sexta-feira, 3 de março de 2023

ANOS DOURADOS DE ESTUDANTE

 


                    Talvez seja sina de professora ou apenas um pouco de saudosismo mesmo, mas o fato é que as lembranças dos tempos escolares vira e mexe surgem nos pensamentos trazendo sempre sorrisos.
                    Uma foto encontrada em rede social, um comentário feito por um nome conhecido mas já há muito tempo sem contato, ou até mesmo um fato corriqueiro, já me remete aos anos dourados de estudante.
                    Nos quatro primeiros anos do hoje chamado Ensino Fundamental praticamente não havia crianças que faziam bagunças em sala de aula.
                    Lembro-me apena de uma que por ser extremamente irrequieta, fez com que certa vez a professora olhando para um crucifixo que havia na parede acima da lousa, dissesse algo que provocou meu imaginário:
                    - Essa aluna tira até Cristo da cruz.
                    Em minha cabeça de 7 anos fiquei o resto da aula olhando a todo momento para a cruz para ver se Cristo ainda continuava lá ou se já havia descido.
                    Já nos anos finais do Ensino Fundamental, o chamado Curso Ginasial, as classes eram mais numerosas e mistas proporcionando momentos hilários provocados por alunos mais espirituosos, expansivos, criativos e até ousados.
                    O Instituto de Educação Estadual "Joaquim Ribeiro" em Rio Claro/SP sempre foi uma escola muito respeitada e procurada. Para ingressar em suas turmas era necessário ser aprovado no chamado Exame de Admissão que fazia uma triagem da clientela, exigindo bastante estudo.
                    A competência dos mestres quer no tocante à bagagem cultural, didática e manejo de sala de aula eram evidentes, a despeito da classe ser mais ou menos agitada.
                    Às vezes quando o volume de vozes se elevava durante a aula, apenas com um estalo de dedos a professora de Português, Ivanira Bohn Prado, conseguia o silêncio novamente e na sequência continuava sua explanação num tom de voz bem calmo.
                    É bem verdade que um ou outro professor mantinha a disciplina através do uso de recursos que causavam preocupações e porque não dizer, medo mesmo nos alunos.
                    Assim era por exemplo nas aulas de História com o professor Barros e suas temidas chamadas orais dissertativas e de improviso.
                    Esse mesmo professor ficou em estado de choque quando em uma classe mais adiantada e em plena aula, um grupo de alunos já famosos por suas "artes" pulou as janelas da sala de aula que davam para a rua 6 e fugiu da escola. Tudo isso diante do olhar perplexo do professor.
                    É bom que se registre que a despeito do que aprontassem, nunca faltaram com respeito aos mestres e colegas. Era simplesmente molecagem pura.
                    Coincidentemente uma parte deste mesmo grupo de arteiros pelo fato de terem sido reprovados, foram matriculados em minha classe no ano seguinte. E obviamente continuaram com suas estripulias.
                    Certa feita na volta do intervalo entre as aulas quando quase todos alunos já estavam em suas carteiras, dois deles decidiram não deixar um outro da turma entrar na classe.
                    Para isso ficaram pressionando a porta pelo lado de dentro enquanto o terceiro a esmurrava.  Como não teve sucesso resolveu dar o que se costuma chamar de uma “voadora” e bateu forte com os dois pés na madeira.
                  Com um forte estrondo a porta foi arrancada do batente e ele, a porta e os dois que a seguravam foram para o chão diante do espanto e depois das gargalhadas do resto dos alunos.
                   Obviamente a suspensão aplicada pelo diretor foi imediata.
                   Em outra ocasião durante a aula de Português com a professora Marili, cada estudante fazia um relato sucinto de um livro que havia lido.
                    De repente sem aviso prévio enquanto o colega comentava sobre Vidas Secas de autoria de Graciliano Ramos, o rapaz sentado à minha frente levantou-se de supetão e sem nada dizer saiu da sala diante dos olhares assustados. Voltou em seguida carregando dois copos cheios de água.
                    Ao sentar explicou para a professora com toda a calma, que só aguentaria ouvir o relato do livro até o final se tivesse água por perto. Risos de todos inclusive da professora.
                    Um fato que muitos ex-alunos devem lembrar ocorreu durante um desfile cívico pelas ruas centrais em comemoração se não me engano, ao aniversário da cidade.
                    A escola se apresentou com quase a totalidade de seus alunos. As meninas formavam os primeiros batalhões e na sequência vinham os rapazes.
                    Todos passaram bem comportados em frente ao palanque das autoridades, mas ao virarem a esquina da rua 4 com avenida 1 os meninos começaram a cantar em alto e bom som enquanto marchavam:
                    - Pise sem dó que a cera é Dominó.
                    Tratava-se de um comercial que havia na TV na época, onde um grupo de crianças marchava e cantava esta trilha sonora pisando num chão bem brilhante.
                    Aquele vozerio só foi aumentando ao longo da avenida 1 sem que ninguém conseguisse conter. Acompanhei de perto pois fazia parte do último batalhão feminino.
                    No dia seguinte a mídia escrita e falada, estupefata, criticou severamente o fato.
                    Um conhecido e admirado locutor da antiga Rádio PRF2 leu uma crônica condenando veementemente os rapazes.Fui lembrada há pouco que o título da crônica foi: RÉDEAS. 
                    Só pelo título já dá para se ter uma ideia do conteúdo escrito pelo saudoso jornalista Ribeiro Mancuso.
                    Como não havia a possibilidade de se identificar quem cantou e quem não cantou, a direção da escola decidiu suspender todos os meninos por 3 dias, e para que as salas de aula não ficassem muito vazias, tal suspensão foi de maneira intercalada entre os números ímpares e pares.
                    Eu particularmente não considerei na época e muito menos agora, o fato tão grave como a imprensa noticiou.  O desfile já estava na fase final, próximo à área de dispersão. Foi uma brincadeira da rapaziada, ousada é verdade, que provocou muito riso em toda a assistência. 
                    Já nos anos finais de estudo no "Ribeiro" durante o curso de Magistério, éramos 40 jovens, todas mulheres, que nos seus 16, 17 anos espalhavam vivacidade, energia e muitos sonhos. A turma foi a mesma nos três anos do curso, fato que tornou ainda mais forte a amizade entre todas.
                    Não me lembro de nada muito fora do normal além de um certo pandeiro que por diversas vezes foi ao chão durante uma aula de Psicologia, fazendo muito barulho.  Por sorte o professor Dr. Rubens, que era bem irônico, às vezes até sarcástico, levou o fato na brincadeira. Lembro que ele se referia a um suéter bem colorido que uma aluna usava com frequência, como blusa psicodélica, termo em moda naqueles anos do movimento hippie.
                    Achávamos esse professor excelente, mas ele nos lembrava fisionomicamente o personagem criado por Péricles, O Amigo da Onça, que era publicado na revista O Cruzeiro.
                    Não havia bagunça propriamente dita, mas sim conversas, muiiiiiitas conversas entre as garotas, principalmente nas proximidades de bailes na cidade quando então aos sábados (naquela época havia aulas aos sábados) qualquer folguinha que houvesse entre as aulas, já era motivo para serviços de manicure, de cabeleireiro, troca de ideias sobre modelos de vestidos, etc.
                    Sem querer comparar já que os tempos são nitidamente outros, mas já comparando, as estripulias que vivemos entre amigos nos tempos escolares, jamais desrespeitaram qualquer pessoa, fosse da administração da escola, professores ou colegas.
                    Eram mesmo puras travessuras que nos fizeram rir e ainda me fazem rir ao lembrá-las.
  

Santos, 2 de março de 2023.

A todos amigos, ex-colegas e professores da época do Grupo Escolar "Marcello Schmidt" e Instituto de Educação Estadual "Joaquim Ribeiro" - 1959 a 1969 - Rio Claro/SP

Foto da década de 1960 na sala dos professores do IEE "Joaquim Ribeiro" - encontrada na internet.  Desconheço a autoria da mesma.