Crianças têm boa memória. Disso ninguém duvida.
Haja vista a facilidade que todas têm em repetir frases
inteiras que lhes ensinaram, mesmo usando palavras que desconhecem os
significados.
Este fato muitas vezes acaba até sendo explorado por adultos
que expõem seus filhos a situações de verdadeiros papagaios, dizendo frases complexas
que nem sequer compreendem, mas que contrastam fortemente com a inocência
estampada nos rostinhos. Desta forma atraem a atenção e podem até gerar algum
tipo de benefício aos pais, sejam puramente a vaidade e orgulho ou até financeiros.
O que é realmente curioso e até divertido é que muitas vezes
os pequenos memorizam os termos que lhes ensinaram e passam a repeti-los exatamente
como entenderam sua pronúncia que nem sempre está correta.
Como desconhecem as palavras e seus significados, as frases
ficam às vezes surreais.
Uma das situações favoráveis à ocorrência destes fatos, são
as orações religiosas.
Lembro-me perfeitamente do dia em que meu pai prestando
atenção na reza que minha mãe me ensinava, estancou de repente na porta do
quarto.
Do alto de meus seis anos eu rezava em voz alta a oração Salve
Rainha, quando no trecho "Mãe
misericordiosa, vida doçura e esperança nossa, salve!" , eu soltei a pérola:
- Mãe
misericordiosa vinda do sul, e esperança nossa, salve!
Parado na minha frente e rindo muito perguntou para minha
mãe se Nossa Senhora era gaúcha de nascimento, já que segundo minhas palavras ela era "vinda do sul"!
Mais gargalhadas ainda quando ele resolveu pedir-me para repetir
a oração desde o início e ouviu outra ligeira troca de termos: os degredados
filhos de Eva, viravam em minha palavras, os empregados filhos de Eva.
Um outro
caso ocorreu com Victor que estava com a mãe quando esta lhe pediu que
esperasse um pouco, pois iria trocar a sua irmã.
Muito
assustado o garoto pediu:
- Não troca não mãe, eu gosto dela.
- Não troca não mãe, eu gosto dela.
O garoto mais velho tinha um reio que usava em suas brincadeiras com cavalinho de pau; a irmã caçula resolveu querer um e entre
lágrimas pedia ao pai que fizesse um correio
para ela também.
Recentemente li na rede social o comentário de uma amiga
sobre a forma como seu netinho de dois anos canta a música de Natal:
- Bate o sino pequenino sino de
nenê , já nasceu deus me livre para o nosso bem!!!!!
Recordando estas cenas infantis, lembrei-me das palavras
ditas pelo poeta Manoel de Barros comentando a definição dada por uma criança quando lhe foi perguntado o que era uma borboleta.
A resposta veio rápida:
- Borboleta é uma cor que avoa!
Diante desta frase, Manoel concluiu brilhantemente:
- A criança erra na gramática, mas acerta na poesia.
Santos, 3 de maio de 2015