quinta-feira, 18 de outubro de 2018

O VEXAME




Todos temos nossos temores mais ou menos intensos e que vira e mexe nos colocam em situações complicadas.  Fobia de elevador, receio de viajar de avião, medo do escuro e seus fantasmas e por aí afora.
Se pensarmos em um animal em particular, a barata ganha tranquilamente  o troféu de inseto considerado o mais detestável e abominável, e não somente pelas mulheres diga-se de passagem.
Claro que há muitos outros animais bem mais perigosos como os que carregam venenos  em seus corpos, para a própria defesa, mas as baratas são hors concours no quesito terror.   Talvez por serem cosmopolitas  e habitarem ambientes comuns aos humanos, sendo portanto mais facilmente encontradas, elas se destacam com louvor diante de outros animais.
Habitando nosso planeta há aproximadamente mais de 300 milhões de anos, este inseto apresentou poucas adaptações evolutivas ao longo de todo este tempo. O formato achatado e a  cor de seu corpo, bem como a disposição das patas, facilitam  muito suas  rápidas fugas quando descobertas. Tudo isso só colabora para aumentar o pânico que tal bichinho causa quando resolve circular por aí, ou pior ainda, a voar por aí. Alguém já disse com muita propriedade que pior do que ver uma barata, é não vê-la mais!!!
Foi justamente por causa dela que de repente, em plena loja cheia de pessoas, ouviu-se um grito apavorante na fila do caixa, ao mesmo tempo em que num gesto de desespero os pacotes de compras eram lançados para o alto.
Num primeiro momento como num passe de mágica todos pararam onde estavam e sequer ousaram dar um passo.  Apenas as cabeças se mexeram em direção ao lado de onde viera o imenso grito de pavor.  Seria a chegada de um monstro?  Seria o próprio Lúcifer presente na loja?
A autora do escândalo ainda com o pânico estampado no rosto , apontava para uma enorme barata sobre o balcão, bem próxima ao seu corpo.  
A funcionária tão ou mais assustada que a freguesa, ao constatar o motivo de todo aquele escarcéu teve que se conter para não cair na gargalhada, já que a protagonista do show estava visivelmente transtornada.  Com delicadeza pegou o bichinho com as mãos e mostrou que era simplesmente um brinquedo de plástico, isto mesmo, de  plástico,   que ela mesma havia colocado ali para demonstração juntamente com outros artigos especiais usados para se comemorar o Dia das Bruxas.
A estas alturas a clientela toda da loja que já fazia um grande círculo em torno das protagonistas, não se conteve ao ver qual era o monstro horripilante causador de todo aquele tropel. As gargalhadas saíram em alto e bom som.
Depois disso tudo provavelmente por um bom tempo a freguesa evitará por os pés nesta loja, até ter certeza absoluta que seu show foi esquecido.
             Um fato ficou comprovado: a eficácia do brinquedinho para comemorar o Dia das Bruxas.  Podem comprar sem medo, ou melhor, até com o medo mesmo!!!

Santos, 17 de outubro de 2018

Para Tutu por proporcionar um showzinho divertido,  e também em homenagem à barata por sua performance incrível, se passando por uma real.

segunda-feira, 3 de setembro de 2018

A SURPRESA TEM MÃO DUPLA










É absolutamente normal  que a pessoa não goste de receber surpresas ruins. Há entretanto quem não goste nem mesmo de boas surpresas. Não aceitam bem tais situações sejam em forma de notícia, de presente, de conhecimento ou mesmo de visita.
Em contrapartida há, e creio que em número bem maior, quem curta uma surpresinha de vez em quando desde que seja positiva, claro!
Eu me enquadro nesta segunda turma. Gosto de surpreender e ser surpreendida  com boas e desejadas notícias, presentes inesperados, atitudes especiais, etc.
Também eles pensando assim puseram em prática um planejamento feito às pressas. Dois se encontravam em São Paulo e o terceiro estava além mar, do outro lado do Oceano Atlântico.
Para que tudo se realizasse a contento, colocaram-se logo a caminho já que havia mais de 8.000 km a serem vencidos até chegarem aos seus destinos.
Ansiosos já se deliciavam imaginando as expressões de espanto e incredulidade, seguidas de boas gargalhadas, descontração, bem como momentos carinhosos e amigos.
E foi assim que em plena noite de um domingo, o whatsapp avisou a chegada de mensagem  no grupo familiar. Uma foto mostrava aquele que seria surpreendido, todo risonho, bem em frente à sua residência em Campinas. 
Espanto geral no grupo. 
Como assim?  Foto antiga? Montagem? Àquela hora e dia, ele deveria estar exatamente a mais de 8.000 Km dali.
O whatsapp endoidou e não parava de apitar já que uma parcela do grupo não entendia o que estava se passando.  
E dá-lhe emojis
                                                    


             
Aproveitando as reações de espanto, ele curtia e se divertia com as hipóteses levantadas pelos demais em busca de explicação para a tal foto. Realmente ele estava em Campinas.
Foi quando outras duas fotos apareceram nas telinhas dos celulares de todos: um casal espantado dentro de um avião, e passagens aéreas para o outro lado do Oceano Atlântico.
Incredulidade ampla, geral e irrestrita.
Como assim? Montagem? Voo doméstico querendo se passar por internacional??? O casal estava mesmo viajando???
Mensagens dispararam novamente no grupo da família!  Santa tecnologia.
   
Até que.....até que após alguns minutos e muitas mensagens e expressões de espanto, a compreensão se fez entre todos.
                          

Por uma incrível coincidência ou brincadeira do destino, pai e filho se desencontraram em pleno espaço aéreo sobre o Atlântico.  Quase se viram e trocaram tchauzinhos pelas janelinhas dos respectivos aviões.
O pai que deveria permanecer em  Portugal por longo tempo, resolveu retornar ao Brasil sigilosamente para surpreender a família, ao mesmo tempo que o casal (seu filho e nora) embarcou para lá no mesmo dia, também de maneira sigilosa, visando surpreendê-lo.
Desencontro total.  Os três queriam surpreender e foram pegos de surpresa. Realmente ela tem mão dupla!
            
A despeito de toda confusão os surpreendidos puderam se encontrar dias mais tarde e tudo acabou bem!
                         

Santos, 03/09/2018

Para Edo, Luis Fernando e Erika - pelo incrível desencontro aéreo.

segunda-feira, 26 de março de 2018

A TRINCA PELUDA





Eles eram grandes.  Muito grandes.
Eram três ao todo e muito bonitos - um preto, um branco e um com pelos castanhos tendendo para o dourado.  Três cães enormes circulando pela casa.
Ainda bem que eram razoavelmente dóceis pois caso contrário jamais alguém entraria lá e se entrasse, com certeza não sairia intacto dado ao tamanho das criaturas.
Bem alimentados e cuidados, vagavam pelos cômodos à procura do lugar mais fresco já que o calor estava insuportável.
Naquele final de semana de pleno verão eles estavam sob os cuidados de uma pessoa com a qual não tinham muito contato, mas nem por isso criaram problemas, ao contrário, ficaram deitados a maior parte do tempo.
Final de noite e início da madrugada,  com a TV já desligada, o senhor dirigiu-se ao banheiro. Os três animais o seguiram e sentaram-se próximos à porta esperando por ele.
Ao entrar no quarto, para seu espanto, foi seguido pela trinca que se acomodou no chão ladeando a cama toda - um de cada lado e um nos pés.  
Isso é até compreensível e aceitável afinal ali havia ar condicionado e os cães com certeza também se acharam com até mais direito de usufruírem daquela temperatura amena, uma vez que eles eram os mais peludos do quarteto. Entendendo que esse era o costume, o senhor resolveu deixar a porta aberta para o caso de seus companheiros de quarto desejarem sair durante a noite para alguma balada. Na verdade ele é que de certa forma ficou sem chance de sair da cama no escuro pois correria o risco de pisar sem querer em um dos pimpolhos peludos e aí o forrobodó estaria armado.
Dormiu assim totalmente guardado pelo cães que a exemplo dos humanos, roncavam razoavelmente.  Situação curiosa e estranha, mas enfim, era uma nova experiência em sua vida.
Na bela manhã de domingo ensolarado lá estavam todos dividindo os espaços da casa e em perfeita harmonia após um sono reparador no quarto para quatro.  Assim passaram as horas daquele dia até que chegou o momento da partida.
No final da tarde o senhor arrumou suas coisas e seguindo as orientações recebidas, trancou a porta da sala que dava acesso à frente da casa enquanto a trinca peluda dormia sossegada no piso frio do cômodo. 
Ato seguinte, abriu o portão da rua para partir de vez, procurando agir sempre com total naturalidade para não chamar a atenção de frequentadores de um bar bem na frente do local.
Já na calçada e enquanto virava a chave na fechadura não notou que havia um recipiente com água bem próximo  dali e encostado ao muro. No exato instante em que muito discretamente fechava o portão, um grande e sedento cão  preto de rua, enfiou-se entre suas pernas e começou a beber a água da vasilha. 
Ao olhar para baixo e vendo o cão preto, o senhor se espantou e achando que era um de seus coleguinhas de quarto que havia escapado, começou a empurrá-lo para dentro da casa ao mesmo tempo em que o animal acionava com toda força seu breque improvisado usando as quatro patas, negando-se peremptoriamente a entrar na casa.  Cena hilária de quase rapto canino.
Alguns segundos depois ao ser alertado sobre o equívoco, deixou o assustado animal seguir sua vida de morador de rua, muito provavelmente sem terminar de matar a sede, já que naquele instante sua prioridade era bem outra: ir para bem longe dali.
Ainda mantendo discrição, ou melhor, o que ainda restava de discrição e obedecendo orientações recebidas, o senhor teria que jogar o chaveiro por cima do muro.
Antes de jogá-lo e para ter certeza de onde cairia, subiu numa saliência tipo barrado que havia no muro. E não é que nesse exato momento o dito cujo chaveiro resolveu escapar de suas mãos e cair na calçada provocando forte tilintar de sinos?   O gesto perfeitamente identificado à distância teve que ser repetido pela segunda vez, mas agora finalmente com sucesso.
A estas alturas toda e qualquer discrição que ainda havia foi de vez para o espaço. Só não notou todo aquele movimento, algum frequentador do bar que tivesse sérios problemas de visão.
Missão cumprida, retorno tranquilo para o lar. 
Por muito pouco o morador da casa ao chegar à noite, acreditaria piamente em geração espontânea já que deixara três cães e encontraria quatro animais instalados confortavelmente  em sua sala.

Santos, 25 de março de 2018


Ao Luiz Adhemar, que fez mais três amigos de 4 patinhas, ou melhor, de 4 patonas!!