domingo, 28 de julho de 2013

CADÊ O BICHO?



O telefone toca e uma voz amiga solicita um favor.
A partir daí se desenvolve um fato que me faz rir ainda hoje.
- Oi, você pode vir em casa matar uma barata para mim?
- Posso ir sim, mas não moramos tão perto assim e até eu chegar à sua casa, a barata já fugiu.
- Não foge não. Ela está presa num parafuso da parede.
- COMO ASSIM???
- Ela está presa no parafuso que segura a prateleira colocada antes de eu mudar para cá.
- Nossa! Isso já faz meses!
- Pois é, ela está presa nesse parafuso há uns 5 meses.
- Mas então ela está morta!
- Não, não está.  Parece que às vezes as anteninhas dela se mexem.
Diante dessa afirmativa municiei-me de toda a coragem que tenho (que nesta situação específica, é diretamente proporcional ao meu tamanho) e me dirigi ao campo de batalha para ver o que realmente estava ocorrendo.
Ela prontamente me mostrou o local do calvário da bichinha. 
Ao chegar mais perto não contive a risada.
A tal barata heroica que sobrevivera meses com abdome perfurado, na verdade era um pedaço de reboco da parede que havia soltado quando um parafuso fora lá colocado.  A única coisa que poderia lembrar uma barata era o formato da cabeça, mas só e apenas isso.
Expliquei-lhe rindo do que se tratava, mas diante de minha reação ela colocou os óculos e chegando mais perto reafirmou que era sim o bichinho pois tinha até duas antenas.
Aproximei-me novamente para ver as tais antenas e aí sim, ri tanto que cheguei às lágrimas.
A pessoa que fixou a prateleira fez um risco a lápis na parede para marcar a altura a ser colocada.  Acontece que a madeira não ficou bem na horizontal, mas sim com uns poucos milímetros fora da marca, justamente nas laterais direita e esquerda do reboco descascado.
Portanto, o que ela chamava de antenas, eram dois pequenos riscos horizontais feitos com grafite na parede.  Com certeza, impressionada, minha amiga olhava de longe e via até movimentos nas ditas antenas.
Tive dificuldades em explicar-lhe o acontecido pois  não conseguia parar de rir, enquanto ela, ainda preocupada com o inseto e sem saber o motivo de minha crise de riso, já gargalhava também contagiada por mim.
O jeito foi pegar sua mão e fazê-la tocar no local para que constatasse que nada havia lá além de buraco e riscos feitos a lápis.
Finalmente foi desfeita toda e qualquer dúvida sobre a existência do obstinado inseto e o velório foi cancelado por absoluta falta de defunto.
                 Com o problema resolvido tomamos um gostoso cafezinho com direito a um brinde por minha imensa bravura – matar o buraco na parede!

Santos, 26 de julho de 2013 

Para Vivian (in memoriam), recordando uma tarde em que choramos de tanto rir. Como nos faz bem chorar de alegria!

terça-feira, 23 de julho de 2013

BRINCADEIRAS DE RUA



Vozes infantis ecoam nos corredores do prédio. Férias chegam quase a ser sinônimo de crianças brincando.
Mesmo no inverno quando nem sempre o tempo permite idas à praia, elas circulam pelos andares, brincam nos corredores e para irritação de alguns, entram nos elevadores e ficam subindo e descendo sem parar, até que um adulto apareça para acabar com a festa.
Espaços para brincadeiras praticamente não existem no prédio. Isso, entretanto, não é problema, pois em qualquer cantinho é possível sentar-se no chão com os novos amigos.
Enquanto para alguns poucos moradores, as vozes infantis não são muito bem recebidas, eu já as considero como sinal de vida, de alegria, de esperança e sonhos futuros.
De certa forma o que me entristece, é que na verdade elas não precisam de muito espaço para as brincadeiras, já que quase sempre estão entretidas com eletrônicos nas mãos.
A despeito dos pontos positivos que tais equipamentos oferecem como desenvolvimento da observação, reflexos e raciocínio, é visível que a aventura, as descobertas da e na natureza, a imaginação, a criatividade e socialização, são deixadas em segundo plano.
Os tempos são outros e muitas mudanças ocorreram nas últimas décadas e continuam a ocorrer cada vez mais céleres.  A maior circulação de veículos, problemas com segurança, riscos de um modo geral, aliados aos avanços tecnológicos cada vez mais disponíveis, acabaram com as brincadeiras de rua.
O corre-corre, esconde-esconde, mãe da rua, pega-pega, bolinhas de gude, carrinho de rolimã, são atividades interativas praticamente desconhecidas pelas crianças de hoje.
Brinquedos tecnológicos contribuem para a individualização. Muitas crianças gastam o tempo livre, trancadas em um quarto ou num pequeno espaço, na frente da televisão ou de um computador.
Em outras épocas, logo no início da noite, a criançada da vizinhança se reunia nas calçadas para decidirem sobre o que brincariam.  
Eram tantos garotos que muitas vezes formavam-se grupos distintos e em certos aspectos até rivais, como as turmas da Rua 2 e da Rua 3 formadas no começo dos anos 60 na cidade do interior chamada Rio Claro. Estes grupos marcavam “combates” e para isso, se municiavam com muitas tampinhas de garrafas que eram lançadas com estilingues. Era uma farra só e a correria tomava conta das calçadas e ruas. A Avenida 8 considerada território neutro, foi palco de muitas destas “guerrinhas”.
Fora dos momentos de confronto, as crianças moradoras na Rua 2 evitavam circular pela Rua 3 e vice-versa, pois isso seria considerada uma provocação.
Em noites que não havia combates, a criançada inventava as mais variadas brincadeiras.
Certa noite alguém teve uma ideia que de imediato agradou a todos.
Na esquina havia dois postes com pouca distância entre eles. Usando uma linha preta de costura, a garotada trançou-a várias vezes de um poste a outro, formando uma espécie de teia de aranha.   Como a iluminação pública era muito fraca, a linha ficou praticamente invisível.
Armada a arapuca, todo mundo se escondeu atrás de uma mureta na varanda de uma das casas próximas.  E não é que foi justamente um tio nosso (eu e meu irmão estávamos na brincadeira) que surgiu andando na calçada, todo garboso, de terno, chapéu tipo Humphrey Bogart , carregando um guarda-chuva pendurado no braço?!
Ao passar entre os postes ele foi retido pelos fios da linha.
Assustado, deu um rápido pinote para trás e quase derrubou seu chapéu estiloso.  Recompôs-se e intrigado com o fato, ergueu o guarda-chuva e com ele começou a tatear o espaço. Parecia um guerreiro brandindo sua espada contra o nada. Finalmente percebeu o vai e vem de linhas trançadas.  Olhou para os lados e nada viu. Desistindo de entender tudo aquilo, contornou a esquina desviando dos postes e seguiu seu caminho sem nunca descobrir os autores da arte.
A garotada escondida segurou as gargalhadas até que ele sumisse de vista. Foi uma cena impagável e inesquecível.
Que boas lembranças e saudades gostosas dessas brincadeiras de rua.
Será que os brinquedos eletrônicos de hoje, despertarão estes mesmos sentimentos no adulto de amanhã?

Santos, 23 de julho de 2013 


Para os amigos das Turmas da Rua 2 e da Rua 3, na Rio Claro/SP  dos anos 60.

sexta-feira, 12 de julho de 2013

DESABAFO INESPERADO - BUD PRD



Diz-se que o melhor da festa é esperar por ela.
Realmente a expectativa nos faz muito bem, mas o melhor mesmo é poder curtir bem a festa em todos os seus momentos.
Após semanas de preparativos e com tudo organizado, a longa viagem teve início.
Tudo ou quase tudo era novidade e a ansiedade por nada perder fazia os turistas traçarem a cada noite, o programa a ser cumprido no dia seguinte.
Em cada cidade muitas visitas, muitas surpresas, muitas emoções, muitas risadas e um pouco de cansaço que era deixado de lado.  Entretanto, depois de 13 dias de viagens e 5 cidades visitadas, a fadiga já se manifestava com certa força trazendo a irritação consigo, fato tão característico em momentos estressantes.
Dirigindo-se para a estação ferroviária de Praga na República Tcheca, arrastando malas já com pesos razoáveis, o grupo de turistas caminhava rapidamente a fim de não perderem o horário do trem que os levaria a outro país.
O trânsito não estava lá muito organizado e entre carros, ônibus e caminhões, circulavam também várias charretes destinadas a passeios turísticos. 
Uma parte do grupo caminhava mais rapidamente, mas o peso dos anos e das malas fez com que a outra parte ficasse mais atrás.  Resolveram então apressar os passos na tentativa de não se distanciarem muito, mas foram contidos por uma charrete que lhes cortou a frente bem no meio de um cruzamento movimentado.
 Nesse mesmo instante ouviu-se um FÓÓÓNNNN - uma tremenda buzinada vinda de um carro que seguia atrás da charrete.
O susto provocado pelo barulho da buzina foi imenso e acabou de vez com a já pouca paciência de um dos turistas.  Sem pestanejar e em seu mais elevado grau de irritação, virou-se para o “buzinador” e em alto e bom som gritou-lhe:
 - VÁ PEIDAR!
A gargalhada dos demais componentes do grupo foi a única manifestação que se ouviu, já que o motorista, um cidadão theco, desconhecendo totalmente o idioma português não se abalou com a ordem que lhe foi dada e com certeza nem a cumpriu.
Observou-se depois que a buzinada fora dirigida ao condutor da charrete, mas aí, o berro ordenando a eliminação de gases intestinais já havia sido dado.
O desabafo tão inesperado serviu como válvula de escape e recarregou um pouco as energias do grupo que seguiu em frente arrastando pesadas malas, mas gargalhando muito com a ordem bizarra dada àquele motorista.
Na próxima viagem talvez seja conveniente aprender alguns desaforos em diferentes idiomas para que todo e qualquer desabafo, tenha o alcance desejado!

Santos, 17 de junho de 2013 

Bude PRD, de acordo com pesquisa feita, seria a expressão em theco.
Ao Edo, fica aqui a dica para a próxima buzinada tcheca......rss

sexta-feira, 5 de julho de 2013

A VISITA REAL





Durante uma comunicação com pessoas bem próximas, nós mulheres, achamos que poucas palavras são suficientes para uma perfeita compreensão do que dizemos. Entretanto, na maioria das vezes isto nem sempre ocorre, principalmente quando o ouvinte é um homem.
De certa forma as mulheres após fornecerem algumas informações, acreditam que o outro consiga assimilá-las e decifrá-las, sem que para isso seja necessária uma detalhada explanação. 
Acontece que às vezes tais informações não são as básicas, as essenciais, aquelas que permitam chegar-se a uma plena compreensão do que foi dito.  Surgem então a partir daí, desentendimentos que podem levar tanto a sérias divergências como também a boas gargalhadas.
Foi justamente essa segunda situação que ocorreu recentemente em uma família.
Os três Arcanjos da Anunciação, Gabriel, Rafael e Miguel, estavam simbolicamente na casa de uma amiga que teria que encaminhá-los a outra família, numa espécie de corrente imaginária, para que eles a visitassem levando-lhe também proteção e saúde.
Convidada a ser a próxima anfitriã dos Arcanjos, ela concordou de imediato e combinou com a amiga, dia e hora para recebê-los, claro que simbolicamente.
No horário e dia combinados, eles seriam convidados a sair da casa onde se hospedavam para se dirigirem, virtualmente, para a outra residência que deveria ficar com a porta de entrada devidamente aberta para recebê-los.
Ciente que o marido era totalmente cético em relação a assuntos místicos, religiosos e crendices de um modo geral, ela decidiu omitir-lhe detalhes do acordo que fizera, evitando assim as costumeiras brincadeiras e gozações.
Desta forma, ela não esclareceu que era uma visita fictícia, imaginária. 
Explicou somente que naquele dia, a partir de um determinado horário, receberiam a visita dos três Arcanjos e que por esse motivo, a porta da residência deveria ser mantida aberta.
Ele não fez no momento maiores questionamentos, pois conhecedor da religiosidade da família acreditou que receberiam a visita de parentes que trariam as imagens de Gabriel, Rafael e Miguel, para uma noite de orações.
No horário combinado ela pediu à filha que prendesse a cachorrinha da casa, obviamente para evitar que o animal fugisse para a rua.  Entretanto, o marido vendo a cena, entendeu que cachorra ficaria presa, pois poderia estranhar e latir para as pessoas que estavam prestes a chegarem.
Sentado em sua poltrona na sala, ficou olhando para a porta aberta e esperou, esperou, esperou...
Passado certo tempo e já invocado com a demora, não se conteve e perguntou se as visitas chegariam de carro.
Ela, pressupondo que ele estava sendo irônico, já ficou irritada, mas continuou a olhar a porta permanecendo num respeitoso silêncio.
Pensando em ser prestativo, o marido pegou o controle remoto e avisou que já iria deixar aberto o portão eletrônico da residência. Ouviu de imediato uma resposta carregada de agressividade que o deixou cismado, sem entender o que se passava.
De repente, embora não tivesse havido qualquer barulho ou movimento estranho, ouviu a esposa dizer:
- Podem entrar!
Sem entender absolutamente nada, ele esticou o pescoço para olhar para a rua.  Como não visse ninguém, indagou curioso:
- Se eles nem chegaram, por que você disse que podem entrar?
A esposa já bem irritada com aquela postura dele e achando que estava sendo alvo de gozações, respondeu-lhe de maneira brusca e em poucos segundos um grande bate boca se estabeleceu.
No meio do entrevero ele acabou finalmente entendendo de qual tipo de visita se tratava e aí as gargalhadas foram inevitáveis.
Como toda a discussão ocorreu bem no horário combinado para a recepção aos Arcanjos, o casal não sabe até hoje se as visitas entraram na residência ou se assustados com a confusão, bateram asas e partiram em revoada em busca de locais mais calmos. Afinal uma guerrinha familiar não é ambiente propício para uma visita, principalmente uma visita sagrada.

Santos, 18 de fevereiro de 2.014.

Para Dakota, cachorrinha que alheia a tudo, teve que ficar presa até que os humanos se entendessem.