segunda-feira, 24 de setembro de 2012

VOTO VENCIDO




18 a 25 de setembro de 2012 - Semana Nacional de Trânsito. Foi o aviso que li há pouco, num site da internet.
No mesmo instante me veio à mente a primeira escola pública estadual onde atuei como professora, muito embora ainda universitária, já lecionasse em escola particular. O início na rede estadual ocorreu num final de agosto quando assumi aulas de Ciências num município vizinho. 
Animada com as novidades ainda estava tomando contato com o ambiente quando no começo de setembro fui escalada para compor a banca examinadora de um concurso de frases sobre a Semana do Trânsito.
As frases deveriam ser originais e alertarem para os perigos no trânsito, bem como maneiras seguras e responsáveis para quem dirige e para quem é passageiro.
O corpo de jurados era composto por 5 professores de diferentes áreas de ensino.
Como todos os alunos de 5ª e 6ª séries (atuais 6º e 7º anos) participaram, a quantidade de frases foi significativa e uma primeira triagem foi necessária. Os próprios alunos selecionaram dez trabalhos de cada classe que foram encaminhados para a fase final a cargo da banca de jurados.
A expectativa era grande uma vez que para os dois primeiros colocados, uma casa comercial oferecera uma viagem de lazer num final de semana, juntamente com os pais.
Na noite marcada para a escolha final nos apresentamos no laboratório de Ciências onde as cartolinas com as frases escritas estavam dispostas cuidadosamente sobre as bancadas.
Tudo muito formal e bem organizado pela direção da escola.
Numa primeira leitura dois cartazes já chamaram minha atenção pelas maneiras divertidas com que as frases foram elaboradas.  Comparadas às demais concorrentes, acabei dando meus votos para estas duas.  Elas expressavam uma realidade vivida pelos alunos cuja maioria residia na zona rural e usava diariamente o ônibus escolar.
Ao confrontar minhas escolhas com as dos demais jurados, por mais que eu argumentasse e justificasse as opções para 1º e 2º lugares, acabei sendo voto vencido e a frase campeã que já não lembro mais, dizia algo no estilo bem tradicional, nada criativo, semelhante a: Dirija com cuidado para preservar a vida. 
Entretanto, decorridos tantos anos, ainda me lembro das duas frases por mim escolhidas e que até hoje me fazem rir.
Elas mostravam claramente o dia-a-dia dessas crianças no ponto de espera do ônibus e durante todo seu percurso.

2ª Colocada: NÃO TREPE NAS PLACAS.
1ª Colocada: PEDESTRE, NÃO ANDE COM A CABEÇA PARA FORA DO ÔNIBUS

 Impossível esquecê-las!!!

Santos, 24 de setembro de 2012    

domingo, 9 de setembro de 2012

ALEGRIAS VIVIDAS




Ambiente de trabalho é local onde além da qualificação profissional, deve haver também muita responsabilidade, atenção, educação e respeito.
A somatória desses fatores todos, muitas vezes acaba criando uma atmosfera séria,  circunspecta, tolhendo gestos de descontração.
Não era diferente em meu local de trabalho. O chefe, pessoa muito competente e um tanto autoritária, dificilmente exibia um sorriso em sua face. Tal fato acabou desencadeando a fama de ser muito severo.  Em função disso, muitos de seus subordinados tinham certo temor até em lhe dirigir a palavra.
Esse clima sério, que a despeito de propiciar o bom andamento do serviço tornando-o ágil, gerava certa inquietação. Sempre acreditei que era possível desempenhar bem uma função sem deixar de lado o bom humor. Aliás, muitas vezes o bom humor até melhora o rendimento.
Na sala de trabalho ocorriam alguns momentos de boas risadas sempre que surgia a possibilidade.
Certa ocasião foi designada uma professora até então desconhecida, para ser minha auxiliar.
Notando seu nervosismo inicial, resolvi criar uma situação que a deixasse mais calma, mais descontraída. Resolvi dar certo tratamento de choque para quebrar o gelo.
Lembrei-me que no fundo da gaveta havia um grande frasco de vidro contendo centenas de clips de papel, a maioria dos quais enferrujados.  Com a expressão muito séria coloquei o tal vidro na frente da auxiliar e justificando a necessidade de se evitar desperdício de material, mandei que a professora abrisse cada peça, passasse bom-bril ao longo dela para tirar a ferrugem e finalmente a fechasse direitinho para ser reutilizada.
O olhar de espanto e a paralisação total da auxiliar foram instantâneos.
Creio mesmo que ela entrou por alguns segundos, num estado de coma traumático. Nesse instante acabei deixando a risada escapar, o que foi bom para evitar que um enfarte ou coisa desse tipo acontecesse. Esse foi seu batismo.
Com o passar dos dias fui percebendo que a professora era muito espirituosa e tinha facilidade para soltar frases irônicas muito apropriadas e hilárias.
Foi assim que numa certa manhã ela recebeu a incumbência diretamente do temido chefe, de datilografar (nessa época as máquinas de datilografia reinavam soberanas) um importante documento em três vias.  Em função da urgência, ele posicionou-se em pé ao lado da mesa aguardando o serviço ser realizado.
Nervosa, já que não era muito ágil nesse trabalho, ela começou a suar principalmente nas mãos. Enquanto arrumava os papéis para colocá-los na máquina, o carbono preto em contato com o suor começou a soltar tinta e sujar não só suas mãos, como também as folhas brancas.
Com o chefe muito sério em pé a seu lado, impávido, querendo pressa no serviço e vendo toda aquela trapalhada até para colocar os papéis na máquina, a professora parou tudo o que estava fazendo, apoiou a papelada sobre a mesa, colocou as mãos na cintura, suspirou bem fundo e dirigindo-se a ele afirmou:
- Senhor! Não trabalho sob pressão!
Levei um susto ouvindo isso mas logo veio o alívio. Diante do inesperado desabafo de minha auxiliar, algo um tanto raro aconteceu: o chefe riu descontraído da situação e retirou-se imediatamente para sua sala avisando que lá ficaria à espera do material.
De outra feita, numa tarde já no final do expediente, conversávamos um assunto divertido, uma piada para ser mais exata, quando de repente eis que o chefe entra inesperadamente na sala.  Distraídas com o assunto, não ouvimos seus conhecidos passos no corredor.  De pronto a conversa parou e ele obviamente notando isso, questionou com certo sorriso irônico, se estava nos atrapalhando.
- Atrapalhou sim. A partir de amanhã o senhor venha trabalhar com sapatos de salto alto.
Foi a resposta rápida e divertida de minha auxiliar que novamente conseguiu provocar muito riso no semblante tão fechado do chefe.
Realmente o poeta Vinícius* sabia o que dizia quando escreveu:
É melhor ser alegre que ser triste
Alegria é a melhor coisa que existe
É assim como a luz no coração...”

Santos, 09 de setembro de 2012 

Nota: Uma homenagem à Rosmari  e às lembranças de um tempo muito bom.

*Samba da Bênção” – Vinícius de Moraes e Baden Powell







sexta-feira, 10 de agosto de 2012

REMINISCÊNCIAS



A infância vivida há algumas décadas, pouco ou nada tem em comum com o dia-a-dia das crianças desse século XXI.
Sem entrar no mérito a respeito das diferentes realidades, quer sejam sob os aspectos de segurança, familiares ou educacionais, a meninada que brincava nos meados do século passado, desfrutava de espaços para se divertir nas grandes casas, nas ruas e nas praças, livres de maiores receios mesmo sem a presença de adultos.
Em contrapartida recebiam uma rigorosa educação. Acatavam com respeito (muitas vezes com receio) as ordens que lhes eram impostas e pouco ou nada questionavam sobre elas.
As obrigações também existiam desde pequenos e embora contribuíssem para o desenvolvimento da responsabilidade, muitas vezes tinham certa dose de exagero.
Dentre esses exageros vivenciados, um em especial sempre resultava em repreensão logo nas primeiras horas dos domingos.  O dia mal havia clareado (às vezes ainda estava escuro) e alguém lá em casa já levava uma bronca.
Tínhamos, eu e meu irmão, então com idades de 7 e 8 anos aproximadamente, que acompanharmos nosso pai à missa da manhã que era rezada às 6 horas, numa igreja que ficava em torno de 1 km de nossa casa. Fosse inverno, verão, chuva ou mesmo férias, lá íamos os três a pé para a cerimônia da santa missa.
Enquanto eu era rápida para acordar e me arrumar, meu irmão já necessitava de um tempo maior para ficar definitivamente desperto.  Como a cobrança para ser rápido era insistente, ele até que tentava superar seus baixos escores a cada domingo, mas sem muito sucesso.
Assim, em todas as manhãs domingueiras acostumei-me a ir andando rapidamente ao lado de meu pai, olhando de vez em quando para trás a fim de ver lá longe, meu irmão vindo como um autômato. Lembro-me bem que em dias de neblina seu vulto chegava a sumir parcialmente tamanha a distância que ele estava.
Numa certa manhã ele ainda meio dormindo vestira seu terninho e gravata de missa e sem se olhar no espelho, pois não havia tempo para isso, saiu na correria pelas ruas conseguindo chegar quando o padre já estava começando a cerimônia.
Ao olhar o garoto acomodando-se no banco da igreja, o semblante sempre sério do pai acabou se rompendo ao mesmo tempo em que não consegui segurar o riso, coisa que em ambiente que exige silêncio se torna ainda mais difícil. 
Meu irmão estava impecavelmente vestido a não ser por um detalhe: ele havia colocado a gravata de tons escuros, literalmente no pescoço, isto é, acima do colarinho da camisa.  Lembrava Tiradentes com sua corda no pescoço - um perfeito candidato a enforcamento. 
Se normalmente era difícil para nós crianças, nos concentrarmos na missa àquela hora da manhã e ainda rezada em latim, naquele domingo ela foi totalmente perdida pois tivemos ataques de riso o tempo todo.
Era mesmo um exagero essa obrigação de irmos à missa às 6 horas, obrigação essa que perdurou por alguns anos.
Nesses tempos também, os meninos usavam as chamadas calças curtas e somente no início da adolescência, lá pelos seus 11 a 12 anos, é que tinham o direito às suas primeiras calças compridas, fato que era motivo de muito orgulho para eles.
Animado com a ideia, meu irmão atendendo às orientações, começou a tirar suas medidas.  Ocupada com seus afazeres minha mãe ia explicando o que anotar e ele, fazendo uso da fita métrica, marcava os números.   Até que lhe foi pedido medida da altura da calça. 
Rapidamente encostou-se no armário, pegou um lápis e apoiando uma régua sobre o topo de sua cabeça, pediu que fosse verificado se a tal régua estava bem reta. Queria marcar sua altura no armário com perfeita exatidão para poder medi-la, afinal seria sua primeira calça comprida e não poderia ficar curta ou comprida demais.
Em meio à risada geral, a mãe questionou qual modelo de calça ele pretendia: uma comum que chegasse até sua cintura ou uma que lhe cobrisse até a cabeça feito um saco de batatas?
Finalmente as medidas corretas foram anotadas e a primeira calça comprida passou a fazer parte de seu guarda-roupa.
São lembranças resgatadas recentemente junto à tantas outras depois de assistir ao filme “A Guerra dos Botões”.  Ele reproduziu em minha memória outras guerrinhas como da Turma da Rua 2 contra a Turma da Rua 3, mas essa é uma história que ficará para uma outra vez.
Reminiscências perdidas no tempo.

Santos, 10 de agosto de 2012  

sábado, 4 de agosto de 2012

VAMOS ÀS COMPRAS ?




Ser prevenido até que é uma boa atitude desde que esta prevenção seja bem administrada e não parta para o exagero e a mania.
Pois bem, isso ele sempre foi, bem prevenido.  Planejava suas tarefas com tanta organização e antecedência que era até motivo de brincadeiras na família.
Quando ainda trabalhava como representante comercial, viajava de trem pelas cidades da região. Sendo assim, tinha sempre o cuidado de estudar os horários de ida e volta de tal forma que no final do dia estivesse em casa para poder dormir na sua cama.
Entretanto, algumas viagens para cidades mais distantes o obrigavam a dormir em hotel.  Nessas ocasiões, o momento de arrumar sua mala era um divertimento que provocava risos nos filhos e nele próprio.  Com muita antecedência começava seus preparativos separando tudo que levaria, de roupas a sapatos, passando pelos objetos de uso pessoal.  
Sem exagero, a mala ficava pronta três dias antes da viagem que teria um único pernoite em hotel.
Uma cena presenciada pela filha ainda menina, ficou gravada em sua memória: o observou  usando um grande serrote para cortar ao meio, o cabo de uma escova de dente. 
Nos idos anos 50 não era comum ou talvez nem existisse ainda no comércio local, escova de dente pequena ou dobrável, própria para viagem.  Ele havia encontrado uma caixinha que serviria como local para guardar a tal escova.  Aconteceu porém, que essa caixa era pequena.  Ele não teve dúvidas e lançou mão de um imenso serrote para cortar o cabo da escova.
E não é que apesar do absurdo da cena, o resultado foi excelente!  A paciência e o capricho surtiram ótimos resultados e ele feliz, guardou a dita escova na caixinha a ela destinada.
As compras em supermercados nunca foram seu forte e ciente disso, as deixava ao encargo da esposa.  Entretanto quando ficava sabendo de alguma promoção que considerasse imperdível, lá ia ele aproveitar a ocasião, afinal era bom ter um certo estoque em casa para prevenção.
Dentre tantas, duas dessas compras ficaram registradas nos anais da família.
Aproveitando preços bons, ele resolveu comprar 100 quilos de açúcar (em pacotes de 5 kg) de uma única vez, para uma família de 5 pessoas. Quando essa carga começou a ser descarregada na casa, a esposa entrou em choque. 
Como não havia espaço suficiente para guardar tudo aquilo, começou a distribuição a parentes, vizinhos e amigos. Despensa lotada e mesmo assim uma parte ficou num canto no chão da cozinha. 
Houve entretanto, mais um agravante. 
Naquela época o produto vinha em sacos de papel. Com o passar do tempo, o açúcar começou a petrificar dentro dos pacotes.
Sendo assim, cada vez que alguém fosse abrir um deles, tinha antes que pegar o martelinho de carne e dar uma verdadeira surra de pancada no açúcar para quebrar as malditas pedrinhas e só depois, abrir o pacote.  Às vezes de tanto apanhar, o papel acabava rasgando e esparramava açúcar para todos os lados para desespero da esposa e alegria das formigas.
 Desnecessário dizer que as sessões de pancadarias açucareiras aconteceram por meses, meses e mais meses.
A outra inesquecível aquisição, quase resultou em acidente fatal.
Num final de tarde lá foi ele todo lampeiro, às compras novamente. Encheu completamente um carrinho de supermercado somente com latas de óleo.  Como naquele dia não estavam fazendo entregas em domicílio, telefonou para a filha pedindo que ao sair do trabalho passasse no supermercado para dar uma carona a ele e às suas compras.
Quando viu a filha estacionando o carro em frente ao supermercado, começou a puxar o carrinho na rampa de saída do estabelecimento.
Aconteceu que essa rampa tinha uma inclinação bem acentuada e o peso do carrinho carregado com latas de óleo o fez ganhar velocidade.
Por alguns segundos ele chegou a correr mas vendo que fatalmente seria atropelado pelas próprias compras, deu um pinote para o lado abandonando o carrinho, que descendo em quinta marcha e em desabalada carreira rampa abaixo, acabou atravessando a rua e foi parar somente após bater na guia da calçada do outro lado.
A filha e todos que estavam nas proximidades levaram o maior susto.
Por sorte, no momento do ocorrido, nenhum carro estava descendo a avenida, pois fatalmente aconteceria um grave acidente.
Passado o susto, a gargalhada foi geral. A cena lembrou antigos filmes de Chaplin.
Depois do quase acidente e das risadas, já a caminho de casa a filha ficou em dúvida se era mais aconselhável levar junto um cardiologista pois a mãe ao ver toda aquela lataria chegando, provavelmente teria um infarto fulminante.  
Foi a última grande compra.

Santos, 04 de agosto de 2012

sábado, 28 de julho de 2012

A TÃO ESQUECIDA EDUCAÇÃO




A vida é um constante confronto com novas situações e novos desafios.
Mudanças geram insegurança mas são necessárias para que haja crescimento e evolução.
A sociedade como um todo se depara dia a dia com essas alterações sejam elas no campo material, impulsionadas pelos avanços tecnológicos, como também nas relações interpessoais.
A família como era concebida há poucas décadas sofreu significativas mudanças. Atualmente apresenta uma grande diversidade na maneira como pode ser constituída. O que a princípio causou espanto no século passado, hoje está inserido no contexto da sociedade.
O que há de se ressaltar, entretanto, é que caminhando ao lado de todas essas mudanças ocasionadas pelos chamados novos tempos, estamos também presenciando a extinção de certos valores imprescindíveis ao ser humano.
Cito um único e fundamental exemplo observado constantemente por todos nós: a morte da EDUCAÇÃO.
É lamentável como ela vem perdendo seu valor gradativamente.
A educação está deixando de existir não somente no trato entre pessoas desconhecidas, mas também no seio familiar, onde parcela significativa dos jovens e crianças tratam seus pais com absoluta falta de respeito, reproduzindo esse comportamento em todos ambientes que frequentam. Não é difícil observar-se nas escolas, nos clubes, nos lugares públicos, grosserias dirigidas a adultos e principalmente a pessoas idosas.
O que mais espanta é a rendição total dos pais ou responsáveis diante dessas situações. 
Um misto de despreparo, sentimento de culpa, compensações totalmente fora de contexto e até disputas absurdas, norteiam atitudes desses adultos que acabam desestruturando a convivência e se dão por vencidos diante dos filhos.
Ainda lembro-me de expressões de pais, quando eram solicitados a comparecerem na escola devido a comportamentos muito inadequados dos adolescentes. Creio que colegas continuem a ouvir hoje e cada vez com mais frequência, a famosa frase desabafo:
- Não posso com a vida do meu filho! A senhora faça o que puder!
Essa declaração dita diante da criança ou adolescente significa que realmente os pais “jogaram a toalha”.
Aqui sou obrigada a fazer uma atualização: a segunda frase era válida há alguns anos e a ouvi várias vezes; atualmente ela seria algo assim:
 - A senhora não se atreva a criticar meu filho!
Não se trata de um retorno à palmatória, às humilhações, aos castigos corporais impostos às crianças e jovens.  Tais maneiras de controlar certos comportamentos já revelaram que a opressão, o medo, o receio, não moldam o bom caráter.  Ao contrário, muitas vezes por conta deles, perde-se o respeito de vez.
O que se ouve falar muito mas não é posto em prática, é o que se observa no cotidiano da família, primeiro grupo social com o qual a criança tem contato: a falta de conversa, de diálogo entre pais e filhos. Não aquele “papo” sobre assuntos banais que nada acrescentam a ambas as partes; mas conversas pessoais onde num clima calmo, sem tempo cronometrado, com eletrônicos desligados, o filho sinta segurança para se abrir, se expor, baixar a guarda e contar o que lhe vai na mente e na alma. Uma conversa de mão dupla, onde pais também exponham seus pensamentos e desejos calcados nos exemplos aprendidos com a vida.  Diálogo que tenha como pano de fundo sempre presente, o afeto, o bem querer, o amor.
Diferentes personalidades e temperamentos existem, mas ninguém melhor que a família para encontrar o caminho da aproximação enquanto há tempo.
Uma vez cultivada no lar a tão esquecida educação, facilmente se expandirá e se manifestará na sociedade como um todo.
Apesar de todos os pesares, ainda aposto nisso.

Santos, 28 de julho de 2012   

domingo, 22 de julho de 2012

O EXAME


Nunca foi muito de ir a médicos, na verdade os evitou até a bem poucos anos.
Entretanto, como sói acontecer, o tempo passa e a máquina humana a exemplo da mecânica, necessita de revisões periódicas.
Procurando diagnosticar um problema surgido, o neurologista solicitou um exame com nome pomposo: eletromiografia. 
Exame agendado e com a guia de solicitação médica em mãos, lá se foi ela para a clínica a fim de solucionar um desconforto que havia surgido na face.
Sentada na sala de espera e não se sentindo muito confortável em função dos semblantes sérios e preocupados que via ao seu redor, decidiu ler uma revista de fofocas televisivas para tentar relaxar um pouco.
Passados alguns minutos, uma paciente saiu da sala de exames e acomodou-se no sofá ao seu lado. Uma conversa informal foi iniciada e a recém-chegada pôs se a contar as agruras que sofrera na realização do tal exame feito em seu antebraço.
 Contou que a dor havia sido muito forte. Explicou que foram usados eletrodos na forma de agulhas espetadas na parte afetada e sentira muitos choques. Logo a seguir, alguém chegou para vir buscá-la e na despedida ainda desejou melhor sorte à mais nova conhecida.
As informações que acabara de receber não foram nada animadoras. Teve que se controlar para literalmente não fugir dali naquele mesmo instante pois se a eletromiografia feita no antebraço havia doido tanto, o que diria feita na face, que era o seu caso!
Chegou a ficar em pé e enquanto decidia o que fazer, eis que a enfermeira abriu a porta da sala e falou seu nome. Tarde demais para fugir.  Resolveu encarar a situação.
Deitada na maca só pensava em acabar logo com aquilo enquanto via as preparações envolvendo eletrodos e agulhas. Pensava com toda convicção possível naquele momento: esse corpo não é meu! Esse corpo não me pertence!
E o sacrifício começou. 
Realmente, além das picadas das agulhas, pequenos choques eram dados na face esquerda.  Um, dois, três, quatro....Perdeu a conta de quantos foram.
O que tornava tudo mais dolorido ainda eram os locais das picadas em regiões extremamente sensíveis: nas pálpebras inferior e superior, lateral dos olhos e cantinho dos lábios.
Ela que não transpira facilmente, começou a sentir as palmas das mãos encharcadas, as costas também e até no rosto sentia um liquido escorrer pela pele. Secava as mãos suadas no brim da calça jeans enquanto torcia para que terminasse logo.
Finalmente acabou!
Meio atordoada pela dor, sentou-se na maca e ouviu o médico pedir que esperasse um pouco. Nesse momento ele se aproximou com um chumaço de algodão e começou a limpar seu rosto (o dela e não o dele, obviamente). 
Foi aí que ela levou um susto vendo manchas de sangue no algodão.  Aquele líquido que ela sentia escorrer na face, na realidade não era suor como pensara inicialmente e sim, sangue.
Terminada a limpeza ele a autorizou a descer da maca e comentou de maneira bem séria. 
- Como você sangra fácil!
Ainda atordoada pela dor e sentindo-se criticada, não se conteve, respondeu de pronto, sem raciocinar e falando de maneira um tanto áspera:
- Pois claro, eu não estou empalhada!!!  Fura meu rosto todo e não quer que eu sangre!!!
Retirou-se então rapidamente pois mesmo com dor, sentiu uma vontade enorme de cair na gargalhada ali mesmo, ao ver o olhar surpreso dele pela resposta recebida!
Decididamente ela não estava empalhada!

Santos, 22 de julho de 2012

domingo, 15 de julho de 2012

UMA CERTA CADEIRA DE PRAIA




Em função de sua criatividade sui generis e extrema mania de organização que já foram comentadas em outros textos deste blog (O discípulo do Prof. Pardal, Meias de Outono e Livre ou Ocupado?), meu pai foi protagonista de muitas histórias hilárias e de outras tantas que provocaram reações de espanto na família.
Sua mesa de trabalho era arrumada com perfeição e cada objeto tinha posição exata para ficar sobre ela. Sendo assim, quem fizesse uso de algo tinha que ter o cuidado de repor exatamente no local de onde tirou sob a pena de levar uma bronca, caso isso não fosse respeitado.
Para garantir que sua arrumação fosse mantida por ocasião da limpeza da mesa, elaborou caprichosamente um croqui onde desenhou a disposição exata de cada objeto, croqui esse colado na parede sobre a mesa.  Assim, ao tirar-se o pó do tampo, bastava olhar o desenho para recolocar cada material na posição certa.
Outro costume comum era fazer anotações nos objetos para lhe facilitar o uso.  Não teve dúvidas em pintar com destaque os botões de ligar, desligar e alterar volume do recém-comprado aparelho de som.
Em meio a essas marcas feitas aqui e acolá pela casa toda, uma delas em especial, poderia ter lhe garantido o Prêmio Nobel da Guerra, caso tal prêmio existisse.
A televisão do quarto era de seu uso exclusivo já que sua predileção era por programas que a família não apreciava muito e a recíproca era verdadeira.  Como um problema nos olhos dificultava sua visão à distância, ele providenciou uma cadeira de praia que era colocada perto da TV.
Entretanto, a posição da cadeira que mais lhe agradava e facilitava a visão, ficava justamente próxima à porta de entrada do quarto, bem na passagem.  Sendo assim, ao desligar a TV, fechava e guardava a cadeira para não atrapalhar a circulação.
Acontecia porem que cada vez de usar a tal cadeira, ele demorava um pouco para acertar o local exato de colocá-la para ter uma boa visão da tela.
Foi aí que veio a “brilhante” ideia!
Seguindo seu instinto de fazer marcas em tudo, rapidamente lançou mão de um pincel atômico de cor preta e pôs-se a marcar com grandes círculos, os locais exatos no chão onde ficaria cada um dos quatro pés da cadeira. 
O piso do quarto era revestido de carpete bem claro e tinha pouco tempo de uso já que a casa era uma construção recente.
Resultado: quem entrasse no quarto já veria de imediato, quatro grandes círculos pretos pintados no carpete claro.
Ao concluir o trabalho e satisfeito com sua criatividade que solucionara o problema, ele saiu da casa assobiando como sempre, sem comentar com ninguém sua grande obra.
Quando a esposa entrou no quarto e deparou-se com aqueles quatro enormes círculos pretos no chão que ela mantinha sempre muito limpo, faltou pouco para ser decretada a terceira guerra mundial.
Extremamente irritada e indignada com o estrago no carpete, ela questionava sem parar pronunciando seu tradicional bordão - Não brota? Não brota? – querendo dizer com isso que não brotou um pensamento, um raciocínio lógico sequer, que indicasse que ele estava estragando o carpete.
Por dias seguidos ela tentou remover sem êxito as escuras manchas, conseguindo apenas clareá-las um pouco.
Finalmente se deu por vencida e acabou acostumando-se com a nova decoração do ambiente. 
Ele por sua vez ficou satisfeitíssimo.
Suas marcas estavam salvas e a cadeira continuaria a ser posicionada tranquilamente sempre no mesmo lugar.
A Terceira Guerra Mundial foi abortada a tempo!

Santos, 15 de julho de 2012  

quinta-feira, 5 de julho de 2012

QUE MAGIA É ESSA?


Que espécie de magia domina a alma de um artista quando se põe a criar?
Seja na música, na pintura, na escultura, na dança, no artesanato, em qualquer campo da arte, com certeza algo divino se apossa dessa pessoa e conduz sua inspiração.
Poemas muitas vezes singelos, desprovidos de vocabulário requintado e sofisticado, alguns até sem métricas e rimas, conseguem mesmo assim alcançar aqueles sentimentos que guardamos tão bem escondidinhos dentro do peito.
Quem já não se deteve extasiado ao final de uma leitura percebendo que o autor escreveu exatamente o que estávamos sentindo, mas não conseguíamos expressar em palavras? 
Ficamos nesse momento até agradecidos ao artista que “falou” por nós.
Que magia é essa?
Uma pintura nos fala em silêncio através de uma aquarela de cores, de imagens, de formas, de expressões e gestos.  Às vezes o impacto diante da tela é tão grande que a mudez do quadro repercute como um grito em nossa alma.
Que magia é essa?
No dia-a-dia, cenas comuns, triviais, acontecem diante de nossos olhos de maneira tão corriqueira, tão habitual que as vemos sem enxergá-las. Nossos olhos são desprovidos da sutileza, da percepção tão presentes no olhar de um artista.
Na música há ricos exemplos de melodia e letra numa conjunção tão perfeita que nos fazem questionar a origem humana da obra.
Como não sentir forte emoção diante de obras de Cartola, Vinícius, Chico Buarque, Tom Jobim, Renato Russo, Caetano, Cazuza, Lenine e tantos outros, isso considerando apenas artistas brasileiros.
Que magia é essa?
Foi com certeza uma magia de sentimentos, um dom acima da compreensão humana que norteou o momento em que Chico Buarque escreveu e Cristóvão Bastos musicou a obra Todo Sentimento, música que extravaza doçura, ternura, carinho e delicadeza.  
Algo divino nos toca ao ouvirmos ...“Depois de te perder, te encontro com certeza, talvez num tempo da delicadeza, onde não diremos nada, nada aconteceu.  Apenas seguirei como encantado ao lado teu”.*
Essa magia só pode ser isso ... puro encantamento!

Santos, 05 de julho de 2012   

* Todo SentimentoLetra: Chico Buarque de Holanda
                              Música: Cristóvão Bastos

sexta-feira, 29 de junho de 2012

A MADRUGADA EM QUE A TERRA TREMEU



A noite foi muito agradável num aconchegante barzinho em Santiago. 
O frio não chegou a atrapalhar já que havia vários aquecedores de ambiente colocados entre as mesinhas na parte externa do prédio.  Música suave, gente bonita, um bom vinho chileno, tudo contribuíra para marcar aquela noite como um belo final de férias e uma despedida, pois dali a dois dias retornaria ao Brasil.
Sob uma belíssima lua cheia caminharam lentamente pelas ruas retornando para casa quando os relógios já anunciavam o início da madrugada de domingo.
Havia sido cancelado o último passeio marcado para aquele dia prestes a nascer. Como era para um local distante, perderiam muito tempo no trajeto o que prejudicaria a visita em si.
Acomodaram-se no apartamento do 10º andar e logo o sono chegou.
Passava um pouco das 3 horas, já em pleno sonho, quando ela foi despertada pelo forte balanço do colchão.
A princípio, sem entender o que se passava , sentou-se na cama. Entretanto ao apoiar os pés descalços no chão, a trepidação do piso não deixou mais dúvidas.  
O apartamento todo estava tremendo – era um terremoto.
Olhou pela janela e observou que muitas pessoas já estavam na rua.
Chamou a irmã avisando-a sobre o que acontecia e dizendo que deveriam sair do prédio com urgência.  Para seu espanto ouvi-a afirmar que as pessoas estavam na rua, pois com certeza chegavam de alguma balada e enquanto levantava-se calmamente, esclareceu que iria mesmo era para o banheiro pois estava precisando.
Sem perder mais tempo ela correu ao armário onde os cabides com as roupas balançavam muito. Vestiu rapidamente uma jaqueta e calças compridas por cima do pijama mesmo. A madrugada estava fria.
Nesse momento a energia elétrica foi desligada e o barulho no apartamento já aumentara muito: copos e louças caindo e quebrando no chão da cozinha, talheres pendurados no apoio de metal batiam uns contra os outros tilintando como sinetas, um grande quadro da sala despencou e as paredes estralavam sem parar.
Abriu a porta do apartamento e deparou-se com o vizinho, um rapaz também brasileiro, que apavorado tentava usar o celular sem êxito.  
Nesse momento seu sobrinho que estava no 13º andar surgiu descendo rapidamente as escadarias chamando-as para saírem do prédio. 
Os moradores chilenos também já desciam correndo e precavidos, carregavam uma garrafa de água e uma lanterna nas mãos.
Com certeza ela bateu algum recorde de velocidade ao descer na semi-escuridão, do 10º andar até o térreo.   
Na calçada grande número de pessoas assustadas procuravam informações enquanto os tremores diminuíam de intensidade. 
Com a luz e o serviço de telecomunicações cortados, a única notícia obtida veio do radio de um carro que foi sintonizado numa estação retransmissora de Mendoza na Argentina.  O abalo sísmico havia sido realmente forte: 8,8 na Escala Richter.
O clima era de medo e apreensão e muitos moradores estavam enrolados em lençóis e cobertores, pois a madrugada estava fria.
Com certeza ela era uma das únicas pessoas bem agasalhada e até com sua bolsa com documentos. Trazia também a máquina fotográfica que foi usada apenas para registrar os danos nos prédios da região, evitando clicar as pessoas pois o clima estava tenso.
Por sorte o edifício onde estavam bem como os vizinhos, praticamente não sofreram danos. Eram construções recentes que seguiram as exigências legais necessárias para suportarem tremores de terra de alta magnitude.
Uma rápida caminhada pelo bairro ainda na madrugada mostrou alguns estragos em estruturas de igreja, casas comerciais, vidros de vitrines, trincas em paredes, etc.
Somente por volta das 9h da manhã os moradores ainda receosos, começaram a retornar aos seus apartamentos.  
Apesar do sono não havia mais condições para relaxar e dormir tranquila depois de toda aquela aventura.
Como o aeroporto ficou fechado nos primeiros dias que se seguiram, a viagem de retorno foi atrasada em uma semana.
Nesses dias pós-terremoto, foram constantes as chamadas réplicas, com tremores de curta duração mas que assustavam muito e faziam o coração disparar.
As consequências dessa madrugada foram trágicas para muita gente e para o país.
Para ela foi realmente uma viagem inesquecível, não só pela beleza dos lugares visitados, como também pela intensa e inédita emoção sentida, emoção essa que espera nunca mais vivenciar.

Santos, 29 de junho de 2012


Prédio que resistiu intacto aos tremores






















Isla Negra - Vista da praia a partir da casa de Neruda.





















Casa de Neruda em Isla Negra

sábado, 16 de junho de 2012

DEMORÔ !


- To vazando!
Honestamente, a primeira vez que ouvi essa expressão, interpretei-a como fala de alguém que estava necessitando urgentemente ir a um banheiro.  Somente ao ver a atitude que se seguiu é que entendi o real significado.
Incrível como os termos mais usuais mudaram nesses últimos anos.
Mudanças muito mais aceleradas em relação às que ocorreram há quatro ou cinco décadas.
É relativamente comum durante uma conversa com alguém das chamadas gerações X e principalmente Y ou Z, usarmos algumas palavras que desconheçam, bem como ouvirmos algumas que não têm significado para a chamada geração Baby Boomer (meados dos anos 40 até início dos anos 60) à qual pertenço.
Na realidade até o intervalo entre as gerações aparentemente mudou, pois em meados do século XX considerava-se a diferença entre uma e outra geração, como algo em torno de dez anos. Atualmente é possível considerar-se um intervalo bem menor. 
Tudo tem ocorrido rápido demais e mesmo assim os jovens se expressam com o famoso demorô!
Em uma conversa informal com adolescente, usei o termo manequim referindo-me à profissão que uma amiga exercera.  Questionada sobre o que fazia um manequim, lembrei-me que hoje as chamamos de modelos. Reformulei minha frase e aí me fiz entender.
Ao rever fotos antigas escorreguei novamente no vocabulário e as chamei de retratos, fato que soou mal inclusive aos meus ouvidos já tão usados!
Na verdade até as fotografias já não são mais assim chamadas. Agora são conhecidas por fotos, apenas fotos!  Isso aconteceu também com o termo cinema que logo após sua invenção era chamado de cinematógrafo, passou a cinema e hoje é simplesmente cine.
Constantemente sou corrigida quando uso a palavra firma referindo-me a uma empresa.
Os gibis que povoaram minha infância hoje são as HQs.
Os reclames na mídia são as propagandas.
São as mudanças que sempre ocorreram, mas isso acontecia de maneira mais lenta, gradativamente.
As gírias que também se alteravam ao longo dos anos, atualmente dominam quase 80% do vocabulário principalmente juvenil.
Recentemente numa fila de supermercado acabei acompanhando um diálogo e senti-me totalmente fora de contexto.  De cada frase trocada entre as jovens, consegui entender uma ou outra palavra, entretanto elas se entendiam perfeitamente.
Assim é muito comum ouvirmos um: mó legal, da hora, causei (no sentido de chamar a atenção), buzum ou buzão (ônibus), caô (mentira), demorô, pisante (tênis), tá ligado? , responsa (confiável), dar um rolé (passear), style (estar bem arrumado) e tantas outras.
A mais nova forma de linguagem, a chamada internetês, possibilita uma comunicação extremamente rápida no meio virtual.  A cada dia novas formas são a ela incorporadas. É comum encontrarmos nesse tipo de linguagem, expressões como blz (beleza), fds (final de semana), OMG (oh My God), cmg (comigo), VB (very beautiful), msm (mesmo), vdd (verdade), etc. Elas facilitam a troca de informações entre os internautas.  Percebe-se inclusive que em alguns casos ela já está extrapolando a tela dos computadores, saindo do ambiente virtual e manifestando-se na linguagem verbal do dia a dia.
 Tá ligado no que vai acontecer com a Língua Portuguesa quando a geração alfa (filhos da geração Y ou Z) estiver causando por aqui?
Demorô hein!

Santos, 16 de junho de 2012