sábado, 19 de novembro de 2022

NÃO COMI E NÃO GOSTEI




Os hábitos alimentares têm sofrido significativas mudanças ao longo do tempo.

Graças às pesquisas, aos estudos detalhados, à tecnologia, constatou-se os malefícios causados pela ingestão de determinados comestíveis como alimentos gordurosos, açúcares, sódio em excesso, etc.

Outro fator que interfere diretamente em tais hábitos é sem dúvida nenhuma o paladar de cada um de nós.

A despeito de saber da importância de certos comestíveis para nossa saúde, mantenho dentro das possibilidades, costumes alimentares bem simples. Meu paladar não é nada sofisticado e nem me preocupo com isso.

Particularmente confesso sem nenhuma crise existencial que pertenço ao grupo dos: Não comi e não gostei.

Se o visual do prato não me agrada, opto por nem experimentar.

Ainda na infância minha mãe tentou em vão me fazer gostar de certas comidas e até forçou a ingestão delas.  Ainda bem que neste ponto sempre tive apoio do meu pai que também não era dado a comidas muito diferentes.

Citando minha mãe me vem à mente o caso dos quiabos.

Aproveitando a ausência de meu pai ela tentou nos forçar (a mim e a meu irmão) a comermos quiabos cozidos.

Colocou uma boa quantidade em nossos pratos e voltou para a cozinha dizendo ameaçadoramente que quando voltasse queria ver os tais pratos vazios.

Entre a copa onde estávamos e a cozinha havia uma grossa cortina que a impedia de nos ver.  

A mesa ficava encostada na parede onde se abria uma grande janela que dava para o corredor lateral da casa.

Nem precisamos combinar nada, só uma troca de olhares e decidimos como nos livrar do problema. Em instantes subimos nas cadeiras e jogamos todos os quiabos pela janela.

Ato contínuo minha mãe retornou à copa e ficou contente em ver os pratos vazios, nos liberando para sairmos.

Era só o que queríamos fazer, ou melhor, precisávamos urgentemente fazer, pois todos os quiabos jaziam no chão do corredor. Corremos para lá pela porta de acesso da sala e assim evitarmos a cozinha.

Separando nosso corredor do prédio vizinho havia um muro não muito alto e lá funcionava uma gráfica. Como ela estivesse fechada naquele dia nem pensamos duas vezes: fizemos a festa dos quiabos voadores que passaram todos por cima do muro.

Jamais minha mãe veio a saber disso.

Não sei meu irmão, mas eu não como quiabos até hoje. Sei que os costumes alimentares dele não divergem muito dos meus.

Mais recentemente numa viagem ao nordeste com amigas, enquanto elas se deliciavam com caldeiradas, frutos do mar, peixes, casquinhas de siris, etc., eu me alimentava de frangos.  Ao final da viagem fiquei seriamente preocupada que começassem a nascer penas em mim de tanto frango que comi.

Não me esqueço de um almoço super elegante onde para o grande espanto dos amigos que comigo estavam, rejeitei o oferecimento de um garçom.  Era caviar. Eu não estava a fim de comer ovas de peixe.

Resultado: fui intimada pelos amigos e pegar tudo que fosse oferecido e caso não gostasse, que repassasse a eles depois. Assim foi feito em meio a muitas risadas.

Agora quando o cardápio é massa, aí não renego nada, nem a descendência italiana.

Uma mudança recente aconteceu: passei a comer peixes.

Então neste caso posso dizer que provei e gostei.....eita!

 

Santos, 19 de novembro de 2022

 

Para Rita pela inspiração ao tema comendo frutos do mar e para Luiz que me animou a comer peixes.

 

segunda-feira, 7 de novembro de 2022

A TEIA DA VIDA

 

                    

Neste momento recordando Nelson Rodrigues, penso na “vida como ela é”.  Reflito em seus momentos de puro deleite, de explosões, de seus pontos altos e baixos. 

A imagem que me vem à mente é de uma bem elaborada teia de aranha.

A cada volta desta teia-vida vamos nos desvencilhando dos fios formados pelas desilusões, decepções e sonhos desfeitos.

Com dificuldades e certos bloqueios nem sempre saudáveis, vamos caminhando na teia, de fio em fio, até nos enroscarmos na próxima barreira que se apresentar no caminho.

A cada obstáculo superado, a cada vitória obtida, um novo alento vem povoar nossa alma que por sua vez, imediatamente, estimula a mente a não desistir, a seguir em frente em busca da plena satisfação.

Assim, de círculo em círculo da teia-vida, vamos buscando chegar ao centro de nossos desejos e finalmente sentir a sensação de missão cumprida.

Entretanto, assim como na rede real artisticamente elaborada pela aranha, temos que ficar atentos pois a hábil construtora pode estar à espreita de uma presa.  A atenção e dedicação devem estar sempre presentes até o final de nosso percurso, aliadas às motivações e atitudes positivas conosco e com terceiros.

Outro fator importante é a persistência que será avaliada pelas barreiras que superarmos.

Podemos perder oportunidades, mas jamais desistir dos sonhos.

Dê sempre o melhor de si. Acredite no seu potencial. Só saberemos se algo dará certo, se ao menos tentarmos realizá-lo.

Essa é nossa teia da “vida como ela é”! *

Santos, 07 de novembro de 2022

 

“A Vida Como Ela É – série de contos de Nelson Rodrigues.

 

Nota: Para Erika pelo Livro de Recortes.


quinta-feira, 27 de outubro de 2022

A TURMA DA RUA 2




Passeando recentemente pelas calçadas que tantas e tantas vezes andei da infância à fase adulta, fui olhando para as casas do quarteirão, uma a uma, recordando como eram as arquiteturas nos anos 60, relembrando as famílias e mentalmente citando seus nomes um por um. Lembro de todos principalmente das crianças.

Dos moradores de minha época não há mais nenhum ocupando sua antiga casa.  Na verdade, há ainda uma pessoa que não chegou a compartilhar dos folguedos de minha turma, mas brincou com minha irmã caçula. Juliana permanece como representante da Rua 2.

Neste intervalo de quase 6 décadas houve uma mudança incrível no quarteirão e  praticamente nada lembra o cenário de minha infância.

Eram casas simples, outras um pouco mais elaboradas, mas sempre abrigando pessoas que valorizavam a amizade acima de tudo.

Não há como esquecer a residência do pianista Eugênio Benetti. Além do som belíssimo que se fazia ouvir, a família costumava colocar sobre as muretas na frente da casa, lindas e coloridas araras que lá ficavam enfeitando e encantando os olhos da meninada. Nunca cheguei a ver, mas os adultos contavam que Geninho fazia suas serenatas à noite colocando o piano sobre a carroceria de um caminhão e percorrendo as ruas da cidade. Imagino a emoção de quem recebia tais serenatas.

Asfalto ainda não havia chegado e era sobre o calçamento de paralelepípedos que a criançada toda noite se reunia para as brincadeiras de rua.  Eram muitas.

Lembro que quando íamos brincar do que chamávamos de Pai da Latinha (uma variedade de pega pega), colocávamos uma lata bem no cruzamento da rua 2 com a avenida 8 e o dono da lata contava até 10 enquanto a molecada se espalhava pelo pedaço. Ele tinha que alcançar alguém sem deixar que ninguém viesse tocar na dita cuja lata. Se ao menos relasse em alguma criança ambas trocariam de função e ele ficaria livre de tomar conta da latinha.

Só de pensar no local já se conclui o pouco trânsito que havia neste pedaço.

Ainda neste mesmo cruzamento sobre o bueiro que ainda deve estar lá, meu pai acendia fogos de artifício na época das festas juninas.  Colocava o que se chamava vulcão e era lindo ver aquela explosão de cores e luzes subindo bem alto.

Futebol era meio constante. As portas de aço das casas comerciais serviam como gol.

Entretanto o que mais me recordo eram as turmas.

Nós nos identificávamos como a Turma da Rua 2 e outros meninos moradores na rua de baixo, entre as mesmas avenidas (8 e 10), se intitulavam Turma da Rua 3. Como era de se esperar havia rivalidade entre ambas.

Para quem morava na 3, passar pela rua 2 a qualquer hora do dia significava provocação.  O mesmo ocorria quando alguém da 2 ousasse passar pela rua 3.

Lembro-me que toda vez que tinha que ir na antiga Padaria Gaib (esquina da rua 3 com avenida10) eu ia e voltava usando apenas a rua 2 e avenida 10 como percurso. 

De vez em quando uma guerrinha surgia entre as turmas. O campo de batalha era a avenida 8 entre as duas ruas.  Para estas ocasiões fazíamos estoque de munição: tampinhas de refrigerantes amassadas ao meio. Elas eram lançadas com estilingues.

Apesar de serem somente tampinhas doía bastante quando éramos alvejados.

Muitos anos depois em uma consulta com um dermatologista em Rio Claro, ele reconheceu-me. Lembrou-se da infância e em particular das Turmas das Ruas 2 e 3. Éramos inimigos naqueles tempos.

Por um bom período fui a única menina do pedaço já que minha irmã nasceu anos depois. Não tive muita escolha: era entrar nas brincadeiras dos meninos ou ficar de fora olhando. Confesso que morria de medo do carrinho de rolimã (Geórgeres andava como se fosse piloto de Fórmula 1) e também não gostava de ficar no gol pois tinha medo das boladas.

Flávio era o expert em empinar papagaios. Sempre os colocava nas alturas para orgulho do pai Euclides (proprietário da loja Bazar da China).

Até um ringue de luta de box como manda o figurino foi montado certa vez na casa do Beto (Casa da Borracha). Meu primo Francisco foi escolhido para massagista e adaptou uma malinha infantil de viagem com esparadrapos e que tais.  Colou até uma cruz branca na tampa da mala. Lembro que a disputa mais esperada foi Beto x Luiz Ângelo (Cerri). Não me lembro quem ganhou, mas isso nem nos importava. O que valia era a festa que fazíamos nas brincadeiras.

A maior parte dos prédios abriga atualmente casas comerciais. A região central da cidade se expandiu e atingiu nosso reduto infantil.   Novos tempos.

Não se vê mais a criançada em turmas brincando nas calçadas e ruas.  Na cidade como em todas as outras os vizinhos mal se conhecem e se cumprimentam.

São as consequências do mundo moderno que nos trouxe tantos benefícios nas áreas da saúde, tecnologia, educação, etc, mas em contrapartida, abafou de vez a alegria dos gritos infantis que se ouviam nas ruas e esquinas de minha infância.

 

Santos, 27 de outubro de 2022

OBS.: Aos amigos desta época que nos deixou grandes e belas lembranças.


 

quarta-feira, 26 de outubro de 2022

ETIQUETA x ESPONTANEIDADE

 


Etiqueta e finesse há tempos estão cada vez mais esquecidas e em plena decadência. As gerações mais novas pouca ou nenhuma importância dão às normas de conduta com finura de maneiras e protocolos de um modo geral.

Já se foi o tempo em que era uma exigência em muitas famílias, principalmente nas consideradas nobres e elegantes sentar-se à mesa e portar-se com cerimônia sabendo como usar corretamente todos os talheres, como se servir e como manter uma conversa adequada durante uma refeição.

A vida corrida dos tempos atuais quando boa parte das pessoas almoça em horários distintos e até fora de casa, sem oportunidade de reunir a família, aliada à praticidade do mundo moderno, acabou por abolir muitas destas etiquetas.

A despeito disso há ainda sem sombra de dúvidas, maneiras de se portar e se comunicar com as pessoas de forma delicada e elegante, sem beirar ao exagero.

Porém há situações nas quais a espontaneidade da pessoa acaba desencadeando conversas que se tornam hilárias e desprovidas de qualquer finesse.

Foi o que ocorreu recentemente.

Preocupado em avisar a tempo todos os envolvidos sobre a falta de água que ocorreria em minutos no edifício, o responsável pelos recados acabou provocando risos pela maneira apressada e meio atabalhoada de se expressar.

De maneira nenhuma foi falta de educação ou respeito. 

Ao contrário, a pressa, a preocupação e a maneira instintiva e sincera de divulgar o aviso, acarretou em frase hilária, mas perfeitamente entendida pelos ouvintes.

- Senhora, a água vai parar daqui a pouco.  Se tiver que ir ao banheiro, vá já!

Impossível não achar divertido receber tal aviso de maneira tão simplista e que a despeito da importância dele provocou muito riso.

O jeito foi mesmo seguir as instruções e ir ao banheiro, armazenando na sequência dois baldes de água prevendo demora no retorno do precioso líquido.

Pensando mais sobre a frase conclui que ela poderia ter sido mais explícita ainda.

Ainda bem que não chegou a este ponto......kkkkkk

 

Santos, 26 de outubro de 2022


sexta-feira, 9 de setembro de 2022

NOSSAS MEMÓRIAS AFETIVAS

 

                                                                    Óleo sobre tela - Sandra de Pinho


Como é difícil, eu diria até quase impossível, não fazermos comparações entre os tempos atuais e os que vivemos há algumas décadas durante a infância, juventude e início da fase adulta.

Com certeza as mudanças em todos os sentidos sempre ocorreram e sempre ocorrerão; elas são necessárias para não ficarmos estagnados na mesmice.

A despeito de entender perfeitamente isso, confesso que tenho dificuldades em assimilar e simpatizar por exemplo com as músicas tipo funk, trap, rap, sertanejo pop, sertanejo universitário, etc.

O mesmo fato se dá com relação a outras manifestações artísticas como teatro na atualidade (algumas stand-up são lamentáveis) bem como certas pinturas abstratas demais para meu gosto.

Interessante que gosto e curto telas tipo expressionismo abstrato, cubismo e expressões geométricas como as telas de Mondrian. Ressalto aqui inclusive o trabalho muito bonito de uma amiga que foge das telas acadêmicas e consegue colocar em seus trabalhos sua expressividade maior através do jogo de cores e formas. (Sandra de Pinho*).

Foi lendo recentemente um texto de Leandro Karnal** que entendi um pouco esta resistência de minha parte, às mudanças bruscas deste século XXI.

Neste artigo que denominou ESSA EU CONHEÇO, ele cita Proust e recorda que nossas preferências dialogam com nossas memórias afetivas.

Ou seja, um cheiro de um alimento que adorávamos na infância, ao ser sentido, nos remete diretamente a esta fase da vida e a momentos alegres.

Com as artes também ocorrem fatos similares.  É comum ouvirmos (eu mesma falo) que as músicas de meu tempo eram muito mais bonitas que as atuais.  Com toda certeza as que mais aprecio são as que fizeram fundo musical em minha infância, adolescência e juventude. Isto também acontece por conta da memória afetiva de momentos significativos.

Faço, entretanto, uma ressalva sem querer idealizar o passado: não sou musicista e” malemal” brinco no teclado, mas em minha opinião, a poesia e o lirismo que havia nas letras e melodias das músicas “do meu tempo e dos tempos que me antecederam” eram mais elaboradas, mais criativas e envolventes.

Realmente os tempos são outros, o mundo mudou e o jovem tem sua própria identidade que manifesta da maneira como aprecia, como sente a vida, e não como a sentíamos há algumas décadas. Cada um em seu tempo.

Concluo pensamentos com a frase usada por Karnal ao final de seu texto:

“Fico à toa na vida, olhando a banda passar, pensando naquilo que era bom...Esperança para o futuro e alguma melancolia para hoje”. 

 

Santos, 09 de setembro de 2022

 

* Sandra de Pinho - Exposição TODAS AS CORES, em Galeria de Artes Braz Cubas, Centro de Cultura Patrícia Galvão - Santos - 2017. 



**Leandro Karnal – Crônica ESSA EU CONHEÇO, publicada no jornal O Estado de São  Paulo -31 de agosto de 2022.

sábado, 18 de junho de 2022

Nós e os lusos

 


          Nada mais curioso e divertido do que vivenciar ou mesmo ouvir as histórias de gafes na comunicação entre brasileiros e os descendentes de nossos colonizadores.

          Nestes últimos tempos nos quais constatamos um número cada vez mais crescente de migrantes partindo de nossa terra com destino a Portugal, os choques principalmente no vernáculo são constantes a despeito da língua pátria ser a mesma.

          Na verdade todos sabemos que o idioma português não permaneceu em sua antiga colônia de maneira pura e simples. Em terra tupiniquim ele foi recebendo ao longo dos anos uma conotação abrasileirada.

          Diante disso há expressões e costumes com significados totalmente diversos nos dois países.

          Aí as gafes são inevitáveis e as gargalhadas também, principalmente por parte dos brasileiros já que os lusos são bem mais contidos.

          Foi uma dessas situações presenciadas em uma doceria de Lisboa.

          Após o cordial atendimento por parte da funcionária, alguém resolveu agradecer com mais ênfase e dirigindo-se a ela soltou em alto e bom som para todos ouvirem:

- “Obrigado moça!”

          Na hora viu-se o semblante dela fechar-se numa carranca e num tom ríspido ela devolveu:

-“ Não sou moça, sou rapariga. Aqui moça é mulher que não presta”.

          O espanto foi geral entre os brasileiros.

          Outra dificuldade foi comprar um simples lubrificante para maçanetas. A orientação dada foi para se dirigir a uma drogaria. E lá foi ele todo pimpão seguindo as dicas do caminho. Topou com uma farmácia e na hora concluiu que tinha chegado ao local indicado.

          Para seu espanto havia nas prateleiras apenas e tão somente remédios.

          Aparvalhado (expressão rotineira em seu rosto ultimamente), perguntou ao atendente que o orientou a ir numa drogaria.

          Já se preparando para pagar um micão, timidamente e até com certo receio, perguntou:

-“ Uai! Aqui não é uma drogaria?”

-“ Não! Em Portugal farmácia vende remédios e drogaria vende materiais básicos para ferragens, gás, rede elétrica, etc.”

          Lá saiu ele em busca de uma drogaria novamente!

          É notório que os lusos levam as frases citadas ao pé da letra.

          Vai daí que novamente a “parvice” entra em ação.

          Ao ser solicitado o número de seu documento, lampeiro e querendo facilitar, soltou:

-“ 5, 8, 9 e meia dúzia “.

          Na hora a rapariga parou de digitar. Ele pensou: Pronto! Já fiz alguma burrada!

          A jovem com certa carga de ironia lascou a pergunta:

-“ Meia dúzia de quê?”

          Ele não segurou a gostosa gargalhada, fazendo a atendente zombeteira rir junto.

          Outro ponto de confusão foi com a letra K.   Soletrando uma palavra preocupado em oralizá-la corretamente, foi logo ditando:

-“ B- A - F - K”.

          Foi o que bastou!

          A jovem parou de digitar e olhou seriamente para ele. Seguiu-se o curioso diálogo:

-“ Depois do F vem o C e o A?”

-“ Não!!!! Depois do F vem o K”, ele respondeu.

-“ Então, isso é o C mais o A”!!!!

-“ Não é não! É o K sozinho!!!”

          Já um tanto irritada a rapariga afirmou:

-“ Essa letra não existe!”.

          O olhar embasbacado estava estampado em seu rosto! Já pensando em invocar Fernando Pessoa e todos seus heterônimos, ou até Camões se preciso fosse, ele se indignou:

-“ COMO ASSIM???”

          E ato contínuo pegou o documento e indicou a letra para a jovem. E ela:

-“ Ah!! Essa letra se chama capa”.

-“ Capa?????”

-“ Sim! Portanto depois do F vem o capa!”

          E assim de gafe em gafe ele vai aprendendo os costumes lusos, aprendizado este sempre acompanhado de uma bela gargalhada ao final, ao menos da parte dele!!!


Santos, 18 de junho de 2022.

Para Edo pelas dicas, pela colaboração e por estar sempre fornecendo motivos para boas e saudáveis risadas!

Nota: O K vem do grego Kappa, portanto capa!

quinta-feira, 28 de abril de 2022

EDWARD x VAN GOGH

 



A preguiça é um dos pecados capitais e graças a ela há a procrastinação,  a apatia e até o desmazelo.

Quem de nós já não curtiu momentos de uma gostosa e pura preguiça que ocorre vez ou outra? É uma delícia deixar o corpo relaxado e a mente livre de preocupações, deixando passar por ela somente situações leves de puro relaxamento.

Com ele não é diferente, ainda mais quando alguma atitude a ser tomada diga respeito à elegância no trajar ou alguma mudança em seu visual. Aí então a procrastinação é certa, a despeito das cobranças  familiares. 

Diante da aproximação de uma viagem para rever familiares e amigos após anos ausente, acabou cedendo aos pedidos para dar o que chamamos de "um tapa no visual".

Seus cabelos rebeldes e num comprimento um pouco exagerado davam-lhe um aspecto de relaxo e total descuido. 

Em função disso resolveu atender aos apelos da família e concordou ao menos em aparar um pouco suas melenas, desde que tal fato se fizesse em casa mesmo, sem ter que recorrer a algum salão para isso.

Resignado ele pegou o pente para colocar no aparelho cortador de cabelos. Por conta de uma distração qualquer, ou por força da idade que o classifica como idoso, acabou pegando o tal pente específico para cortar barbas.

Para quem desconhece tais objetos, o pente para barba realmente quase rapa enquanto o pente para cabelos apenas apara.

Tudo acertado ele calmamente sentou-se imóvel enquanto a esposa providenciava os equipamentos necessários como toalha, pente e ... uma tesoura bem afiada.

Foi quando o espírito de Edward Mãos de Tesoura baixou de vez.

A primeira cortada que foi literalmente da nuca para o cocoruto já causou um belo estrago visto que quase rapou o couro cabeludo. 

Somente neste momento foi observada a troca do tipo de pente colocado no aparelho cortante, mas àquelas alturas Edward já estava muito empolgado e continuou seu trabalho com a tesoura: molha aqui, penteia ali e as tesouradas seguiram derrubando os cabelos sobre a toalha.

A princípio tudo caminhava como manda o figurino até que, e sempre há um senão, ouviu-se um berro que fez Edward dar um pulo para trás.

Num descuido a ponta da tesoura avançou além do necessário e atingiu a parte superior da orelha. O gemido foi alto provocando momentaneamente a suspensão da tal poda para que um curativo fosse feito já que sangrava bastante.

Foi quando ele ao olhar no espelho sentiu-se o próprio Van Gogh de terras lusitanas

Atrás de si Edward ainda brandia assustadoramente a tesoura.

Curativo feito e mais resignado ainda, submeteu-se novamente ao instrumento cortante pois do jeito que estava, metade rapado e metade cabeludo, não daria mesmo para deixar. 

Como ele gosta de viver perigosamente, continuou firme e forte sentadinho na cadeira enquanto ouvia o téc téc da tesoura livrando-o das madeixas.

Conformado pensou consigo que se não ficasse com uma aparência mais bonita, ao menos poderia ser comparado ao famoso pintor e sua orelha decepada.

Edward Mãos de Tesoura não ouviu, mas ele orava em silêncio pedindo clemência para a outra orelha que lhe restava intacta ainda!

 

Santos, 28 de abril de 2022

Para a dupla que me faz rir mesmo estando há mais de 8000 Km de distância.

quarta-feira, 6 de abril de 2022

Espírito DA luz

                                        

 

Madrugada corria solta e o silêncio e escuridão imperavam naquele quarto.

Seu sono sempre muito leve foi despertado por uma sensação estranha de repentina luminosidade no ambiente.

Mudou sua posição na cama para melhor se ajeitar. Foi quando percebeu mesmo com as pálpebras ainda cerradas, uma claridade bem perto de si.

Ainda sem entender, sonolento, abriu vagarosamente os olhos e o que viu lhe causou um grande espanto fazendo-o recuar instantaneamente na cama.

De dentro do armário com a porta semi cerrada, saia um raio forte de luz que iluminava parcialmente o quarto.  Piscou várias vezes tentando compreender o que estava vendo.

Ao constatar aquela fonte de luz saindo pela fresta da porta, um calafrio lhe desceu pela espinha e num átimo saltou da cama pelo lado oposto ao do armário. 

O que se passava? 

Seria um sonho? Seria um pesadelo? Seria algum espírito que se instalara dentro de seu guarda-roupas?

Ainda atordoado ficou pensando em como desvendar o mistério sem se aproximar muito, já que desconhecia a causa daquilo.

Olhou à sua volta e viu seu chinelo sobre o tapete. Resolveu usá-lo como arma e num gesto rápido lançou-o com força contra a porta do armário.

Nada aconteceu. A luz continuou firme e forte a brilhar lá dentro.

Contornou a cama muito ressabiado pensando em sair do quarto e se afastar, pois talvez algum espírito estivesse no ambiente.

Seria algum espírito brincalhão? Melhor levar todas as hipóteses em consideração pois de repente era algum mal que ali se instalara.

Como ainda faltavam horas para o dia clarear, chegou à conclusão que o melhor a fazer era desvendar de vez tudo aquilo.

Munido de toda a coragem que conseguiu reunir aproximou-se pé ante pé do armário segurando na mão o outro pé de chinelo, única defesa que tinha no momento.

Prendendo a respiração e mantendo o corpo o mais distante possível do armário, com sua "arma" improvisada, deu um grande safanão na porta que estava meio aberta e no mesmo instante deu um salto para trás buscando se proteger mais ainda.

Foi quando tudo se esclareceu. A porta do guarda-roupa se abriu de vez.

Tranquilamente sobre as peças de roupas dobradas na prateleira, viu sua lanterna acesa iluminando todo o interior do armário.

Lembrou-se então de tê-la guardado ali antes de deitar. Por uma falha qualquer o botão de liga e desliga ficou mal posicionado e no meio da noite resolveu optar por ligar a peça.

Apesar do coração ainda acelerado respirou fundo e deu graças por estar livre de qualquer mau espírito no ambiente.

Voltou a deitar-se agora no quarto já novamente escuro, conseguindo conciliar o sono, mas não sem alguma dificuldade, afinal havia acabado de vivenciar uma experiência inédita.

Não é qualquer um que sai por aí espantando um espírito a chineladas!!!!

Santos, 06 de abril de 2022


terça-feira, 1 de março de 2022

INFINITAMENTE AZUIS


 Neste carnaval de 2022 as festas populares estão suspensas, mas a natureza encarregou-se de nos oferecer um espetáculo diário que invade nossos olhos sem pedir licença.

Impossível não se encantar diante da beleza natural que estes dias têm nos proporcionado.

Da aurora ao poente um desfile de cores passeia pelo céu e se reflete nas águas do mar onde parecem criar vida a cada onda que se forma.

Não há como deixar isso passar incólume. Mesmo os desapaixonados, totalmente imunes e alheios à sensibilidade, param alguns momentos para admirar esta festa.

A aquarela que o sol esparrama pelo firmamento ao nascer, vai aos poucos sendo substituída pela cor azul que passa a dominar céu e mar. Quase não conseguimos delinear onde termina um e começa o outro.

De certa forma sou suspeita, aliás muito suspeita, para falar do azul já que esta é minha cor preferida. Entretanto a beleza destes dias extraordinários encanta a todos.

Só a visão de céu e mar nos bastaria, mas a natureza é caprichosa e como uma espécie de moldura bilateral vemos os diferentes tons de verde do jardim e dos morros próximos, auxiliados pelo colorido dos guarda-sóis na areia, dando o toque final a esta tela incrível!

Chegada a hora do crepúsculo e novo espetáculo o sol nos reserva. Como se uma paleta de tintas fosse esparramada, nos deparamos com o céu multicolorido se refletindo nas águas trêmulas do mar.

Tenho presenciado estas cenas há dias e a cada vez meu encantamento aumenta.

Os poetas com o dom de brincarem com as palavras, mais do que ninguém sabem expressar o êxtase que nos causam estes dias tão azuis.

Como bem escreveu Mário Quintana:

“Naquele dia fazia um azul tão límpido, meu Deus, que eu me sentia perdoado para sempre.

Nem sei de quê”.


Santos, 01 de março de 2022 - terça-feira de carnaval.