quinta-feira, 8 de junho de 2023

TIO CARLOS

                                                    Estação ferroviária de Rio Claro/SP
         

                                       Sabe aquela pessoa que só ao pensar nela, já ficamos sorrindo?
                                   Assim era tio Carlos, irmão de minha avó paterna.
                                  Sempre muito elegante, não saia sem vestir um terno, colete, gravata, e muitas vezes chapéu e guarda-chuva.
                                  Morava com sua mãe viúva em Jundiaí onde tinha seu trabalho na antiga ferrovia da cidade.
                                 Era uma festa para os sobrinhos-netos quando vinha a Rio Claro na companhia da mãe ou sozinho, visitar a família.
                                 Era risada garantida.
                                 Muito piadista se divertia contando fatos engraçados acontecidos com ele ou com amigos. Às vezes até representava a cena.
                                 Não lembro de tê-lo visto sério ou preocupado. Seu semblante era sempre alegre.
                                 Uma de suas peripécias mais conhecidas ocorria nas viagens de trem de Jundiaí a Rio Claro, quando sua mãe não o acompanhava.
                                 Tinha muita facilidade para dormir e assim que o trem partia, ele literalmente "apagava" como se diz. Dormia a viagem inteira.
                                  Por várias vezes aconteceu dele não acordar quando o trem estava parado na estação de Rio Claro, mas sim, quando o comboio já estava partindo seguindo viagem.
                                    Aí então, assustado, pegava sua malinha e esperava chegar até na porteira da Avenida 8, quando a velocidade do trem ainda não era muita. Ato contínuo jogava a bagagem e dava o que ele chamava de salto mortal.
                                   Caia sempre "catando coquinhos" e terminava a queda completamente de quatro, sobre pedregulhos e terra.
                                    Apesar do susto ainda assim ficava feliz, pois afinal suas irmãs moravam perto desta porteira e isto o poupava de maiores caminhadas. Chegava esfolado, arranhado e com o terno sujo, mas gargalhando do fato.
                                    Certa vez durante umas férias escolares em São Paulo, passei uns poucos dias hospedada no apartamento de seu irmão Antônio, juntamente com minha tia e seu filho.  Tio Antônio, é bom que se esclareça, também era brincalhão e divertido.
                                    Saímos a pé os quatro (eu, tia, primo e tio Carlos) para passearmos pelo centro da cidade, hoje chamado de centro velho. A certa altura do passeio, tio Carlos precisou separar-se do grupo. Combinamos o reencontro às 17h bem na esquina de uma grande loja de departamentos chamada Mappin.
                                    Já nos primeiros anos da década de 1960, a região era movimentadíssima.
                                    Atrasamo-nos um pouco e ao chegarmos ao local combinado, havia tanta gente na calçada que não conseguíamos enxergar tio Carlos, que era de pequena estatura e bem magro.  Chegamos a pensar que São Paulo inteira havia combinado de se encontrar naquela esquina.
                                    Assim que ele nos avistou, tentou se aproximar e se fazer ouvir, mas sem sucesso. Não teve dúvidas: abriu seu enorme guarda-chuva e agitando-o começou a ensaiar uns passos de dança.
                                    No mesmo instante formou-se uma roda de pessoas perto dele e isto nos chamou a atenção, facilitando o reencontro. 
                                    Quando parou a tal dança e fechou seu guarda-chuva, houve quem na improvisada plateia lhe pedisse para continuar, mas ele educadamente declinou.
                                    Em plenos anos 60 tio Carlos, como se diz nos dias atuais, "causou" na famosa esquina do Mappin. 
                                    Infelizmente seus últimos tempos de vida foram de muito sofrimento.
                                    A despeito disso, e já em outra dimensão,  creio que continue a fazer sorrir quem dele se aproximar.  
                                    Tio Carlos, as gerações mais novas não o conheceram, mas saiba que suas histórias estão perpetuadas na família.


Santos, 08 de junho de 2023

A Carlos Ribeiro, recordando sua alegria e espontaneidade.