sábado, 28 de maio de 2011

BITA VÉIO !





          Problemas com goteiras e pronto: já eram escalados para solucionarem a questão sem reclamações ou senões. Era obedecer ou obedecer!
Como a construção era antiga, isso acontecia com certa frequência e a pouca idade de ambos não era empecilho, ao contrário era vantagem uma vez que por conta disso tinham o desconhecimento pleno de perigo, fato esse equivocadamente chamado de coragem.
O menino na casa de seus dez anos de idade e a irmã um ano mais nova, tornaram-se  experts no assunto e já faziam um trabalho em parceria perfeita, sempre com bons resultados.
Ele ia engatinhando no telhado da casa com todo cuidado para, além de não cair, também não quebrar mais telhas e como consequência levar algumas broncas.  Ela entrava no forro pelo alçapão e também engatinhando procurava o local onde houvesse penetração dos raios de sol, indicando telhas quebradas ou deslocadas.
A casa tinha um único pavimento mas apresentava uma altura razoável para um garoto.  Isso o obrigava a deslocar-se de maneira bem lenta, evitando olhar para baixo para espantar o medo.
A menina por sua vez deparava-se com algumas dificuldades também. Contava com seu pequeno tamanho para desviar-se das muitas teias com aranhas magrelas e de longas pernas que proliferavam no forro da casa, além de procurar se apoiar somente sobre os caibros largos pois as tábuas estavam atacadas por cupim e com certeza não aguentariam qualquer peso maior. Outro fator que dificultava seu deslocamento era a fiação elétrica toda trançada, se estendendo até o forro da casa vizinha já que eram prédios geminados.
A despeito dos riscos que ambos de certa forma julgavam pequenos, o trabalho na maioria das vezes era concluído com êxito. Assim que ela detectava onde estava a telha quebrada sinalizava para o irmão que se dirigia até o local já carregando uma telha nova para substituir a danificada.
Com o passar dos anos essas atividades começaram a diminuir pois ambos já adolescentes passaram a encarar o serviço como de muito risco e não o realizavam de bom grado. Pouco a pouco os reparadores de goteiras foram abandonando essa atividade, deixando-a para profissionais qualificados.
Decorridos mais de 30 anos dessa “aposentadoria”, tendo a casa agora dois pavimentos, eis que novamente o telhado voltou a apresentar problemas sem que alguém conseguisse resolvê-los.  Sempre após uma chuva chamava-se um pedreiro que aparentemente fazia o reparo; bastava chover para as goteiras aparecerem novamente.
A situação assim permaneceu por um bom tempo até que a menina, agora uma mulher, não teve mais como furtar-se ao que lhe era diariamente exigido pela mãe já estressada com a situação. Num dia bastante ensolarado subiu no forro para marcar o exato local da bendita goteira e assim tornar possível seu efetivo reparo por parte de um pedreiro a ser chamado posteriormente.
Logo no início um pequeno detalhe dificultou o trabalho.  A escada não atingia a altura da abertura no forro. Isso a obrigou a esticar-se o mais que pode e ergueu o corpo apoiando com força as mãos na entrada do alçapão.  Apoiou a seguir os antebraços fortemente na laje e aí sim, com um impulso final conseguiu passar todo o corpo pela abertura do alçapão e entrar de vez no forro da casa.
Na construção recente não havia mais a imensa quantidade de teias de aranhas como era comum encontrar em sua infância. Nem tampouco havia o risco de desabar uma vez que a laje oferecia segurança.  Deslocou-se até com relativa facilidade apesar do pouco espaço.
Não demorou muito para que visse os raios do sol atravessando telhas quebradas. Fez várias marcas no madeiramento prendendo inclusive um pedaço de tecido para indicar o local.
Serviço concluído eis que chegou o momento de sair do forro.
Foi quando se deparou com um grande problema.
O fato do último degrau da escada estar distante da abertura do alçapão a obrigava a descer e soltar o corpo de vez no ar, ainda sem o apoio dos degraus sob os pés e principalmente sem enxergar nada do que fazia uma vez que seu corpo, da cintura para cima, ainda estava dentro do forro.  Fez assim várias tentativas mas, o medo da queda não permitia que se soltasse de vez.  Tentou então descer de frente pois  talvez enxergando a distância que havia entre seus pés e o degrau da escada, teria coragem para soltar o corpo. 
Nada feito. Todo esforço resultava sempre em um grande receio de queda e muita risada uma vez que a cena ficava cada vez mais hilária.
Ao lado da escada aberta a mãe tentava incentivá-la dizendo que não havia como cair porque o degrau estava exatamente na direção dos seus pés, apenas mais abaixo. Nada a encorajava.
Passado um tempo, desanimada, cansada e com fome, sentou-se no forro com as pernas balançando no ar através do vão aberto do alçapão e pediu que a mãe lhe jogasse uma merendinha pois tão cedo não sairia dali. 
         Uma crise de riso tomou conta de ambas. Pensou então que o único jeito seria telefonar para os bombeiros para que viessem resgatá-la. Passaria por um vexame inesquecível afinal tratava-se de uma senhora trepada no forro da casa, no bom sentido claro!
Entendendo que era para tomar essa providência a mãe rapidamente pegou o telefone e já discava o famoso 193 quando foi interpelada pela filha que havia tido uma ideia para a solução do problema.
            Apesar da pouca agilidade física da mãe, pediu a ela que subisse nos primeiros degraus da escada e segurasse em suas pernas apenas para lhe dar confiança já que não teria como sustentar seu peso. Isso permitiria que ela vencesse o medo e soltasse o corpo no vazio até que seus pés encontrassem o apoio do degrau.
Sucesso! Missão cumprida e comprida.
De pernas ainda bambas jurou que jamais e sob pretexto algum, a convenceriam novamente a trepar e saracotear pelo forro de uma casa. 
          Para ser mais enfática ainda repetiu a expressão criada e muito usada pela própria mãe quando se referia a algo que era perigoso e do qual queria distância.
- BITA VÉIO! Não me pegam nunca mais!
  
Santos, 25 de maio de 2011
Para minha mãe recordando uma tarde de muitas risadas!

6 comentários:

  1. Essas lembranças que temos das nossas mães que já não se encontram mais conosco ,nós vem bem nítidas na mente e a saudade bate forte não e mesmo mas guardamos o privilégio de ser filhas de pessoas nobres não e mesmo.

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  2. Sim Arlete. Muitas boas e bonitas recordações de tantos anos de convivência.
    Saudades sempre.

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  3. Lindo demais Liginha. Lendo o texto revi toda a cena novamente. Parabéns a você e à mamis pela coragem que deve estar rindo lá no céu. Beijos

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  4. Com certeza ela deve rir mesmo pois o mico foi grande....kkkk.. Obrigada pela visita. Pena que saiu anônima. Abração

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  5. Você teve uma vida muito mais divertida do que eu imaginava! Hilária a situação....você e D. Daisy. Corajosa hein. Parabéns pelo conto. Bjs

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  6. Pois é! Sempre fui expert em pagar micos e a primeira pessoa a rir deles...kkkk

    Colecionei micos e alguns contei aqui no blog.

    Obrigada pela visita e por suas palavras Raquel.

    Um abração!!!!!

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