quarta-feira, 27 de novembro de 2013

O CASO DAS CARTEIRAS SUSPENSAS






Foi este o criativo cartaz que encontrei colado na porta de minha sala de trabalho, ao retornar das férias em meados de um distante janeiro.  Ao lado do cartaz, pendurada na porta, havia uma imensa concha de alumínio com uma boneca sentada sobre ela.
Era a divertida sugestão para atender à demanda escolar em 1991.
Início de ano sempre foi o período mais conturbado no Setor de Planejamento.  A partir da segunda quinzena de janeiro a situação tornava-se às vezes, tragicômica.
A busca por vagas em escolas, era constante. Os mais diferentes motivos levavam os pais a se dirigirem ao órgão competente, reivindicando matrículas.
Eram alunos que chegavam de mudança de outros municípios, alunos que haviam abandonado os estudos e queriam retomá-los, alunos oriundos de escolas particulares, alunos que desejavam mudar de escola ou de período, e muitos outros motivos plenamente justificados.
O atendimento era feito obedecendo a prioridades e possibilidades, mas às vezes, ele não era do agrado dos pais, já que era muito comum haver opção por dois ou três estabelecimentos de ensino, tidos como tradicionais.
Buscando valer a todo custo seus pedidos, fossem eles pertinentes ou não, não era raro algum pai ir acompanhado de um político, com o claro objetivo de pressionar para que o nome de seu filho passasse na frente dos demais, nas então existentes listas de espera nestas escolas mais disputadas. 
Era o conhecido jeitinho brasileiro de querer levar vantagem sobre os outros.
É bom que se esclareça que aluno algum ficava sem vaga para estudar. As listas eram feitas para que num segundo momento, assim que surgisse a oportunidade na escola/período desejados, os pedidos específicos fossem atendidos.
Ao longo de todo mês de janeiro e até o princípio de fevereiro, ocorria uma verdadeira romaria no Setor de Planejamento.
Uma manhã fui chamada à Portaria para receber um pequeno grupo de pais que desejavam transferir os filhos, já matriculados, para a outra escola do bairro, ambas bem próximas.
Lembro-me do espanto que senti ao saber que o motivo de tais pedidos, baseava-se unicamente no fato da direção da atual escola ser exigente, pois não permitia que os alunos chegassem atrasados às aulas. Alegavam que não conseguiam fazer os filhos dormirem cedo e que, portanto, no dia seguinte, era difícil tirar os adolescentes da cama.
Dentre os pais notei um senhor que a princípio considerei ser um profissional dos correios, já que usava calças e camisa exatamente da cor do uniforme dos carteiros.
No meio do falatório com as justificativas das mais absurdas, este senhor elevou bastante o tom da voz e num verdadeiro discurso, exigiu o pronto atendimento das solicitações.
Diante da negativa recebida graças à inexistência de vagas na outra escola,  naquele momento, o autor do discurso fez várias ameaças usando nomes de autoridades, que dizia pertencerem a seu círculo próximo de amizades.
Após todos se retirarem com a promessa de atendimento se e quando fosse possível, uma funcionária que de longe tudo presenciara, comentou a exaltação exagerada do político no meio do grupo.
O senhor que para mim era um profissional dos correios, na realidade era um político ligado ao comércio local, conhecido pelas polêmicas que criava onde quer que fosse.
Estava explicado o motivo de todo aquele discurso feito pelo pseudocarteiro diante dos pais eleitores.  O nobre edil não havia sido tratado como Vossa Excelência, num visível gesto de deselegância de minha parte.
Logo depois deste fato, ele desistiu da carreira política por estar envolvido em falcatruas. Os anos passaram, veio a aposentadoria e as ameaças ao meu cargo feitas naquela manhã pelo pseudocarteiro, não se concretizaram.
Hoje, revendo esta foto da carteira suspensa, voltei aos tempos de A.P.  (Assistente de Planejamento), na Delegacia de Ensino, função que apesar de também ser conhecida com Armazém de Pancada, deixou boas e belas recordações, como tudo que vivi no magistério.

Santos, 27 de novembro de 2013 

Para Rosmari, Cecília e Júlia, idealizadoras das revolucionárias carteiras suspensas.
Alguém quer patentear esta ideia???



segunda-feira, 11 de novembro de 2013

O PADRE E O ATOLEIRO



A chuva persistente nesta primavera cai mansa e suave, sem causar estragos.
Lembro-me de um tempo em que a menor ameaça de chuva, até mesmo uma simples garoa, já causava apreensão a um grupo de professores.
A escola onde trabalhavam ficava no município vizinho, distante 20 km. Embora o percurso não fosse tão longo, a estrada de pista única, era de terra batida, sem acostamento e mal conservada. Para complicar um pouco mais, havia muitas curvas e tráfego de caminhões.
Nos tempos de seca, a poeira era intensa e dificultava a visão. Entretanto, quando as chuvas chegavam, o pó era substituído por lama e aí sim, as complicações aumentavam.
Não era raro o carro de algum professor ficar atolado na estrada à espera de um trator ou outro veículo que lhe desse ajuda.  Quando isso ocorria no período noturno, a situação ficava ainda mais difícil.
Num início de ano com as constantes e fortes chuvas de verão, certo fusquinha verde pertencente ao professor de Português, acabou tendo suas duas rodas traseiras totalmente presas pela lama, bem no meio do caminho. 
Como já estavam acostumadas a isso, as professoras que estavam no carro, arregaçaram as calças, desceram e literalmente patinando no barro, providenciaram galhos e pedras que auxiliassem as rodas a saírem do buraco. 
O leito da estrada estava muito encharcado, pois a chuva já vinha ocorrendo há dias. Era pura lama. A cada tentativa, nova frustração, agravando-se mais ainda a situação. 
Não havia a quem recorrer, pois já passava das 23h e a estrada estava deserta.
É bom lembrar que o telefone celular ainda não existia.
Foi quando o professor de Português que acumulava a função com o sacerdócio, vendo que não havia jeito de livrar seu carro do atoleiro, decidiu pedir ajuda a algum morador da região.
O fusquinha estava parado relativamente próximo à porteira de entrada de um sítio. Via-se a luz muito fraquinha vinda de uma casa, bem distante da porteira.
Sabendo que se chamasse ali da estrada não seria ouvido, o padre resolveu ir até a casa e para isso, teve que pular a porteira que estava trancada. Teve muita dificuldade neste ato já que não era mais jovem e seu sobrepeso era evidente.
Mal havia dado uns 10 passos já dentro da propriedade, quando fortes latidos ecoaram na escuridão.  Com certeza, pela intensidade do som, não se tratavam de poodles, cachorro salsicha ou qualquer outro cachorrinho.
As professoras que haviam ficado no carro, apavoradas, gritaram alertando o padre.  Naquele instante ele já havia literalmente virado nos calcanhares e corria a toda velocidade, de volta à porteira.
Para espanto das mulheres, com um malabarismo inesperado, ele deu um único salto e num piscar de olhos já estava do outro lado da porteira, a salvo na estrada. A dificuldade que demonstrara na ida, desapareceu como que por encanto na volta, tamanha a agilidade nos movimentos.
O barulho todo chamou a atenção do dono do sítio, que a despeito da desconfiança inicial, acabou entendendo a situação ao ver o carro com as professoras na estrada e reconhecendo o padre professor, ainda muito ofegante e sem fala.
Com ajuda de um trator, o fusquinha verde foi retirado do buraco onde se metera e o grupo pode seguir seu caminho.
Toda esta odisseia provocou grande atraso na viagem e já era madrugada quando finalmente chegaram ao destino.
A demora havia alarmado os familiares que se reuniram num posto de gasolina situado logo na entrada da cidade. Estavam prestes a entrarem na estrada quando o fusquinha tomado pelo barro fez sua chegada triunfal.
O difícil foi acreditarem que o padre professor, já próximo da aposentadoria e com bons quilos a mais, ao fugir dos cachorros, havia conseguido pular a porteira com um único salto, num desempenho só observado em atletas profissionais.
Aliás, nem ele mesmo acreditou que tivera seu momento de João do Pulo.
                                                                                     

Santos, 11 de novembro de 2013 



Para as companheiras desta e de outras tantas aventuras na estrada velha de Ipeúna, e em especial, ao inesquecível professor Padre Quirino Volani.

quarta-feira, 6 de novembro de 2013

A MENINA CRISTIANE



Sempre que seu nome me vem na lembrança, imediatamente outro nome o acompanha.
Cristiane me traz recordações do profº Arlindo Dias, o grande mestre da Matemática, professor de várias gerações de rio-clarenses.
Também fui sua aluna nos tempos do curso de magistério no “Joaquim Ribeiro”.
Foi nessa época que aprendi a admirá-lo não somente pela competência e amor à profissão, mas também pela atenção e carinho que tinha por seus alunos.
Era enérgico quando necessário, mas tinha um coração que mal lhe cabia no peito.
Anos mais tarde e já formada, tive o prazer de ser sua colega de trabalho na escola “Diva Marques”, onde lecionei Ciências. Pude então compartilhar de momentos muito especiais de sua carreira, num período já próximo da aposentadoria.
Uma tarde, caminhando pelos corredores do “Diva” durante o intervalo das aulas, o profº Arlindo me procurou dizendo-se magoado comigo.
Diante de meu espanto, se apressou na explicação.
Ele havia acabado de conversar com uma brilhante aluna e lhe perguntado, qual era o professor que ela mais gostava.  
Decepcionado ouviu a resposta: ele era o segundo mais querido, pois a professora de Ciências era a primeira.
Essa aluna era Cristiane.
Ambos rimos do fato e da ciumeira despertada, pois parecia que nós professores, estávamos disputando o carinho dos alunos.
O fato é que Cristiane não era somente uma excelente aluna, mas também uma adolescente especial, destacando-se pela meiguice e educação que dispensava a todos.
Décadas se passaram após este fato.
Recentemente graças à internet, reencontrei Cristiane, agora já mulher adulta e mãe.
Pude então constatar que aquela garotinha inteligente e amorosa, é hoje um ser humano realmente especial, tal e qual já demonstrava na adolescência.
O que dizer de uma pessoa que se dedica a amenizar dores alheias, a fazer sorrir crianças de olhos entristecidos pela vida, a espalhar alegria nos momentos difíceis quando a velhice ou  uma doença tira o prazer de viver???
Cristiane com suas roupas coloridas e seu nariz de palhaço, circulando por quartos de hospitais, orfanatos e asilos,  juntamente com sua filha e outros amigos, têm minha grande admiração, meu grande respeito e me enchem de orgulho.
Cris, você faz realmente a diferença neste mundo tão materialista, quando o egocentrismo cada vez mais, vem ditando e impondo suas regras.
Realmente tenho muito orgulho de ter sido sua professora e contar agora com sua amizade.
Parabéns à mãe Cristiane, à filha Marina e ao grupo todo, que planta e colhe sorrisos e amor.

Santos, 06 de novembro de 2013 


Uma homenagem à Cristiane Nogueira, à Marina, sua filha e a todos do grupo.