sexta-feira, 25 de dezembro de 2015

CAIXINHA DE PANDORA







Final de ano, quer queiramos ou não, acabamos fazendo uma análise mesmo que rápida, de como foi nossa atuação ao longo dos últimos 12 meses.
Momentos alegres, momentos de conquistas, momentos de perdas e decepções, vão desfilando pela memória como que saltando um a um, de dentro de uma caixinha que abriga nossas vidas.
Interessante notar como o passar dos anos altera nossas reações diante de situações já vivenciadas, sejam positivas ou não.
Fato que em outros tempos me tiraria do sério como se costuma dizer, hoje pouco me afeta e sua mínima importância, faz com que o coloque bem no fundo do bauzinho da memória. Esquecer eu não esqueço; isso ainda não aprendi a fazer.  De certa forma é até bom para servir de alerta.
Tirando a média e os noves fora, 2015 foi um ano bom para mim.
Aprendi  muitas coisas novas e úteis, enveredei por novos caminhos, conheci pessoas que se tornaram importantes para mim.
Aprendi principalmente que as pedras do caminho que nos fazem tropeçar, aquelas mesmas de Drummond, também nos impulsionam para frente, a despeito de catarmos coquinhos (junto com nossos caquinhos), nos primeiros e desajeitados passos à procura do equilíbrio.
Este solavanco é bom e necessário pois sempre mostra novos ângulos da vida, ângulos estes que a mesmice e a acomodação escondem, nos deixando na ilusória zona de conforto.
A exemplo de Pandora devemos abrir as caixas de nossas vidas, deixando escapar tudo o que nos faz mal, tudo o que nos machuca, mas mantendo em seu interior algo essencial - a esperança.
Essa sim, deve estar presente na caixinha que abriga nossas vidas.
Com a esperança bem guardada e renovada, iniciemos esta nova caminhada.


Santos, Natal de 2015.

domingo, 3 de maio de 2015

CRIANÇAS E SUAS EXPRESSÕES




Crianças têm boa memória. Disso ninguém duvida. 
Haja vista a facilidade que todas têm em repetir frases inteiras que lhes ensinaram, mesmo usando palavras que desconhecem os significados.
Este fato muitas vezes acaba até sendo explorado por adultos que expõem seus filhos a situações de verdadeiros papagaios, dizendo frases complexas que nem sequer compreendem, mas que contrastam fortemente com a inocência estampada nos rostinhos. Desta forma atraem a atenção e podem até gerar algum tipo de benefício aos pais, sejam puramente a vaidade e orgulho ou até financeiros.
O que é realmente curioso e até divertido é que muitas vezes os pequenos memorizam os termos que lhes ensinaram e passam a repeti-los exatamente como entenderam sua pronúncia que nem sempre está correta.
Como desconhecem as palavras e seus significados, as frases ficam às vezes surreais.
Uma das situações favoráveis à ocorrência destes fatos, são as orações religiosas. 
Lembro-me perfeitamente do dia em que meu pai prestando atenção na reza que minha mãe me ensinava, estancou de repente na porta do quarto.
Do alto de meus seis anos eu rezava em voz alta a oração Salve Rainha, quando no trecho "Mãe misericordiosa,  vida doçura e esperança nossa, salve!" ,  eu soltei a pérola: 
- Mãe misericordiosa vinda do sul, e esperança nossa, salve!
Parado na minha frente e rindo muito perguntou para minha mãe se Nossa Senhora era gaúcha de nascimento, já que segundo minhas palavras ela era "vinda do sul"!
Mais gargalhadas ainda quando ele resolveu pedir-me para repetir a oração desde o início e ouviu outra ligeira troca de termos:  os degredados filhos de Eva, viravam em minha palavras, os empregados filhos de Eva.
Um outro caso ocorreu com Victor que estava com a mãe quando esta lhe pediu que esperasse um pouco, pois iria trocar a sua irmã.
Muito assustado o garoto pediu:
- Não troca não mãe, eu gosto dela.
O garoto mais velho tinha um reio que usava em suas brincadeiras com cavalinho de pau;  a irmã caçula resolveu querer um e entre lágrimas pedia ao pai que fizesse um correio para ela também.
Recentemente li na rede social o comentário de uma amiga sobre a forma como seu netinho de dois anos canta a música de Natal:
- Bate o sino pequenino sino de nenê , já nasceu deus me livre para o nosso bem!!!!!
Recordando estas cenas infantis, lembrei-me das palavras ditas pelo poeta Manoel de Barros comentando a definição dada por uma criança quando lhe foi perguntado o que era uma borboleta.   
A resposta veio rápida:  
- Borboleta é uma cor que avoa!
Diante desta frase, Manoel concluiu brilhantemente: 
- A criança erra na gramática, mas acerta na poesia.


Santos, 3 de maio de 2015 

Para Victor, para Edo (o dono do reio), e para Clotilde e seu netinho Enzo.

domingo, 19 de abril de 2015

COMUNICAÇÃO




Estamos vivendo uma época em que a intensidade de comunicação entre as pessoas, supera seus próprios limites a cada dia que passa.
Com apenas um toque de dedo numa tela touchscreen, a tecnologia nos permite resgatar contatos com pessoas que não víamos há décadas.
Amigos perdidos no túnel do tempo, sobre os quais nunca mais tivemos quaisquer notícias, de repente como num passe de  mágica, estão ali, na nossa frente, nos sorrindo na tela de um equipamento eletrônico.
As redes sociais já fazem parte da vida diária de mais de um bilhão de usuários, que não deixam de acessá-las ao menos uma vez ao dia, mesmo que rapidamente.
O mundo todo está exposto na internet num gigantesco reality show.
Conhecidos se reencontram, conhecidos dos conhecidos se tornam também amigos, e assim as redes se ampliam a cada instante.
Nunca foi tão fácil localizar alguém, marcar encontros de turmas, divulgar ideias, imagens, situações, etc.
A comunicação está no auge, mas, e sempre há um mas, será que realmente vem ocorrendo em sua plenitude?
O termo é de origem latina - COMMUNICATIO - onde o prefixo CO= sentido de reunião; a raiz MUNIS= estar encarregado de; e o sufixo TIO= atividade.*
Portanto comunicação é uma atividade realizada em conjunto.
O que se tem visto com frequência cada vez maior, ainda considerando as redes sociais, são usuários expondo seus pensamentos, mas pouco interessados em saber com profundidade e atenção, o que os demais participantes pensam a respeito.  Haja vista que vemos constantemente comentários sobre alguma postagem, onde seus autores não se deram sequer ao trabalho de ler o que foi escrito anteriormente sobre o tema e ficam questionando fatos já explicitados por outros, antes mesmo de sua participação.
De certa forma o mundo virtual está refletindo o que se passa no real, ou seja, muito se fala e  pouco se ouve.
A peça teatral Tribos, de autoria de Nina Raine, aborda justamente esta questão.   A partir de problemas enfrentados pela surdez de um personagem, mostra-nos metaforicamente falando, que é cada vez mais frequente a surdez nas relações pessoais.
O ato de se comunicar está falhando já que tem caminhado num sentido único, quando deveria ocorrer numa pista de mão dupla:
FALAR  E  OUVIR
Será que realmente sabemos ouvir as pessoas, seus interesses e necessidades?
Será que nesta rota acelerada, seja ela virtual ou real, nos preocupamos tanto em expor nossas ideias que acabamos nos esquecendo que o ato de comunicar envolve uma atividade realizada em conjunto com outrem?

Em plena era da comunicação, ainda permanecemos surdos.


Santos, 19 de abril de 2015 


*   www.communicare-tmc.blogspot.com.br - Mestrado em TIC - ISE Piaget/Gaia.
               


segunda-feira, 30 de março de 2015

"FUI BUSCAR LÃ E VOLTEI TOSQUIADA"




Em recente viagem de ônibus percebi que era uma das poucas pessoas que usava o cinto de segurança.
Pensei  - Caramba, ainda continuo bem Caxias!
De imediato lembrei-me de um episódio em que passei o maior vexame por causa deste acessório importante.
Íamos pela estrada rumo à Itirapina (SP) onde faríamos uma reunião na escola, com todo o corpo docente.
No carro já um tanto velho (um modelo dos primeiros Gol, antes do popular bolinha), cinco mulheres matraqueavam ao mesmo tempo.  
Ao passarmos pelo trecho de serra, algumas brincaram com a motorista sobre sua capacidade ao volante.
Resolvi então fazer uma graça que quase me colocou em desgraça!
Dizendo estar preocupada, resolvi colocar o cinto de segurança.
Naquela época não havia ainda a obrigatoriedade de seu uso.
Eu estava sentada no banco traseiro do carro, entre duas amigas.
Falei e agi; de imediato  já estava protegida do risco de ser lançada para fora do veículo, serra abaixo, caso a motorista fizesse alguma barbeiragem.
Finda a viagem, o carro foi estacionado bem em frente à escola faltando apenas poucos segundos para o início da reunião.
Sendo assim, no momento em que o veículo parou, todas as ocupantes saíram rapidamente e se dirigiram para o prédio.
Todas não!
Eu fiquei sentadinha onde estava. 
Eu e a dona do carro, que em pé na calçada, esperava só minha saída para travar o veículo. Ela olhava e não entendia o motivo de minha demora, enquanto me via numa verdadeira luta com o cinto.
Aconteceu o que eu não esperava.  O tal acessório não me soltava.
Ao fazer a brincadeira lá na serra, não notei que as extremidades metálicas do cinto estavam enferrujadas.  Ao ser travado, a ferrugem provocou um problema no mecanismo que simplesmente não permitia que ele fosse destravado. 
Em outras palavras, eu estava literalmente presa ao banco sem conseguir me soltar.
Já um tanto nervosa devido ao horário, pus-me a digladiar com aquela faixa preta que apertava minha barriga.
A amiga na calçada alertou as outras, que voltaram para fazer o meu resgate.
Uma ajoelhou-se no banco ao meu lado, tentando sem sucesso me soltar.
Outra sugeriu que tentasse escorregar por baixo do cinto.  Tentei algumas vezes, mas o cinto estava super apertado e eu não conseguia deixá-lo mais folgado.
Após a terceira tentativa para escorregar, resolvi desistir. Achei que iria acabar enforcada pela barriga.
Claro que a estas alturas, as gargalhadas eram muitas.
Dando muita risada nós perdíamos a força e o corpo mole não permitia que déssemos os safanões necessários naquele acessório demoníaco.
Depois de um tempo, já conformada com meu destino, perguntei para a dona do carro quanto ela me cobraria de aluguel, já que tudo indicava que seu veículo seria meu novo lar.
Foi quando o diretor da escola surgiu no portão trazendo uma tesoura nas mãos.  Afinal toda aquela confusão já havia atrasado demais o início da tal reunião.
Nesse momento, uma amiga que já estava ajoelhada no chão do carro (eu pensei que ela fosse orar) deu um imenso tranco na trava do cinto conseguindo abri-la.
Eu havia acabado de ser libertada de meu cativeiro.
Como diz o ditado popular - "Fui buscar lã e acabei tosquiada"!!!!
A partir deste episódio, toda vez que tenho que colocar o bendito cinto, antes de mais nada, vejo se não está enferrujado.
Como diria minha mãe:  "Bita véia, tô fora!!!"

Rio Claro, 28 de março de 2015.
(Casa da Alice, no dia do casamento de Janaína Schmidt Traina).


Para as amigas Lázara (a que mais ria), Graça e Sonia. Não me lembro quem era a  quinta mulher no carro.

sexta-feira, 20 de março de 2015

APUROS COM A MARIPOSA




Um comentário feito numa rede social a respeito de uma mariposa, fez passar um filme em minha cabeça.
Não sou do tipo que morre de medo de insetos ou outros animais pequenos, haja vista que sou formada em Biologia.
Porém, não fico nem um pouco tranquila quando por perto algum inseto alado está fazendo acrobacias aéreas, nem sempre com senso de direção.
Basta pensar no voo de uma barata para me arrepiar e me encolher toda. Ela correndo no chão é uma situação, agora, ela voando como doida, aí é gritaria na certa.
Aliás já me disseram que eu não mato as baratas, mas que na verdade elas morrem sozinhas de enfarte fulminante tamanho o susto que levam com meus gritos.  Eu grito e bato, grito e bato, até o final da batalha. Talvez seja intriga da oposição, mas que elas morrem, morrem mesmo.
Em função dos trabalhos práticos de coletas de mosquinhas nas matas durante o curso de pós-graduação, vivenciei experiências que já relatei em outros contos, como a visita que recebi de um enorme gafanhoto passeando por dentro de minha calça jeans. 
No desespero ao senti-lo subindo por minha perna e pensando que pudesse ser escorpião ou até mesmo aranha, avisei minha amiga de coleta e ela própria acabou tirando minhas calças em plena mata, já que eu mesma estava constrangida em fazer isso no meio dos eucaliptos do horto florestal onde estávamos. 
Por sorte era um inofensivo gafanhoto. Pense em um gafanhoto grande, bem grande.  Já pensou?  Pois bem, aquele era maior ainda.  O maior que vi na vida.
 O coitado mais assustado do  que eu, havia enroscado suas patinhas na costura interna da calça. Assim que se livrou, saiu num voo estabanado a toda velocidade e sem tempo de dizer adeus, me deixando ali parada com as calças arriadas, mas aliviada.
A montagem do insetário (com mais de 300 exemplares)  proporcionou também muitos momentos de sustos seguidos de muitas gargalhadas, como a verdadeira luta que foi para coletar as ditas baratas (sempre elas) intactas, sem quebrar antenas ou patinhas. 
O caso da mariposa que lembrei acima, ocorreu quando já exercia o magistério.
Era uma noite muito quente e havia chovido na véspera. 
As luzes fluorescentes das salas de aula eram chamarizes para os insetos que entravam pelas janelas e se debatiam nas lâmpadas.  Eram na maioria besouros e mariposas pequenas.
Até que...  Até que uma enorme mariposa de corpo negro com muitas escamas (parecem pelos) e asas com desenhos amarelos e pretos, entrou toda estabanada dando rasantes sobre as cabeças dos alunos. 
Era classe de adultos de um curso técnico de eletrônica, formada na sua totalidade por homens.
Eu estava bem no meio de uma explanação sobre velocidade, espaço e tempo, com vários esquemas feitos na lousa. Movimentava-me de um lado para outro na frente da classe explicando os tais esquemas.
Conforme a mariposa se aproximava de algum aluno, ele somente dava um safanão com o caderno e continuava a olhar para a frente, na maior calma.
Com certeza eu era a única que estava preocupada, para não dizer apavorada, com as acrobacias da dita cuja.  Continuei a explanação mas nem piscava, só de olho na maldita.
Até que finalmente alguém a acertou de jeito e ela caiu no chão, no canto da sala e bem junto à parede da lousa.   E lá ela ficou quietinha, para minha alegria. 
Continuei a caminhar de um lado para o outro concluindo as explicações e numa das paradas, não percebi que meu pé esquerdo ficou muito próximo da mariposa.  A calça comprida era preta e de tecido fino; tinha a boca um pouco larga (era moda na época) e quase tocava o chão. 
De repente senti umas patinhas roçando em minha coxa.  
Gelei.
Olhei para o canto onde estava a tal mariposa e para meu desespero vi que ela havia sumido. Conclui no ato que ela havia subido por dentro da calça.
Procurei ficar impassível diante dos alunos.
Sem parar de falar, embora minha vontade fosse gritar e sair correndo, segurei-a por cima da calça e apertei o máximo que pude. Soltei logo em seguida e vi o corpo dela caindo ao lado de meu pé esquerdo. 
Afastei-me rápido e respirei aliviada. Não a havia matado mas com certeza ela não voaria tão cedo.
Controlei-me tanto que se algum aluno percebeu o que houve, não comentou nada, nem os que estava nas primeiras carteiras.
Assim que terminou a aula fui voando ao banheiro. Queria lavar a roupa por dentro pois estava enojada.  O tecido preto no avesso, brilhava com tantas escamas que haviam saído do corpo da mariposa.
Como eu disse no início, não morro de medo de insetos, principalmente daqueles que estão bem longe de mim!

Santos, 20 de março de 2015  

Saudades e gostosas lembranças de um ambiente tão amigo e acolhedor que encontrei na Organização Escolar Alem/Rio Claro.

sexta-feira, 13 de março de 2015

ERA UMA VEZ UMA SOMBRINHA








Uma pequena sombrinha esquecida do lado de fora do apartamento, se escafedeu durante a noite. É estranho dizer isso, mas era uma sombrinha de estimação!
Na verdade ela foi levada inadvertidamente por um funcionário que recolhia o lixo reciclável. Apesar de ainda estar em perfeito estado,  ela foi confundida com lixo e teve seu fim antecipado. 
DESAPEGA! 
Foi a divertida expressão que ouvi ao lamentar o ocorrido.
De imediato esta palavra remete a uma propaganda que circulou recentemente na TV, onde objetos já fora de uso são vendidos para desocuparem espaço.
Ao longo dos anos, por necessidade ou puro apego, vamos guardando coisas que acabam incorporadas ao nosso cotidiano.  Isso pode ser prazeroso, mas também pode causar certos transtornos se tais materiais já não são mais necessários.
Esta ação, desapegar, para mim em especial é uma ação que executo com certa dificuldade, mesmo em se tratando apenas de objetos materiais.
Isto acontece porque geralmente eles vêm acompanhados de lembranças que contam muitas histórias e particularmente sou "chegadinha" em histórias.
Agora mesmo estou diante de alguns móveis, ainda muito úteis e bons, que me transportam diretamente à infância contando divertidas cenas  que os envolveram.
Nos tempos atuais pela própria falta de espaço, não há como manter coisas que já não nos interessam.  A praticidade da vida moderna não permite isso.
Em uma das mudanças de residência, ante o desafio de sair de uma casa com muitas dependências para um pequeno apartamento, pude constatar que temos grande capacidade de adaptação que nos permite viver bem, com poucas coisas.
A felicidade, o sentir-se bem, não se encontram nas coisas que nos cercam, mas sim, em nosso próprio interior.
Apegos e desapegos se sucedem em nossa vida e assim, embora de maneira não prevista, tive que me desapegar daquele pequeno objeto, mas com certeza suas histórias permanecerão.
E foi assim que uma simples sombrinha, que mesmo não sendo Policarpo Quaresma, teve também seu triste fim.



Santos, 13 de março de 2015

domingo, 1 de março de 2015

TUDO ACONTECE COM ELE




Se algumas pessoas têm a capacidade nata de se envolver em trapalhadas, ele com certeza é uma delas.  A expressão "Tudo acontece com ele" -  é perfeitamente adequada neste caso.
Alegre e descontraído, sempre se diverte com seus próprios micos.
Desde pequeno se contam histórias engraçadas nas quais foi o protagonista.
Quando um grupo de amigos se reúne e ele está presente, sempre há novos casos a serem contados e aí as gargalhadas são garantidas.
Lembro de um caso antigo ocorrido no trânsito na região central da cidade.
Com o semáforo fechado, ele aguardava o momento de colocar a velha Kombi do amigo, em movimento novamente.  Assim que a luz verde acendeu, num gesto um tanto afoito, em vez de engatar a primeira marcha para sair, ele simplesmente conseguiu arrancar o câmbio de seu encaixe.
Nervoso, tentou sem sucesso, encaixar a barra do câmbio em seu devido lugar, socando repetidamente a barra de ferro no buraco que ficara.
 Como o veículo bloqueava a passagem, uma grande fila de carros formou-se atrás da Kombi.
Teve então início um imenso e ensurdecedor buzinaço.
Muito irritado com toda aquela barulheira, ele não teve dúvidas:  pôs o braço esquerdo totalmente para fora da janela e começou a brandir vigorosamente no ar, o que havia restado do câmbio.
Foi quando os demais motoristas entenderam o problema e improvisaram um desvio para liberar o trânsito.
Mais recentemente, sua distração provocou mais risos.
Resolveu almoçar em um restaurante que oferecia almoço por quilo.
Foi se deslocando pelos balcões de frios e quentes, recolhendo os alimentos que desejava.
Na sequência, com a bandeja nas mãos,  dirigiu-se em direção à balança para pesar o prato.
Eis que, para sua surpresa,  ao chegar a sua vez, o rapaz responsável avisou que não poderia pesar os alimentos naquelas condições.
Diante de sua expressão espantada e sem entender o motivo, o rapaz o alertou:
- O Sr. não pegou o prato. Colocou toda a comida diretamente na bandeja.
Constatou então atônito, que havia esquecido de colocar um prato sobre a bandeja, para somente depois pegar os alimentos.
Resignado foi buscar o prato, salvou uma pequena parte da comida que estava por cima e entrou novamente na fila da pesagem.
Em outra ocasião, como fã incondicional de esporte, fazia de modo inflamado a locução de um acirrado jogo de basquete para uma radio da cidade.
Eis que nos segundos finais da partida, quando um último lance de bola na cesta definiria o campeão do torneio, sua empolgação foi tão grande que ele acabou por quebrar a cadeira onde se sentava.   Despencou com tudo no chão, sem ter tempo de ver se a bola havia entrado ou não na cesta.
Silêncio total e repentino na transmissão do jogo.
Quem acompanhava a partida pelo radio ficou sem entender nada, pois o aparelho emudeceu.  Os ouvintes ficaram a "ver, ou melhor, a ouvir navios" perdendo os instantes finais de uma vibrante partida. 
                 Com certeza muitos destes torcedores, neste momento, angustiados para saberem o resultado, socaram seus aparelhos imaginando ser problema de seu próprio radio. Depois de ouvir o jogo todo, acabaram sem saber quem foi o vencedor.
Em outro jogo, também de basquete, agora atuando apenas como torcedor, e bem fanático, acabou novamente perdendo  os segundos finais da partida.
No auge da empolgação, pulando e gritando muito, seu pivô dentário e frontal, não resistiu a tanta euforia e voou pelos ares.   
               Seu grito de guerra foi interrompido no meio, enquanto ele estarrecido via a pequena peça dar cambalhotas no ar e se precipitar três degraus abaixo na arquibancada, entre os pés do povo que sapateava comemorando a bela partida.
Desesperado e pedindo para que não pisassem em seu dente, acabou sem saber na hora, quem venceu a partida. Teve que perguntar o resultado aos amigos. Mesmo assim ficou satisfeito, pois recuperou seu pivô.
São alguns dos vários episódios protagonizados por alguém alegre, descontraído e desencanado,  que diverte os amigos e também muito se diverte, relembrando as trapalhadas nas quais se envolve com frequência, eu diria até, que com bastante frequência!

Santos, 01 de março de 2015

Ao Rubens, recordando somente uma pequena parte dos causos que tanto nos fez rir na praia.

sexta-feira, 20 de fevereiro de 2015

ADOLPHO CERRI




Recentemente ao relembrar antigos carnavais, resgatei de imediato a figura de Adolpho, meu avô paterno, intimamente associado a estas festas na minha infância.
Com certeza foi uma pessoa ímpar.
A primeira impressão que sua figura despertava, era de um certo temor em função de seu tamanho, pois era bem alto e seu sobrepeso era evidente.  Eu, que nunca fui grande, sentia-me menor ainda a seu lado.
Entretanto, a despeito deste temor inicial, hoje chego a pensar que aquele enorme físico era necessário para comportar tanta bondade e abnegação.
Talvez pela própria educação recebida, não extravasava seus sentimentos distribuindo beijos e abraços, nem mesmo às crianças. Era bem contido neste aspecto.
Essa dificuldade em demonstrar fisicamente suas emoções passava quase desapercebida,  já que seu olhar azulado transmitia clara e abertamente, o que lhe ia na alma.
Era um olhar franco, puro, carregado de carinho e ternura.
Não sei se era impressão minha, mas sentia quando criança, que recebia dele uma atenção especial dentre os netos. Talvez porque fosse a única menina, já que minha irmã nasceu anos depois.  Chamava-me às vezes de Migila;  nunca soube de onde veio este apelido e nem o por quê.
Totalmente desprovido de ambição e vaidade, muitas vezes deixava a esposa tremendamente irritada com a displicência ao se vestir para sair.   Ele realmente "não estava nem aí"  para o que os outros pudessem pensar.
Queria mesmo era se sentir confortável, e assim procedia.
Aos domingos pela manhã, após a missa, costumava tocar sua flauta transversal.  Era de cor negra e ficava guardada num elegante estojo forrado com feltro vermelho.
Já não me recordo se ele tocava bem, mas a cena dele sentado na cama, com os netos à sua volta, enquanto montava com carinho o instrumento, ficou bem gravada na memória.
Como sempre acontece com pessoas de boa índole, sua bondade e total falta de malícia, foram exploradas por outros, mas nem nestas ocasiões ele teve comportamento agressivo.
Simplesmente deixava para lá, e tocava a vida como se nada e ninguém o tivessem prejudicado.
Essa sua benevolência não era compreendida e muito menos aceita por minha avó, Maria Luíza, que com seu temperamento forte, ficava indignada quando amigos e até mesmo parentes se aproveitavam da situação.
O mais incrível é que ele não se abalava com as broncas que dela levava; cruzava as mãos nas costas, logo abaixo da cintura, num gesto característico seu, e saia de perto no maior sossego, deixando-a ainda mais irritada.
Seu jeito simples e sossegado era sua marca registrada.
Uma cena diária que muito me divertia, era vê-lo ler jornais.
Lembro-me bem de suas leituras do jornal O Estado de São Paulo, na loja de meus pais.
Desmontava o jornal todinho à procura dos assuntos que lhe interessavam. Depois, para desespero de meu pai que era extremamente organizado, ele dobrava as páginas de qualquer jeito, à sua maneira, e o jornal ficava lá, todo amarrotado.
E lá ia embora o Adolpho, tranquilamente, enquanto seu filho visivelmente alterado, mas sem dizer uma palavra, num total respeito,  remontava página por página todo o Estadão.
Adolpho nem se dava conta disso, ou se dava, não ligava a mínima.
Realmente um homem bom no sentido exato da palavra.
Ficou muito abalado com a perda da esposa.  
Não aguentou sua ausência e poucos meses depois, foi ao seu encontro.
Como bem disse Rubem Alves - "Recordar é visitar de novo aquilo que o coração guardou".
E meu coração só guardou coisas boas deste avô!
Onde quer que esteja, com certeza está em paz e tocando sua flauta.
Um dia esta Migila lhe encontrará, vô Adolpho.
Até lá!

Santos, 20 de fevereiro de 2015 


Ao avô Adolpho, in memoriam!


quinta-feira, 19 de fevereiro de 2015

domingo, 15 de fevereiro de 2015

HOJE É CARNAVAL




Estamos em pleno Reinado de Momo e quer se queira ou não, é praticamente impossível passar ao largo disso.
Ninguém discorda que apresentamos mudanças ao longo dos anos.  Mudanças que ocorrem não somente no físico e no comportamento, mas também em nossas escolhas e preferências. E no meu caso, aqui se encaixa o carnaval.
A folia de hoje já não me atrai mais. Em alguma esquina da vida, deixei de gostar desta festa.
Na infância era impossível dissociar carnaval de meu avô paterno, Adolfo. 
De imediato vem a lembrança dos pacotes de confetes e rolos de serpentina que comprava para os netos.  Também era ele quem nos levava nas matinês do Grupo Ginástico Rio-Clarense, clube que ele frequentava há muitos anos.
Entretanto, o presente que mais esperávamos, eram aqueles tubos metálicos dourados - os famosos lança-perfumes.  Estes tubos traziam um tipo de gatilho com borrachinha vermelha, que ao ser pressionado, soltava o líquido geladinho e perfumado.
Era mesmo uma delícia brincar com eles!
O mau uso do lança-perfume acabou por acarretar sua proibição.
Uma pena!
Havia também o que chamávamos de laranjinhas ou bisnagas, que cheias de água, eram usadas para refrescar os foliões espirrando jatos d'água sobre eles.  A criançada fazia guerrinhas com estas bisnagas.
Como sempre, houve quem distorcesse o uso destes brinquedos e surgiu então o chamado sangue de diabo. Era água com tinta vermelha que manchava as roupas das pessoas.
Além das matinês nos clubes, havia também os desfiles de rua.
Nestas ocasiões minha mãe costurava sacolinhas de filó fechadas com cadarços, para levarmos confetes e serpentinas no chamado corso carnavalesco.
Eu particularmente não gostava de escolas de samba, mas me encantava com os carros alegóricos dos clubes da cidade.
Com suas luzes multicoloridas, suas bandas, suas princesas e suas rainhas, alegravam a todos e arrancavam aplausos ao longo de todo o trajeto pelas ruas centrais da cidade.
Nossa alegria chegava ao máximo quando acontecia de algum componente do carro alegórico, nos jogar rolos de serpentinas.
As músicas alegres e divertidas, ainda lembradas até hoje, eram as marchinhas de carnaval.
Anos mais tarde, já na juventude, os bailes nos salões eram esperados com ansiedade o ano todo.
"Tanto riso, oh, quanta alegria..."  *
Quem de nós não tem boas lembranças dos carnavais da juventude?
Como é imperativo à vida, vieram as mudanças nesta festa e em nós mesmos. Elas foram acontecendo ano após ano e cada vez mais aceleradas.
Nos salões, as antigas marchinhas deram lugar a diferentes ritmos, acompanhando a preferência dos jovens de hoje.
O carnaval de rua, simples e para o povo, sofisticou-se a tal ponto que hoje se constitui num verdadeiro espetáculo.
Não há como discordar da beleza e da riqueza dos desfiles na avenida das grandes cidades. Entretanto, tudo isso tem um custo que boa parte da população não pode assumir.
Felizmente restam os animados blocos que são organizados por entidades, por bairros , ou por amigos, e ainda conseguem dar voz e vez a todos, mantendo o carnaval realmente como a festa do povo.
Atualmente esta festa não me atrai mais, mas as marchinhas...ah...dessas não me esqueço jamais!
Bom carnaval ou....bom descanso!


Santos, 15 de fevereiro de 2015 

* Música : Máscara Negra
   Composição: Zé Kéti e Pereira Mattos
   Gravação:  Dalva de Oliveira
 Marcha de carnaval de 1966




Música: Tomara que Chova (atualíssima).
Composição: Paquito e Romeu Gentil
Gravação: Emilinha Borba - 1950.
Vídeo mostra cena do filme Aviso aos Navegantes (1950) com Oscarito e Grande Otelo.