com a absoluta certeza de que o sacerdote sabia o que falava quando dizia:
- Deus está conosco!

Santos, 19 de novembro de 2011  



Uma homenagem à Marli, companheira das grandes emoções vividas na estrada velha de Ipeúna, a bordo do fusquinha do querido Padre Quirino !  Realmente Deus nos acompanhava!

terça-feira, 15 de novembro de 2011

GOSTO NÃO SE DISCUTE

Pensando na frase acima lembro meu pai que sempre acrescentava um final a ela:  Gosto não se discute – lamenta-se!
A verdade é que realmente os seres humanos apresentam imensas diferenças de temperamento, competência, costumes, crenças, inteligência, senso de humor e maneira de encarar a vida.  No quesito gostar as divergências são gritantes. 
Isso é até salutar pois a monotonia dominaria nossos dias se todos pensassem de maneira idêntica e sobretudo se gostassem das mesmas coisas. A vida perderia o brilho e seria fastidiosa quanto previsível.
A escolha de nomes para registrarem os filhos é um dos momentos onde os diferentes gostos são expostos de maneira bem clara.  Nomes comuns muitas vezes são preteridos por justamente serem comuns.  A família busca algo que diferencie a criança e às vezes essa dita diferenciação realmente a tira do anonimato mesmo que seja em troca de um futuro trauma que o nome escolhido venha a acarretar.
Lembro-me de um senhor extremamente católico que a cada filho nascido consultava a folhinha e dava à criança, o nome do santo do dia. Um dos filhos desse senhor recebeu o incrível nome de Indepe do Brasil.
Explico: ele teve a infelicidade de nascer em 7 de Setembro e na folhinha não havia nome de santo, apenas o fato histórico que marcava a data.  Carregou ao longo da vida o peso desse nome juntamente com galhofas e brincadeiras quando explicava o motivo.
Trabalhando no magistério e convivendo por longos anos com turmas e mais turmas de alunos, o professor depara-se com uma miríade de nomes, alguns dos quais nunca mais se esquece. Pode não se lembrar muito bem do semblante do aluno, porém de seu nome exótico, não se esquece.
Particularmente convivi com muitos exemplos mas dois merecem destaque.  
Tranquilo foi um caso especial.  Acompanhei sua saga ao longo de quatro anos. Era um rapaz humilde, muito educado e tímido. Era o sossego em pessoa a tal ponto que chegava a irritar. Ele realmente personificava a tranquilidade. Não que não fosse inteligente ou tivesse dificuldades de aprendizagem; o que lhe faltava mesmo era dinamismo. Por ser alvo de gozações com muita constância, se retraia e se afastava de todos.  Finalmente aos dezoito anos decidiu por um fim a tudo aquilo e conseguiu na justiça a troca de nome. 
Foi a partir daí que observei como o nome influencia a pessoa. O Tranquilo que era a calmaria personificada, ao mudar para Luís Guilherme sofreu uma mudança incrível de comportamento.  Aquele sossego tão conhecido deu lugar à coragem e uma autoconfiança que nunca havia se manifestado antes e isso era motivo de muito orgulho para ele.  A timidez e apatia sumiram por encanto.
Conheci um novo aluno numa transferência recebida no meio do ano. Era extremamente envergonhado e retraído.  Como falava baixinho, pedi que se aproximasse para que eu pudesse anotar seus dados pessoais.
Ao perguntar-lhe o nome levei um choque.  A resposta dada numa voz insegura e quase inaudível foi: Sebostílio
Fiquei em dúvida e refiz a pergunta recebendo a mesma resposta.  Tive que fazer um esforço supremo para demonstrar naturalidade e não deixar escapar um mínimo de sorriso que fosse. Consegui. Apresentou-me a seguir uma certidão de nascimento.  
Foi aí que entendi tudo:
Pai: Sebastião
Mãe: Otília
Seu nome era uma homenagem aos pais.
Não tive mais notícias de Sebostílio. Até onde o acompanhei, ele continuou com esse nome e atendia pelo apelido carinhoso que os novos amigos lhe deram: Sebinho.  
Menos mal, pensei – pior seria se fosse Bostinha!
Nesse caso em especial fui obrigada a concluir que realmente gosto não se discute, lamenta-se!

Santos, 15 de novembro de 2011  

segunda-feira, 7 de novembro de 2011

O SORRISO QUE NÃO ESQUEÇO

Há cenas na vida da gente que independente do tempo transcorrido e também de sua duração, por mais ínfimas que tenham sido, ficam gravadas na mente para sempre.
Quando estão associadas às boas lembranças volta e meia há um flashback e as imagens desfilam diante de nossos olhos como se estivessem ocorrendo em tempo real.
Uma situação dessas me acompanha há mais de quinze anos e por incrível que possa parecer, transcorreu em menos de um minuto envolvendo alguém que nem cheguei a conhecer.
A atitude de uma criança me surpreendeu e me serviu de lição.
Dirigindo o carro já próximo ao local de trabalho, fiz uma conversão à direita e andando poucos metros observei um garoto de oito anos aproximadamente que carregando material escolar, caminhava sozinho pela calçada. Vestia-se de maneira muito simples.
Inesperadamente a criança resolveu atravessar a rua sem olhar para os lados. Dados alguns passos, se deu conta do perigo ao ver o carro próximo e voltou correndo para a calçada.
Com o carro já parado, fiz um gesto com a mão avisando-o para fazer a travessia. Para meu espanto, em vez de continuar seu caminho e chegar até a calçada em segurança, o menino veio em direção ao carro parando ao lado da janela do motorista. 
Por instantes fiz indevidamente um prejulgamento imaginando que ele aproveitaria a situação para pedir algum auxílio. Apesar do receio consegui controlar a vontade de fechar o vidro.
Grande engano e grande lição.
Com sorriso nos lábios e no olhar, o menino colocou o braço dentro do carro e fazendo sinal de positivo com o polegar da mão direita, disse na sua simplicidade: “Valeu dona!”.  A seguir, sempre sorrindo, continuou seu caminho.
Minha surpresa só não foi maior que a vergonha pelo prejulgamento que havia feito.
Uma cena tão rápida mas tão marcante. 
Impossível esquecer o garoto que sorria com o olhar.

Santos, 06 de novembro de 2011  

segunda-feira, 31 de outubro de 2011

O PENOSO AFOGAMENTO DA PENOSA


A vida nos leva às vezes a atitudes inusitadas e inesperadas. Olhando para a estrada já percorrida e lembrando fatos vivenciados acabamos nos perguntando como pudemos tomar essa ou aquela iniciativa que hoje classificamos como absurda.
Muitas podem ser as respostas como: inocência, falta de maturidade, má orientação, falta de malícia, etc. No caso em questão foi pura falta de opção mesmo.
Estudantes do Curso de Biologia quando ainda recebia a denominação de História Natural, receberam a tarefa de montagem individual de um esqueleto de galo. O trabalho receberia uma nota de acordo com o resultado final apresentado, levando-se em conta vários critérios como: presença de todos os ossos intactos, limpeza dos mesmos que deveriam estar bem brancos e sem gordura, colocação e articulação corretas, bem como a postura final da ave numa posição altiva.
Para que tudo saísse a contento o ideal seria utilizar uma ave mais velha, com menos cartilagens e com ossos completos. 
O grupo de quatro amigas resolveu se reunir para montarem juntas, cada qual fazendo seu trabalho.  Somente uma delas já possuía uma ave que se encaixava parcialmente nessa situação. O galo era velho demais e provavelmente reumático já que andava lá meio tortinho. Foi o primeiro que começou a ter seus ossos separados e organizados.  
As outras três amigas fizeram contatos com setores da área e ganharam quatro galos para executarem o trabalho.  Os animais foram doados vivos havendo então a necessidade de dar fim a essas vidas de tal forma que nenhum ossinho fosse danificado.  O próprio professor as auxiliou e forneceu equipamento que possibilitava essa ação sem causar sofrimento maior aos animais e sem prejudicar os esqueletos.
Dos quatro galos recebidos um deles safou-se desse destino, ao menos temporariamente, já que sua nova proprietária estava trabalhando no esqueleto da ave que tinha em casa, mesmo tortinha e reumática.  Por um breve período ele cantou altaneiro no novo galinheiro. Era típico galo de briga.
A partir daí foi um período de cozimentos e mais cozimentos em água oxigenada de alto volume provocando furos nos recipientes utilizados. Isso sem contar os problemas domésticos que essa tarefa acarretava visto que as mães não ficavam nada felizes vendo tudo aquilo sendo feito em seus fogões.  Além de tudo havia o cuidado excessivo para que ninguém da casa ou até um animal qualquer surrupiasse algum ossinho por menor que fosse.
Ossos limpos, branquinhos, separados e identificados; chegou o momento das montagens e para isso as amigas começaram a se reunir na casa de uma delas. 
Foi aí que surgiram dificuldades em se trabalhar com os ossos do galo mais velhinho, aquele reumático e primeiro a ser sacrificado.  Os ossos estavam tortos. Isso não deixou outra opção a não ser enterrá-los e substituí-los pelos da outra ave que havia sobrevivido ao morticínio.
Devido à urgência e sem nenhuma outra opção as amigas tiveram que providenciar penalizadas, ali na casa de uma delas, o afogamento do galo, única estratégia que poderiam lançar mão àquelas alturas e que preservaria o esqueleto da ave. Momentos de pura tensão, muita pena (em todos os sentidos) e muita água para todos os lados também. Não se podia correr o risco de quebrar algum osso.
Com a missão penosamente cumprida as jovens iniciaram de fato suas tarefas, cada uma caprichando mais que a outra na montagem do esqueleto.
Vai daí que mexem aqui, mexem acolá, alguns ossinhos sumiram e outros mais finos começaram a partir. Resultado: o velho galo reumático desprezado cujos ossos jaziam enterrados há algum tempo teve seu dia de exumação cadavérica, passando a funcionar como fornecedor de ossos para as necessidades que fossem acontecendo.
Finalmente após um período não muito curto os quatro esqueletos estavam prontos. 
Um dele ques se sobressaia na posição altiva, outro parecia estar dando um passo, mas todos muito corretamente montados.
Na data da entrega como havia alguns poucos quilômetros de estrada de terra batida a serem percorridos até o local de funcionamento do curso, a mãe de uma delas foi escalada para levá-las de carro.
Lá seguiram as quatro cada qual com um esqueleto no colo, num velho carro Mercury 1945, a não mais do que 30 km/h. De repente são ultrapassadas por um fusquinha dirigido por outro colega de classe. Para o espanto das jovens notaram um esqueleto montado no banco de trás do carro, saltando como pipoca a cada buraco da estrada. Os extremos se contrapondo: elas num cuidado excessivo e ele pouco se importando se o galo estava quase voando pela janela.
O resultado final foi plenamente satisfatório assim como as notas que cada uma delas recebeu. Muita risada e muita brincadeira acompanharam todo esse trabalho mas com certeza a cena do afogamento ficou gravada na mente das quatro para sempre.
Recordações de um período marcante na história de todo jovem – a vida universitária.

Santos, 31 de outubro de 2011  

 Uma lembrança e homenagem à Vera, Cristina e Lígia Aparecida.

sexta-feira, 21 de outubro de 2011

O DISCÍPULO DO PROFESSOR PARDAL



Criatividade era seu lema, mesmo quando nada de prático ou útil houvesse nisso. 
Quando sumia por certo período recolhido em seu escritório podia-se calcular que apareceria com alguma novidade.  Ficava horas caprichando em sua nova invenção. Era meticuloso por excelência.
Às vezes, quando flagrado durante a execução do projeto, se alguma pergunta lhe fosse feita a respeito do assunto, limitava-se a responder com toda calma:
- Espere e verá!
A família acostumou-se a isso embora continuasse a ser surpreendida a cada novidade que o pai punha em prática.
Certa feita deixou a todos muito curiosos. Passou horas manuseando a cola durepox fazendo caprichosamente seis rolinhos (que aos outros pareciam mais seis cobrinhas) de exatos 10 cm cada, medidos na régua.
Embora tenha sido questionado por todos negou-se a esclarecer a finalidade daquilo.  Que esperassem o momento certo e aí veriam a utilidade das tirinhas. Esse trabalho durou um tempão uma vez que era perfeccionista e quis deixar todos os rolinhos exatamente iguais. 
O dia acabou e na manhã seguinte cada um partiu para sua obrigação diária esquecendo-se do assunto. Somente na parte da tarde é que o tema voltou à baila. Foi quando avisou a todos que sua invenção já estava devidamente instalada. 
A princípio ninguém descobriu onde estavam colocadas as tais cobrinhas. Passados alguns minutos a mãe subiu ao pavimento superior com roupas para estender nos varais e aí ela deu o alerta aos demais curiosos membros da família.
Subiram a escada se atropelando enquanto o autor da façanha subia calmamente, aliás, como sempre fazia degrau por degrau, já curtindo a repercussão que seu feito teria.
A parte descoberta da área de serviço no pavimento superior era cercada por três muros baixos que tinham sobre si, como proteção, telhas coloniais tipo capas.  Em cada um dos muros, coladas sobre uma das telhas, havia dois rolinhos da tal cola. Estavam presos formando entre si a letra V mas deixando uma pequena abertura no ângulo formado por ambos.  Ainda sem entenderem o por quê daquilo, todos examinavam a situação quando seu criador chegou carregando um sabonete que acabara de usar no banho.
Calmamente foi em direção ao muro onde o sol batia fortemente e encaixou o sabonete no espaço entre os dois rolinhos de durepox, ou seja, dentro da letra V.
 Com toda sua lógica esclareceu que o objetivo era secar o sabonete ao sol.  A abertura deixada propositadamente no ângulo da formada letra V tinha por objetivo deixar espaço para a água escorrer.
Alguém de repente lembrou-se das outras letras Vs coladas nos outros dois muros mas foi prontamente esclarecido.  Dependendo da hora do dia em que ele precisasse tomar banho, o  sol poderia incidir nos outros dois muros e daí a necessidade de se implantar as tirinhas nos três locais.
Ele conseguira se superar! Criara um secador para ........sabonetes!
Ninguém se atreveu a perguntar qual seria a estratégia caso o banho fosse noturno, afinal já seria abuso demais questionar a validade total de sua invenção.
Mudez total na platéia familiar!

Santos, 21 de outubro de 2011   










Uma lembrança e um pensamento em meu pai, Sr. Italo, o Prof. Pardal da família.