domingo, 3 de maio de 2015

CRIANÇAS E SUAS EXPRESSÕES




Crianças têm boa memória. Disso ninguém duvida. 
Haja vista a facilidade que todas têm em repetir frases inteiras que lhes ensinaram, mesmo usando palavras que desconhecem os significados.
Este fato muitas vezes acaba até sendo explorado por adultos que expõem seus filhos a situações de verdadeiros papagaios, dizendo frases complexas que nem sequer compreendem, mas que contrastam fortemente com a inocência estampada nos rostinhos. Desta forma atraem a atenção e podem até gerar algum tipo de benefício aos pais, sejam puramente a vaidade e orgulho ou até financeiros.
O que é realmente curioso e até divertido é que muitas vezes os pequenos memorizam os termos que lhes ensinaram e passam a repeti-los exatamente como entenderam sua pronúncia que nem sempre está correta.
Como desconhecem as palavras e seus significados, as frases ficam às vezes surreais.
Uma das situações favoráveis à ocorrência destes fatos, são as orações religiosas. 
Lembro-me perfeitamente do dia em que meu pai prestando atenção na reza que minha mãe me ensinava, estancou de repente na porta do quarto.
Do alto de meus seis anos eu rezava em voz alta a oração Salve Rainha, quando no trecho "Mãe misericordiosa,  vida doçura e esperança nossa, salve!" ,  eu soltei a pérola: 
- Mãe misericordiosa vinda do sul, e esperança nossa, salve!
Parado na minha frente e rindo muito perguntou para minha mãe se Nossa Senhora era gaúcha de nascimento, já que segundo minhas palavras ela era "vinda do sul"!
Mais gargalhadas ainda quando ele resolveu pedir-me para repetir a oração desde o início e ouviu outra ligeira troca de termos:  os degredados filhos de Eva, viravam em minha palavras, os empregados filhos de Eva.
Um outro caso ocorreu com Victor que estava com a mãe quando esta lhe pediu que esperasse um pouco, pois iria trocar a sua irmã.
Muito assustado o garoto pediu:
- Não troca não mãe, eu gosto dela.
O garoto mais velho tinha um reio que usava em suas brincadeiras com cavalinho de pau;  a irmã caçula resolveu querer um e entre lágrimas pedia ao pai que fizesse um correio para ela também.
Recentemente li na rede social o comentário de uma amiga sobre a forma como seu netinho de dois anos canta a música de Natal:
- Bate o sino pequenino sino de nenê , já nasceu deus me livre para o nosso bem!!!!!
Recordando estas cenas infantis, lembrei-me das palavras ditas pelo poeta Manoel de Barros comentando a definição dada por uma criança quando lhe foi perguntado o que era uma borboleta.   
A resposta veio rápida:  
- Borboleta é uma cor que avoa!
Diante desta frase, Manoel concluiu brilhantemente: 
- A criança erra na gramática, mas acerta na poesia.


Santos, 3 de maio de 2015 

Para Victor, para Edo (o dono do reio), e para Clotilde e seu netinho Enzo.