sábado, 27 de agosto de 2011

LIVRE OU OCUPADO?


A casa era confortável embora fosse pequena para abrigar a família composta pelo casal e três filhos. A falta de outro quarto transformou a sala em dormitório para o filho mais velho.  Entretanto o espaço era seu somente no período noturno pois nas primeiras horas da manhã seguinte o ambiente  passava a ser ocupado também pelos outros membros da família.
Dessa forma solucionou-se (ou ao menos se tentou) a falta de espaço nos quartos.   Ficou pendente outro problema que afetava diretamente os membros da família, principalmente o pai: era a existência de um único banheiro no interior da casa.
Havia outro banheiro no quintal mas não era muito usado principalmente em dias chuvosos, durante as noites e também por quem estava com pressa já que ele era bem mais distante.
O assim chamado banheiro social era com certeza o mais concorrido.
As crianças até que eram rápidas quando nele se trancavam, mas por incrível que possa parecer, bastava alguém entrar no aposento que lá vinha o pai todo afobado querendo usá-lo. Chegava apressado já forçando a maçaneta antes mesmo de saber se lá havia alguém.  Ao constatar que o banheiro estava sendo usado ficava contrariado e não tinha outra opção a não ser se dirigir ao outro cômodo no quintal.
Isso era fato corriqueiro. O aposento ficava vazio uma boa parte do tempo. Bastava alguém entrar que o pai chegava desesperado para usá-lo.
Vai daí que de tanto forçar a maçaneta da porta trancada um dia ele conseguiu quebrá-la.
Foi quando teve a grande ideia que, segundo ele (e seguramente somente para ele mesmo), indicaria a situação do banheiro para quem fosse usá-lo e isso pouparia inclusive a nova maçaneta já instalada.
Naquele mesmo dia providenciou o material necessário para por em prática sua grande ideia.
Recortou dois retângulos de cartão cartaz, um na cor verde e outro na cor vermelha e colou um ao outro deixando expostas as faces coloridas. Com tinta branca escreveu em letras bem grandes e caprichadas as palavras: OCUPADO no lado vermelho e LIVRE no lado verde.
Esclareceu que as cores facilitariam mais ainda e até dispensariam a leitura do aviso.
Entusiasmado com sua própria criatividade providenciou um pedaço de linha e todo satisfeito pendurou na porta do banheiro sua mais nova invenção.
Chamou os demais membros da família e passou as orientações de uso:
- Ao entrar no banheiro vire a plaquinha e deixe o lado vermelho à vista. Assim, mesmo de longe, todos saberão que o aposento está ocupado e já se dirigirão ao quintal. 
- Uma vez liberado o banheiro o ocupante deve virar o lado verde da plaquinha para fora, avisando que está livre para uso.
Tão contente estava com sua ideia que nem percebeu os olhares apalermados do “grande público” de quatro pessoas, usuárias do banheiro em pauta. 
Era uma gambiarra nada elegante.
Da sala de visitas podia-se observar pendurada na porta do banheiro aquela “discretíssima” placa de papelão colorido alertando o próximo usuário. 
O criador da “brilhante” ideia, entretanto, alardeava feliz que a partir daquele momento nem precisariam mais usar maçaneta ou trancar a porta visto que a plaquinha já avisaria a situação.
Nos primeiros dias (para ser mais sincera, talvez só no 1º dia) todos respeitaram (como sempre) a nova norma doméstica e a tal plaquinha foi usada a contento.
Com o passar do tempo e por que não dizer com a pressa ao entrar, já que esse cômodo por algum motivo especial sempre é um dos locais nos quais as pessoas chegam correndo, o desespero para usar o banheiro era maior que a lembrança de virar qualquer plaquinha fosse ela verde, vermelha ou cor de burro quando foge.
As conseqüências do desrespeito às ordens não tardaram a chegar e tiveram como vítima o próprio autor da ideia.  Chegando sempre correndo e vendo o lado verde exposto, acabava dando literalmente com o nariz na porta pois quem lá já estava não havia lembrado de virar a discretíssima plaquinha.
O caso se repetiu com tanta constância que ele se deu por vencido e retirou o cartão com os avisos. Esse fato foi comemorado (obviamente de forma discreta, como convinha) pelo “grande público” usuário do banheiro.
Pela primeira vez e acho que única, uma norma doméstica foi revogada sem necessidade de lobista.

Santos, 27 de agosto de 2011  

sábado, 20 de agosto de 2011

FIM DO MUNDO


Não há quem já não tenha ouvido falar ao longo de sua vida, de alguma profecia sobre um próximo final do mundo.
Nostradamus, textos bíblicos, São Malaquias, as profecias de Nossa Senhora de Fátima, profecias chinesas, profecia Maia e tantas outras, muitas inclusive anunciando para dezembro de 2012 a data final de existência do mundo tal qual o conhecemos.
Independente ou não da proximidade do apocalipse, não são poucos os que procuram obter dessa vida aquilo que julgam ser o melhor, isso considerando bens materiais, prazeres, a preocupação com o EU a qualquer custo e acima de qualquer respeito pelo OUTRO, o TER em vez do SER ou simples dolce far niente até a data fatídica.
Observando justamente isso é que concluo que o próprio homem está causando e até antecipando, se considerarmos as profecias, o final dos tempos!
Não é preciso ser vidente, ser profeta ou sensitivo. Basta prestarmos atenção ao que acontece próximo a nós, conosco mesmo ou termos acesso aos meios de comunicação.
Nos jornais televisivos são tantas notícias ruins gerando um clima tão pesado, que se tornou comum observarmos o apresentador respirar fundo após relatar casos e exclamar:
- Vamos mudar um pouco de assunto!
Isso já não é o fim do mundo???
Crimes horrendos envolvendo pais e filhos, traições entre amigos próximos, roubos deslavados de erário público que ocorrem nos altos escalões e descem a pirâmide até sua base, chegando até aos pequenos furtos que de tão corriqueiros já nem causam mais espanto ou revolta.
Certa ocasião durante uma palestra sobre qualidade de vida solicitou-se um gesto de braço por parte de quem já havia sido vítima de assalto ou roubo. Acompanhando o gesto (feito por quase 80% da numerosa plateia) ouviu-se uma estrondosa gargalhada. 
Senti um grande impacto: as pessoas passaram a considerar piada o fato de terem sido assaltadas e riem de si próprias. 
Isso já não é o fim do mundo???
Cresci vendo diariamente um texto afixado por meu pai, na casa de comércio que possuía.  Ao longo dos anos, passando pela adolescência e chegando à vida adulta, as palavras de Rui Barbosa passearam em minha mente. Cheguei a me questionar algumas vezes: será que ficaria com vergonha de ser honesta?
Diante de uma situação inesperada no trabalho e não concordando com a solução proposta, ouvi há anos um superior que tomando a atitude à qual eu me negara, afirmando com a maior serenidade que nem sempre dá para se ter escrúpulos.
A velha frase desfilou novamente em meus pensamentos: “...o homem chega a desanimar da virtude, a rir-se da honra, a ter vergonha de ser honesto”. 
Isso não é o fim do mundo???
Já está mais do que na hora de enxergarmos que independente de qualquer profecia, de qualquer data, o homem, O PRÓPRIO HOMEM, está decretando o fim do mundo... HOJE!!!!

Santos, 16 de agosto de 2011



domingo, 14 de agosto de 2011

COLECIONANDO LEMBRANÇAS E ARQUIVANDO SAUDADES


A vida passa diante de nossos olhos num ritmo frenético, sem se preocupar se estamos conseguindo acompanhar seus passos ou não.
É como se estivéssemos sentados à janelinha de um trem em velocidade, tentando captar todas as cenas que se mostram no lado de fora.
Se nos distrairmos por segundos, a vista se embaralha e perdemos imagens que talvez nunca mais vejamos. Emoções deixam de serem vistas e vividas.
Muitas vezes na tentativa de nada perdermos, nos apegamos a detalhes desnecessários que tiram o foco de nossa visão. Então de repente e sem que esperemos, a vista embaça, se perde no horizonte e quando nos damos conta “o tempo passou na janela” como bem disse o poeta Chico.
Cada momento tem sua importância e singularidade na história de nossas vidas.
Ao longo dos anos contabilizamos alegrias, descontamos tristezas, somamos vitórias, abatemos decepções.
Assim vamos colecionando lembranças e arquivando saudades.
Entretanto há que se saber o que é necessário arquivar. 
Nas profundezas da alma, naquela gavetinha mais escondida, empenada e difícil de ser aberta, devem ficar lembranças que nos machucaram no passado.  O tempo se incumbirá de danificá-las e desbotá-las a tal ponto que num dia qualquer de faxina da alma, esvaziaremos aquela gaveta sem nem nos darmos conta de seu conteúdo.
Lembranças boas, essas sim, devem estar sempre às mãos na primeira gaveta. Ao resgatarmos uma delas sempre virá junto um arquivo anexo - a eterna saudade.
Quem nunca sentiu uma saudade? Quem nunca chorou de saudade?
Saudade de alguém, saudade de um lugar, saudade de uma época, saudade de um momento, saudade de nós mesmos.
Ela varia na intensidade e na forma de nos atingir, mas fiel, nos acompanha ao longo dos anos.
Intensa, forte e soberana, no início a saudade nos domina. Toma conta dos pensamentos, das emoções, dos sentidos - toma conta de nossas vidas.
Com o passar do tempo filtramos melhor tais sentimentos e revolvendo apenas a gaveta das boas lembranças, encontramos a saudade que não fere, ao contrário, dá uma sensação gostosa que nos aquece por dentro.
Transportamo-nos virtualmente no espaço e no tempo na ânsia de reviver momentos especiais. Chega até ser difícil sentir essa saudade sem nos alegrarmos.
É nesses momentos que sonhamos acordados na tentativa de fazer aquele momento fugir da lembrança e acontecer novamente.
A saudade assim, despertada de seu estado temporário de dormência, massageia a alma e nos aquece.  Sem ela resta o vazio e o coração hiberna.
Alguém já disse há tempos: “SAUDADE É O AMOR QUE FICA”!


Santos, 14 de agosto de 2011
(Dia dos Pais)

sábado, 6 de agosto de 2011

FERIADO EM PARATY



Feriado se aproximando com previsões de bom tempo e calor.
As quatro amigas decidiram aproveitar os dias de folga para descansarem na praia e curtirem a   bucólica Paraty.
Malas prontas, últimos acertos feitos e logo no início da manhã já estavam na estrada.
Durante o trajeto que não foi curto, muita conversa muitos casos contados e muita risada.
Comentando o que uma ou outra levava na bagagem, eis que surgiu um senão. Prevenidas e acostumadas com imprevistos, três delas levavam vários cabides em suas malas.
A motorista ouvindo essas observações ficou intrigada e levantou um alerta - não havia tido essa ideia!  
Para brincarem com ela, as outras três imediatamente lhe avisaram que não adiantaria pedir, pois não emprestariam os cabides. Deveria ter sido mais eficiente e pensado nisso no momento de arrumar sua mala.
O assunto rendeu muito durante a viagem e as três através de gestos propositalmente combinados, fizeram muita zoeira sobre a motorista, conhecida até então por sua grande capacidade de planejamento e administração.
Chegaram ao destino logo depois da hora do almoço e não tiveram dificuldades em localizar a pousada que haviam reservado. Local bonito e próximo à praia.
Não era uma pousada requintada, ao contrário, era bem simples, mas muito aconchegante e exatamente o que elas procuravam.
Registros feitos, as amigas se dirigiram ao quarto onde as quatro ficariam juntas. De imediato já escolheram as camas e sobre elas colocaram suas coisas.
Malas abertas, roupas desdobradas e após uma disfarçada troca de olhares cúmplices e divertidos, as três acintosamente começaram a colocar as peças nos cabides que levaram, quando de repente o alerta de uma delas interrompeu os trabalhos. 
No quarto que lhes fora destinado, só havia camas, única e exclusivamente C A M A S.
Nenhum armário para guardar roupas e muito menos pendurar cabides, claro!
Olhares incrédulos e roupas nas mãos, o que se ouviu a seguir foram só gargalhadas no que foram acompanhadas pela amiga “descabidada” que triunfante, ria mais que todas confirmando a máxima - Quem ri por último ri melhor!
Na manhã seguinte, a mais madrugadora dentre as amigas, levantou-se e pé ante pé saiu do quarto a fim de caminhar na praia.
Observadora, viu quando uma garça se deslocava sobre a areia encharcada e curiosa resolveu se aproximar.  Distraída com a cena da ave procurando alimento, não se deu conta do tipo de terreno em que pisava. 
Era um grande lodaçal.
Isso ela constatou tarde demais ao sentir uma perna afundando até acima do joelho.  Rindo de sua situação ridícula, não conseguiu ter forças para livrar a perna presa no lodo e teve que sentar-se no chão para poder fazer isso. 
Enquanto isso a garça a olhava incrédula e assustada sem entender o que aquele ser humano fazia.
Quando conseguiu ficar em pé novamente teve que voltar rapidinho à pousada porque um banho era necessário e urgente já que estava toda enlameada.
Quando as demais amigas acordaram contou-lhes o caso ainda inconformada com o riso disfarçado que jura ter visto no canto do bico da garça enquanto ela afundava na lama.

Santos, 4 de julho de 2011

Recordando tempos não tão distantes e muito bons na companhia de Mada, Alice e Cleide.