Não há a menor dúvida no
tocante às diferenças existentes nas maneiras como os pais educavam seus filhos
no século passado e como o fazem atualmente.
Isto é perfeitamente
compreensível, saudável e esperado visto que o mundo está em constantes
mudanças influenciando a tudo e a todos, incluindo claro, o aspecto
comportamental.
Não precisamos retroceder
muitos anos para observarmos tudo isso; basta compararmos nossa infância à
infância vivida por nossos avós e até mesmo pais.
Independente da época, a
educação, o respeito e as atitudes de um modo geral, sempre devem nortear a
preocupação dos pais no preparo de seus filhos para um futuro digno e honesto.
São virtudes que jamais ficarão obsoletas.
Uma das mudanças mais
evidente é com certeza o fato de que as crianças e mesmo adolescentes, deixaram
de ser considerados seres sem direitos à voz e à opinião.
No passado era muito comum
e perfeitamente normal as crianças serem proibidas de participarem de um grupo
de adultos conversando. Eram mandadas
para o quarto ou então para brincarem em outro lugar.
Com o progresso acentuado
e acelerado vieram as preocupações com a segurança e a partir daí as crianças
começaram a permanecer mais tempo dentro de casa e as brincadeiras de rua tão
gostosas foram morrendo aos poucos.
Criança é e sempre foi
muito viva e esperta. Embora nós adultos às vezes as subestimemos, suas
cabecinhas trabalham e captam toda e qualquer mensagem ao seu redor.
Diante disso foi inevitável
que os pequenos começassem a fazer valer sua voz e vez no mundo adulto. Aplaudo isso mas sem descartar em nenhum
momento as virtudes acima citadas: respeito e educação.
Lá pelos meados dos anos
1950 estávamos vivendo o início dessa transição mas com fronteiras ainda bem
fechadas entre adultos e seus filhos em muitas famílias.
Tomando-me como exemplo
tenho claro na memória o dia a dia que observava na casa de algumas amigas
cujos pais eram mais liberais e mentalmente fazia comparações com meu próprio cotidiano. A despeito da atenção e cuidados que sempre
existiram, nossas opiniões pouco ou nada valiam na infância.
Na época essa comparação
mexia muito comigo mas hoje compreendo perfeitamente pois os pais repetiam nos
filhos, a severidade com que foram educados.
Todo este preâmbulo se
justifica para o relato que faço a seguir.
Desde pequenos recebemos
responsabilidades quer na casa comercial que meus pais mantinham, quer em casa
nos afazeres domésticos. Claro que eram
serviços adequados às crianças mas a obrigatoriedade era exigida sempre.
Enquanto meu pai sempre se
controlou e nunca gritou e nem levantou as mãos para os filhos (é bem verdade
que ele mal conversava com as crianças), minha mãe sempre assoberbada com
tarefas domésticas e com o trabalho também na papelaria da família, tinha seus
momentos de nervoso e explosão instantânea principalmente quando fazia as tais
dietas alimentares buscando perder peso.
As crianças já conheciam
quando ela estava nestes momentos (que é bom esclarecer, não eram frequentes), e até os associavam ao picles que ela fazia e
comia muito nestas ocasiões, além de um vestido bonito, de tons cor de bispo
com traços pretos que coincidentemente sempre usava quando estava irritada com
algo.
Nestas ocasiões sabíamos
que todo cuidado era pouco pois a explosão por qualquer resposta atravessada ou serviço deixado de
cumprir, resultava num susto grande e correria.
E foi assim que num dia
após o almoço domingueiro quando cada filho estava desempenhando sua tarefa na
cozinha (enquanto ela lavava a louça, uma secava, outra guardava e ele arrumava
a mesa), que o garoto deve ter dito ou feito algo que a desagradou
terrivelmente. Não me recordo mais qual
foi a falha mas acredito que deva ter sido grande pois a reação dela foi instantânea.
Da cozinha onde estava
lançou o garfo grande de frituras na direção do menino que estava há uns 8
metros dela. O dito cujo garfo voador
foi direto na direção do rosto. A grande
sorte foi que o reflexo dele estava em dia e no mesmo instante em que se abaixou
a peça colidiu com a porta da geladeira descascando a pintura no local da
batida.
Gritos das meninas ao
verem aquela peça cortando os ares em busca de uma vítima.
Por alguns segundos o
susto paralisou a todos inclusive à mãe, menos ao garoto que neste meio tempo
"pernas para que te quero" e
voou sumindo da vista por várias horas.
Claro que o arrependimento
bateu em seguida e ela agradeceu o insucesso do garfo voador, mas a lembrança
do fato está bem nítida em minha memória e na memória dele com certeza.
Aliás é impossível
esquecer o fato pois o garfo ainda me acompanha e está devidamente guardado na gaveta de
talheres de minha cozinha, trazendo seus dentinhos tortos como uma constante
lembrança do dia em que voou mesmo sem ter asas e sem ter brevê.
Santos, 31 de março de 2021
Ao Edo e seu bom reflexo e
ao garfo também, que afinal resistiu ao tempo e ainda presta serviços, mas sem
voar......rssss