segunda-feira, 24 de outubro de 2016

CULPA DA BOLSA DOURADA



Ficar de mau humor perto dela é meio difícil, diria até que é quase impossível.
A despeito das correrias do dia a dia, dos tropeços que se dá, das dificuldades que vira e mexe nos tiram a paz, há pessoas que "tiram isso de letra" como se diz popularmente, e não perdem o bom humor. 
Ela é assim.
Já a vi brava, irritada e com vontade de socar alguém, mas estes sentimentos são tão rápidos, tão passageiros, que mal lhe tiram o sorriso dos lábios.
Aliado a tudo isso, parece que sempre as confusões acontecem com ela ou de certa forma a envolvem e ouvi-la contar os casos, é gargalhada na certa.
Foi isso e mais um pouco o que aconteceu num final de semana prolongado, durante uma viagem a Santos.
Como combinado com sua mãe, foi de carona até a rodoviária para pegar o ônibus com passagem já comprada.  Sua amiga tomaria o mesmo ônibus, mas numa cidade vizinha onde o veículo faria uma parada.
Pouco antes de chegarem ao local do embarque, ela se deu conta que havia esquecido sua "singela" bolsa, totalmente dourada e com mais de meio metro de comprimento.  Nela estavam objetos de uso pessoal, documentos e a passagem que iria usar.  Nervosa com o imprevisto, ficou até aborrecida com o fato da mãe não ter notado que ela esquecera a "discretíssima" bolsa.
Apesar de já atrasadas, não houve jeito a não ser dar meia volta rumo à residência.
Mesmo sendo rápidas não conseguiram retornar à rodoviária antes da partida do ônibus.
Sabendo que ele faria também uma outra breve parada numa cidade anterior à que sua amiga estava, não teve dúvidas: decidiu ir de carro até onde a companheira aguardava, na certeza que ultrapassaria o tal "busão" no caminho, enquanto ele entrasse no lugarejo.  Desta forma embarcaria junto com a amiga.
De imediato tomou a direção do carro alegando que era mais rápida ao volante e partiu a toda velocidade. Pela "estrada afora ela foi bem contente"*. Não usava um chapeuzinho vermelho, mas tinha uma bela e imensa bolsa douradíssima.
No banco do carona, a mãe pedia-lhe que fosse mais devagar, que iria provocar acidente e outros conselhos mais do que pertinentes, mas a vontade de alcançar o tal veículo era maior.  Foi-lhe até sugerido que ligasse para o celular do motorista pedindo-lhe para esperá-la, mas essa hipótese não tinha como ser considerada por motivos óbvios.
O que ela imaginava realmente aconteceu, ou seja, chegou na rodoviária da cidade vizinha minutos antes do ônibus. Conseguira ultrapassá-lo na estrada. Juntamente com a amiga, embarcou sem maiores complicações.
Problema solucionado, eis que surgiu nova situação. 
A tensão nervosa e a preocupação pelas quais acabara de passar, fez com que seu corpo, mais precisamente seu sistema digestivo resolvesse dar sinais que iria funcionar.  Ela tinha pela frente uma viagem de mais de 3 horas num veículo sem banheiro. 
A cada minuto a aflição aumentava e o jeito foi tentar se distrair com outras coisas e de vez em quando falar para si mesma:  "Calma, calma, espera mais um pouco que já lhe atendo! Calma, agora não "totozinho", ainda não é sua hora!"
Suando frio conseguiu controlar o organismo, mas ao chegar a seu destino, para espanto de todos, ela praticamente voou da porta de entrada do apartamento para o banheiro e lá ficou por um bom tempo.
Quando conseguiu sair, contou e encenou detalhadamente todos os fatos com aquele seu jeito divertido, e aí as gargalhadas foram gerais.
Aqui caberia um The End, mas não foi o que aconteceu.
Um tempo depois ela soube que a história ainda não havia acabado. Um novo personagem, um tal  de Detran, entrara triunfante no capítulo final.
Realmente com a correria na estrada, ela conseguiu evitar a perda da passagem e dos reais que havia gasto na sua compra, mas em compensação, quando chegaram as multas por excesso de velocidade no percurso em que ultrapassou o ônibus, os reais que perdeu, superaram em muito o valor da tal passagem, além de outras dores de cabeça.
O novo personagem tentou ofuscar a protagonista, mas nem os dissabores a fizeram perder o bom humor. Foi melhor nem fazer os cálculos e seguir em frente para novas emoções.
Hoje, problemas resolvidos e superados, as peripécias da dona da bolsa dourada ainda provocam risos ao serem lembradas.
A propósito, será que ela ainda tem a bela, "recatada" e dourada  bolsa?

Santos, 23/10/2016

* Música da história infantil: O Chapeuzinho Vermelho.

Para Carolina e seu bom humor.

terça-feira, 11 de outubro de 2016

O PESADELO




Filmes de terror???
Ela queria distância deles. Não se atrevia a assistir nenhum.
Quando ocasionalmente havia uma cena deste estilo no filme que estava vendo, fechava os olhos ou tampava-os deixando só uma pequena fresta entre os dedos  que se fechava quando o ritmo da música ficava mais apavorante.
No entender dela, e no meu também, é impossível ter um sono tranquilo e repousante depois de levar sustos e mais sustos diante das telas da TV ou cinema.
Há porém quem goste muito destas fortes emoções e não perdem oportunidade de assisti-las.
Acontece que coincidência ou não, na hora de dormir os fantasmas aparecem nos sonhos e aí o que era para ser descanso e repouso, vira o tal pesadelo.
Foi provavelmente isto que aconteceu naquela viagem.
Tudo transcorria dentro da normalidade. Estrada boa,  ônibus bem confortável, passageiros sossegados e cochilando naquele final de tarde e início de noite.
Olhou ao redor e concluiu que talvez só ela e o motorista estavam acordados.
De repente, "não mais que de repente"* como dizia Vinícius de Moraes, a companheira do banco ao lado que aparentemente dormia  bem tranquila, começou a se agitar e dizer palavras sem nexo.  Preocupada, aproximou-se da amiga e ficou atenta. 
Os murmúrios aos poucos passaram a gemidos mais altos ao mesmo tempo em que o corpo se contraia.
Notando que a amiga deveria estar sonhando com algo ruim, resolveu acordá-la antes que os gemidos se transformassem em gritos e acordassem todos os passageiros.
Delicadamente apoiou cada mão sobre os ombros da jovem e chamou-a pelo nome por duas vezes seguidas. Ao chamá-la pela terceira vez com a voz mais elevada, viu com espanto que sua companheira encarou-a de uma forma assustadora, com olhos esbugalhados, ao mesmo tempo em que soltava um grito apavorante.
Levou um susto tão grande que a fez recuar o corpo rapidamente, acabando por bater a cabeça no vidro da janela do ônibus, provocando um ruído surdo.
Enquanto ela própria se refazia do espanto e da pancada na cabeça, a jovem ao seu lado agora desperta, respirava ofegante tentando explicar que havia tido um pesadelo horrível.   
Nem era necessário justificar nada pois pela intensidade do berro, deduzia-se que no mínimo ela tinha estado com o próprio capeta.
Foi difícil conter a gargalhada e ao mesmo tempo ser solidária com a amiga que ainda assustada com os maus sonhos, se recompunha no assento ao lado sem se atrever a olhar ao redor.
Neste mês em que se comemora o Dia das Bruxas, com certeza os fãs destes tipos de filmes estarão acumulando bastante informações para novos e tenebrosos pesadelos. E aí, haja gritos no meio da noite!
Decididamente como dizem os jovens de hoje,  eu "tô fora"!


Santos, 11 de outubro de 2016.


*  Soneto de Separação - Vinícius de Moraes