sábado, 20 de dezembro de 2014

À LA INDIANA JONES



Tenho por hábito ler quase todas as noites enquanto o sono não vem.
Às vezes a leitura está tão interessante que acabo vencendo o sono e continuo a ler madrugada adentro.  Privilégio de quem já está aposentada e não precisa levantar cedinho na manhã seguinte.
Atualmente leio uma história que no início me fez interrompê-la por duas ou três noites seguidas. O texto é agradável de se ler e o assunto prende a atenção, mas envereda por caminhos da ficção que a princípio deixaram-me assustada.
A personagem principal em visita a uma antiga fazenda dos tempos da escravidão, começa a ser seguida por vultos que mais ninguém vê. 
A descrição das aparições à noite e à luz de lanterna,  já que na fazenda ainda não havia luz elétrica, é tão perfeita que me fez parar várias vezes e correr os olhos pelo meu próprio quarto, um tanto quanto cismada.  Ri de mim mesma pensando: só falta eu olhar em baixo da cama antes de dormir, como fazia quando criança.
Claro que tal leitura influenciou um pouco e meus sonhos foram meio complicados.
Nunca fui chegada a filmes de terror, assombrações e congêneres. Por outro lado, sou completamente leiga quando o assunto é espiritismo.
Na segunda noite de leitura e ainda continuando o clima de suspense envolvendo a personagem, fechei o livro após ler os primeiros parágrafos. Decidi na hora que teria que mudar meu horário de leitura se quisesse dormir sem sobressaltos nas noites seguintes.
Sou adepta da frase: Não creio em bruxas mas que elas existem, existem.
Entretanto, teimosa que sou, insisti  no hábito e agora já lá pelo meio da história, encaro com naturalidade a descrição das conversas entre vivos e mortos. Estou cada vez mais curiosa para ver como a autora irá alinhavar os fatos do passado com a situação presente vivida pela personagem principal.
A sensação de medo ao ler na história sobre os vultos que apareciam na penumbra do quarto, fizeram-me lembrar  de imediato do medo que sentia quando participava de uma brincadeira infantil, que ocorria num local bem escuro e cheio de teias de aranha.
No pátio interno da fábrica de macarrão de meu avô e tios, havia duas portas de zinco ligeiramente inclinadas em relação ao solo. Elas ficavam sempre trancadas com cadeado. 
Claro que para a criançada da família o fato do local ser fechado e proibido, já se tornava atraente e pedia uma exploração.
Assim foi que certo dia por descuido qualquer de um adulto, o cadeado permaneceu aberto.  Foi o que bastou para a meninada se aproximar.
Um dos primos que era mais corajoso, puxou cuidadosamente uma das portas que rangeu baixinho, mas não chegou a atrair a atenção de ninguém.
Pudemos divisar inicialmente apenas alguns degraus cheios de um limbo esverdeado e que levavam ao porão. A escuridão era quase total.
O grupo todo, umas 5 ou 6 crianças, desceu bem devagar cada degrau. Lembro-me até hoje das teias de aranha roçando em nossos rostos.
Ao mesmo tempo em que dava medo, dava também uma sensação incrível de prazer diante da aventura.  Éramos os pequenos Indiana Jones do final do anos cinquenta, começo dos sessenta.
Ao final da escada e assim que nosso olhos se acostumaram com a semi escuridão, vimos encantados muitas, mas muitas mesmo, garrafas de bebidas, precisamente vinhos.
Havíamos descoberto a adega da família.
Pouco ficamos por lá neste primeiro dia de exploração pois o medo do local, e pior ainda, o medo de sermos flagrados por algum adulto, era imenso. Naqueles tempos os castigos para traquinagens eram bem severos.
A partir daquele momento as visitas à adega passaram a ser a brincadeira preferida, pois aliava aventura no escuro e desafio às regras que nos eram impostas.
Por outras tantas vezes conseguimos adentrar tal local aproveitando sempre da ausência de cadeado.
Cada vez era uma sensação nova, uma emoção nova.
Saíamos felizes com a aventura e orgulhosos da coragem que havíamos tido.
Assim foi até que um certo dia, e sempre tem um certo dia, nos descuidamos ao fazermos a observação para termos certeza que ninguém estava por perto. Olhamos para todos os lados e dada a bandeira branca, começamos a invasão. 
Lembro-me direitinho do dia pois eu era a última da fila.  Nem bem dois ou três de nós já estavam descendo os últimos degraus, quando ouviu-se um grito feminino dando a maior bronca:
- Saiam já daí!  Saiam todos! Fechem este porão!
Identifiquei que o grito veio do alto e olhando para cima vi minha tia-avó Fiorina muito alterada, que nos olhava do salão do sobrado onde morava e cujas janelas também se abriam para o pátio interno da fábrica.
O alerta foi dado e rapidamente os adultos chegaram, mas não conseguiram nos pegar. Foi uma correria só. Movidos pelo susto e pelo medo, com certeza corremos mais que qualquer piloto de Fórmula 1. Escapamos ilesos.
Obviamente nos mantivemos por algumas horas longe dos olhos de pais e avós. Quando os encontramos bom tempo depois, a bronca já havia amenizado.
Nunca mais exploramos a nossa caverna pré-Indiana Jones, mas não esqueço as emoções sentidas em cada exploração.  Nem das teias de aranha roçando o rosto.
E não é que agora deu até saudades daquele medo infantil!


Santos, 20 de dezembro de 2014  

Ao meu irmão Edo e primos Claudio Emilio, Arnaldo, Chico e Benito, companheiros desta e de outras aventuras, como soprar canudinhos nos transeuntes. Esta será uma outra história.

terça-feira, 16 de dezembro de 2014

ATÉ QUANDO?





A sirene vem gritando ao longe e o som cada vez mais alto denuncia que passará aqui por perto. 
Sempre que ouço sirene de ambulância, o primeiro pensamento que me vem à mente é: tomara que dê tempo!
Quem já passou pela experiência de estar em uma delas acompanhando um doente, sabe bem a angústia que dá enquanto não se chega ao hospital.
Como moro numa rua de muito movimento, é comum ouvir-se uma sirene gritando e pedindo passagem.
Pensei apenas....tomara que dê tempo!
Aconteceu porém que o som emudeceu de repente.  Fiquei intrigada mas continuei a digitar um trabalho. 
Nova sirene ainda mais estridente que a primeira se fez ouvir no pedaço e mais uma vez também se calou repentinamente.
Aí desconfiei que algo ocorria nas redondezas. 
Pela janela vi moradores dos edifícios ao lado olhando para uma obra que se ergue ao fundo e na lateral esquerda de meu prédio.
Aí me assustei.
Dois  carros de bombeiros  e uma ambulância já estavam estacionados na entrada da obra.
No meio das ferragens e madeiramentos que se erguem já formando o segundo pavimento, vi bombeiros vasculhando todo o pedaço.
O que estaria havendo?  Princípio de incêndio?  Algum acidente?
Coração ficou apertado pois a imaginação sempre tende a pensar no pior.
Uma maca foi levada para dentro da obra e um operário saiu sobre ela, carregado pelos bombeiros.
Soube mais tarde através da TV, que um andaime havia caído sobre a perna do homem.
Minutos antes enquanto observava pela janela a chuva que caia na manhã de sábado, vi os homens como formiguinhas elétricas trabalhando rapidamente na construção deste futuro hotel. 
Um sentimento de compaixão tomou conta de mim ao ver que estes operários trabalhavam numa manhã de sábado e sob chuva, alguns nem protegidos por capa estavam. Não sei se por opção própria ou não.
Ao mesmo tempo em que achei isto injusto, fiquei a imaginar que este trabalho ingrato por ocorrer em condições adversas com a chuva caindo sem cessar, também poderia significar um valor maior a receber no final do mês ou da semana.  Sabe-se bem o quanto isto significa para um chefe de família com bocas a alimentar.
Aí é que mora o perigo!
Pensando de modo mais abrangente e geral, diante de situações ruins na vida e sem outras perspectivas melhores, o homem honrado, honesto e responsável, preocupado com o bem-estar da família, acaba muitas vezes até aceitando o risco de ser explorado, e porque não dizer usado mesmo por seus semelhantes, que se encontram numa situação bem diferente da dele.
As notícias da mídia nos chocam todos os dias com manchetes que falam em roubos de bilhões de reais.  Roubos  estes, sem citar nomes já que tudo ainda está sendo investigado, que com certeza ocorreram nos cofres públicos, não somente nos tempos atuais, mas na história de nosso país.
Vocês conseguem imaginar o tamanho da montanha de dinheiro que estes bilhões formariam?!!!! Eu não tenho nem ideia!
Bilhões que facilmente chegarão a trilhões se considerarmos o que já foi roubado do patrimônio público ao longo de tantos anos. Isso sem considerarmos o tempo do Brasil Império.
O que se vê é que de um modo geral, os mais ricos buscam mais e mais riquezas numa ambição sem limites. Seguindo a famosa e absurda frase que os fins justificam os meios, usam de processos ilícitos para angariarem mais fortunas.
Do outro lado da corda estão os trabalhadores como os que vejo diariamente sob sol e chuva, levantando mais um edifício e recebendo honestamente seus salários.
Diante de tantas denúncias de corrupção, fico enojada só de pensar que talvez aquele rapaz que saiu na maca, assim como tantos outros que são notícias nos jornais em situações iguais ou piores que as dele, possa estar num canto de uma enfermaria esperando um atendimento decente e humano.  Atendimento que muitas vezes não vem por absoluta falta de recursos, entre outros fatores, nos hospitais públicos.
 Recursos estes roubados dos cofres de nossa pátria provavelmente e justamente por aqueles que quando necessitam, buscam atendimento médico em famosos hospitais particulares ditos de ponta, como bem o sabemos.
Creio que estamos a um passo de concluirmos o que Rui Barbosa já previu há tantos anos:

"De tanto ver triunfar as nulidades. De tanto ver prosperar a desonra. De tanto ver crescer a injustiça. De tanto ver agigantarem-se os poderes nas mãos dos maus, o homem chega a desanimar-se da virtude, a rir-se da honra e a ter vergonha de ser honesto"

Ando enojada com nossa realidade, mas ainda creio na honestidade dos homens.
Até quando?


Santos, 16 de dezembro de 2014 

Ao rapaz desconhecido que se acidentou no sábado, desejando que esteja se recuperando bem.

domingo, 30 de novembro de 2014

ESQUECERAM DE MIM - VERSÃO CAMPINEIRA

          





       Creio que dificilmente haja alguém que nunca tenha assistido, ou ao menos ouvido falar, sobre o filme Esqueceram de Mim, lançado em 1990, com Macaulay Culkin no papel principal como o garoto Kevin.

          Esta época pré-natalina é ocasião propícia para que os canais de TV reprisem este filme pela milionésima vez, bem como os outros que o sucederam: Esqueceram de Mim 2 - Perdido em Nova York e Esqueceram de Mim  3.

         São comédias leves que agradaram ao público e tornaram o ator mirim famoso no mundo todo.

         Estes esquecimentos entretanto, não são tão incomuns e não acontecem somente nas ficções cinematográficas. 

          Pois  bem, aqui em plena terra brasilis também tivemos a versão feminina de Kevin, na antigamente chamada Terra das Andorinhas.

          Embora o fato tenha ocorrido num tempo mais curto e fora da ambientação natalina, poderia também concorrer ao Oscar de trapalhada familiar.

         Como de costume, o casal e filha pequena, após almoçarem no restaurante dirigiram-se ao carro estacionado em local próximo.

         É fato comprovado que a rotina nos leva a fazer coisas como se tivéssemos ligado o chamado piloto automático. Este fato associado à distração, acabou acarretando uma cena inusitada.

          A garota guardou a mochila escolar no porta-malas e o casal entrou no carro que logo em seguida foi posto em movimento deslocando-se rua acima.

         Passados alguns momentos, quando já haviam percorrido uma certa distância, eis que o celular da mãe começou a tocar. 

           Antes de atender ela observou no visor do aparelho, que era a filha chamando-a.

        Julgando ser brincadeira da menina, antes mesmo de atender ao chamado, a mãe indignada virou-se para trás já dando a maior bronca bem no estilo italiano, indo de maledetta até porca la pipparola.

          Surpresa!!!

          O banco traseiro do carro estava vazio, absolutamente vazio.

          Assustada, virou-se para o marido perguntando pela menina.  

          Ele que até então imaginava a filha sentadinha no banco de trás, brecou rapidamente o carro ao mesmo tempo em que a esposa atendia ao chamado do celular.

        Era a menina que muito brava avisava que havia sido deixada para trás. Estava na calçada em frente ao restaurante.

         A princípio ao ver o carro partir, a filha julgou que era brincadeira dos pais e esperou um pouco.

        Entretanto como o veículo já se distanciara muito e não havia a menor menção que iria parar, concluiu que realmente fora esquecida.  

          O jeito foi recorrer ao celular para solicitar seu resgate.

          Ainda bem que nestes tempos modernos puderam contar com a tecnologia. 

        Caso contrário, a menina teria que esperar até os pais chegarem em casa e notarem sua falta.

     A Kevin campineira teve mais sorte que seu correspondente americano - foi resgatada em pouco tempo.

        Resgate efetuado e mais uma trapalhada familiar resolvida.



Santos, 30 de novembro de 2014. 




sábado, 15 de novembro de 2014

O PROFESSOR TEXANO


Os dias eram curtos para darem conta das atividades das quais participavam.
Exerciam o magistério em cidades vizinhas e um dia por semana já era reservado para ida a São Paulo onde cursavam matérias da pós-graduação na USP. Os três períodos do dia e às vezes madrugadas, eram destinados ao trabalho e estudo.
Em um determinado semestre as duas amigas receberam um pedido do professor orientador da pós.  Um geneticista texano viria a São Paulo, convidado que fora, para ministrar uma série de palestras semanais no departamento de Genética Animal da USP.
Ocorreu porém que não houve inscrições na quantidade mínima exigida para que o evento fosse autorizado.  Faltavam exatamente duas inscrições.
Era justamente isso que o orientador desejava: que ambas se inscrevessem para completar o total necessário.
As palestras seriam dadas por este professor texano que não falava absolutamente nada em  português e portanto o evento seria totalmente no idioma inglês, sem tradução simultânea ou posterior.
Este fato por si só já as excluía de imediato como possíveis alunas, pois mal dominavam o idioma estrangeiro para traduções com direito ao uso do dicionário.  Conversação em inglês era algo que estava totalmente fora de cogitação já que não tinham a menor condição para isso.
Entretanto, o tempo exíguo que havia para o término das inscrições e a necessidade premente que o ciclo de palestras ocorresse, já que era importante para algumas pesquisas específicas de outros pós-graduandos, fez com que o orientador lhes assegurasse que assumiria qualquer problema que por ventura viesse a ocorrer por causa das dificuldades com o idioma.
Inscrições feitas e aulas iniciadas, as amigas sempre tinham o cuidado de sentarem mais ao fundo da sala e evitarem qualquer participação maior. Entendiam um termo aqui, outro ali, uma frase inteira acolá, mas não saia muito disso.
O professor texano falava muito rápido e às vezes até os que dominavam seu idioma, pediam-lhe que se expressasse mais pausadamente.
Ao final do semestre quando já estavam na penúltima palestra, as amigas tiveram que faltar por causa de imprevistos particulares.
Não contavam, entretanto, com o fato do professor vir a sentir suas ausências naquele dia. De imediato perguntou sobre elas ao professor orientador. Foi informado que tais alunas eram do interior e viajavam a São Paulo para assistirem suas palestras e que provavelmente haviam tido algum problema com o transporte.
Na semana seguinte, as amigas compareceram alegres e felizes já que era a conclusão do tal ciclo de palestras.
Nem bem chegaram e foram avisadas por colegas, que o texano desejava conversar com ambas, pois se dispunha a acertar uma data para a reposição exclusivamente para elas, da aula que haviam perdido.
Foi o que bastou para ligarem o sinal de alerta e evitarem ao máximo, dar uma oportunidade a ele de vir ao encontro delas.
Creio que naquele dia elas fugiram mais do texano do que o diabo já fugiu da cruz.
Entraram na sala quando a aula já havia iniciado e como sempre, em local discreto. Ao ser anunciado o intervalo, saíram praticamente voando.
Naquele dia ficaram sem o esperado cafezinho saboreado com todos os colegas e professor. Mantiveram-se em local seguro e distante das vistas enquanto durou o intervalo.
Quando calcularam que fosse o momento ideal para voltar à sala, levaram o maior susto. A porta do elevador se abriu e dentro dele estava justamente a pessoa que mais evitaram a manhã inteira. Foi por muito pouco, mas conseguiram disfarçar e se afastar quase correndo. A crise de riso que se seguiu foi inevitável.
Finalmente retornaram para a classe quando a segunda parte da aula já estava em andamento.
Ao encerrar a série de palestras o professor começou a se despedir e ao dizer o primeiro BYE elas saíram quase se atropelando da sala e foram tão rápidas que no segundo BYE que ele pronunciou, já entravam no elevador.
Estava encerrada a série de palestras com tema central que elas conheciam bem, mas cujos conteúdos jamais saberão.

Do you understand English?
Yes, I do.  The book is on the table!

                     E tenho dito!  Ops...And I have said!

Santos, 15 de novembro de 2014 

Para Vera, recordando a cena do elevador e a crise de riso que tivemos em seguida.  I can't believe we did it.




domingo, 9 de novembro de 2014

OS PENETRAS



Há aproximadamente um ano não nos vemos ao vivo e a cores.
Na verdade não nos vemos nem virtualmente, já que entre ela e a tecnologia que a informática oferece, há uma incompatibilidade atroz.  Quando há necessidade de enviar informações a alguém, costuma perguntar se pode mandar por malote, recordando o tempo em que esse meio era usado com frequência.
A despeito deste distanciamento físico, sorrio sempre que me lembro dela.
Trabalhamos na mesma sala por um certo período e nesse tempo pude conviver com uma profissional responsável, competente e com um grande senso de humor.
Dona de uma fina ironia, provocava boas risadas com suas observações feitas na sala de trabalho que ficava justamente ao lado da sala do chefe, famoso por sua seriedade.  Suas frases espirituosas e hilárias conseguiam despertar sorrisos até na face do circunspecto chefe.
Recentemente li uma divulgação sobre a abertura de novo restaurante na cidade.  Tal fato levou minhas lembranças diretamente a ela, provocando risada mesmo após transcorridos tantos anos.
No período em que trabalhamos juntas, houve a inauguração de um belo restaurante na região central da cidade.
Ao ficar sabendo de tal evento, achou uma boa ideia almoçar com a família neste local, já que era um belo sábado de sol.  Todos concordaram com sua até então, brilhante sugestão.
Logo na entrada do restaurante notaram um grande movimento e o atribuíram à curiosidade natural.  Consideraram que todos queriam conhecer e experimentar os serviços do novo local.  
À medida que caminhavam pelo corredor central, observaram que a maior parte das mesas já estava ocupada por pessoas muito bem arrumadas e elegantes, mas que nunca haviam visto. Todas os olhavam com certo ar de surpresa e principalmente curiosidade, já que a família estava em trajes bem esportivos e descontraídos, adequados para uma tarde quente de sábado no clube.
Quando já estavam no meio do corredor à procura de uma mesa vazia, avistaram um conhecido.  Cumprimentos trocados e eis que o amigo diz que desconhecia que haviam sido convidados também.
- Convidados para quê?  ela perguntou já com medo de ouvir a resposta.
O temor tinha razão de ser.
Era um casamento cujos noivos que eles não conheciam, haviam reservado o restaurante todo para receberem os convidados para a festa, diga-se de passagem, uma elegantíssima festa.
Descobriu tarde demais que não havia lido a notícia sobre a abertura do restaurante com atenção e se confundira com os dias.
A inauguração do local para o público em geral, seria no dia seguinte, no domingo.
À família não restou outra opção a não ser virar literalmente nos calcanhares e se retirar sem nem olhar para os lados, mas sentindo todos os olhares em sua direção.
Já na rua ela tentou se justificar mas foi em vão, afinal havia acabado de fazer a família  pagar um grande mico transformando-a em penetra de festa alheia, com direito à entrada triunfal e saída mais triunfal ainda.
Longe de constrangê-la, este fato foi contado e até teatralizado por ela, causando muitas gargalhadas, inclusive do severo chefe.
Com muita propriedade, Caio Fernando Abreu já disse:
“Você percebe que as pessoas são inteligentes quando elas conseguem rir de si mesmas. Gente ignorante só consegue rir dos outros.”
Saudades de você Rosmari!

Santos, 9 de novembro de 2014

Uma homenagem à Rosmari e seu excelente senso de humor.
Qualquer dia conto a história de como saindo na estrada para ir a Ipeúna, você chegou triunfalmente em.........Ajapi...rsss.

quarta-feira, 5 de novembro de 2014

XÔ TRISTEZA!



Creio que isso aconteça com muita gente.
Acordo às vezes sentindo uma tristeza profunda e o que é pior, não sei o motivo.
Esse fato não é comum, mas me incomoda justamente porque passo horas do dia com aquele aperto no peito e pensando no que poderia estar provocando a sensação ruim, que já chegou a durar uns dois ou até três dias seguidos.
Claro que busco me distrair com leituras agradáveis, boas companhias e evito ler ou assistir qualquer fato mais deprimente, mas como se fosse um iceberg, aquela ponta de tristeza vez ou outra, consegue emergir e eis de volta a sensação desagradável.
Sempre fui emotiva e sei também que ficamos mais ainda com a idade (embora eu seja muito jovem...rs), mas nestas ocasiões de tristeza sem causa aparente, me vejo chorando até em propaganda de papel higiênico.
Há alguns dias estive assim, nesta fase um tanto baixo astral.
Embora eu seja totalmente leiga e até um tanto cética em relação à astrologia e signos de um modo geral, cheguei até a pesquisar (dá-lhe Google) sobre o chamado inferno astral, já que estava na semana anterior ao aniversário.
Consulta feita e não cheguei à conclusão nenhuma.
Agora, enquanto fazia pequenos serviços domésticos (depois de aposentada, virei “do lar”) sintonizei o som na estação chamada Radio Saudade FM 100.7 MHZ, aqui de Santos.
Gosto de sua programação.  Acho até que vou pedir um “cachezinho” por esta propaganda.
Assim que sintonizei a rádio, ouço a voz de Maysa cantando um de seus sucessos, Bom dia Tristeza, composta por Vinícius de Moraes e Adoniran Barbosa. 
Aliás, abrindo um parêntese aqui, esta música tem uma história interessante, já que Adoniran e Vinícius nunca se encontraram e naquela época, internet não existia.
Segundo relatos, Vinícius escreveu o poema num guardanapo de papel e entregou-o a Aracy de Almeida, em Paris.  A cantora era amiga de Adoniran. De volta ao Brasil, mostrou-lhe os versos que empolgaram tanto ao sambista que ele resolveu musicá-los.  Assim nasceu a composição Bom Dia Tristeza.
Pois bem, fechando o parêntese, eis que ouço na rádio a bela voz de Maysa. Parei um pouco e fiquei refletindo sobre os versos.  Em seu poema, Vinícius diz que a tristeza vinha do fato de amar.
Até o amor causa tristeza.
Talvez então seja isso.  A gente ama a vida, ama os amigos, ama tantas coisas que infelizmente, por circunstâncias diversas, muitas vão se perdendo ao longo da vida. Em alguns casos, a perda é definitiva. 
Seres que amamos e que partiram antes nos fazem falta, e nosso inconsciente acorda vez ou outra lembrando tais perdas.
Assim como veio, aquela sensação ruim se foi.
Sou e sempre fui mais pela alegria, pela admiração à vida, pela natureza e por momentos simples mas carregados de sentimentos e sensibilidade.  Momentos que passam ao largo de bens materiais, mas que fazem realmente a vida valer a pena.
E relembrando Vinícius em seu Samba da Bênção ... “É melhor ser alegre que ser triste, alegria é a melhor coisa que existe”....
Por isso, hoje deixo de lado a bela música na voz de Maysa, e fico mais com Drummond e seu poema sobre felicidade. 

VOCAÇÃO PARA A FELICIDADE
CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE

Não escreverei versos chorosos, cantando tristezas infinitas,
amores impossíveis, saudades dolorosas,
paixões trágicas e não correspondidas.

Tenho a vocação para a felicidade.
Ser feliz não me traz sentimento de culpa.
Não preciso da tristeza para justificar a inutilidade da vida.
Não preciso morrer e ir ao céu para encontrar a felicidade.
Quero-a e tenho-a neste espaço terreno do aqui e do agora.

A felicidade, tal e qual o amor, está dentro de mim
E transborda em ternuras, em melodias,
em carinhos, em alegrias, em cantos e encantos.

Sou feliz e não preciso me justificar.
Sorrio sem ver passarinho verde.
Não tenho medo de ser feliz.

Faço minha estrela brilhar.
Sem receio dos encontros, desencontros,
encantos e desencantos que o amor me diz.

Contrariedades? Eu as tenho.
E quem não as tem na vida secular?
Escassez de dinheiro? Nem é bom falar
Amores não correspondidos? Separações?
Rejeições? Saudades incuráveis?
Carinhos reprimidos, ternuras guardadas,
sem a contra parte do outro?
Eu tenho aos montões.
Sou a rainha das perdas, necessárias ao meu crescimento.

Contudo quem não soube a sombra não sabe a luz.
E num livro de matemática existencial
juntei todos esses problemas insolúveis,
com as respostas nas últimas páginas.
Mas pra que me debruçar
sobre eles, procurando a solução
se a própria vida me conduz
a resposta final?

Sem medo de ser feliz vou por aqui e por ali
por onde os caminhos, as trilhas,
Os atalhos me levarem, traçando meu rumo.
Às vezes com alguma tristeza,
mas quem disse que felicidade
é o contrário de tristeza?
Tristeza é só uma momentânea falta de alegria!

É, amigo, amanhã é sempre um novo dia
E quando a infelicidade passar por aqui,
minhas malas estarão prontas
para eu ir por ali.

..................

Que tal despertarmos em nossa alma, a vocação para a felicidade?


Santos, 5 de novembro de 2014  


terça-feira, 14 de outubro de 2014

O QUE COMEMORAR?


Outro 15 de outubro assinalado no calendário.
Já comemorei esta data incontáveis vezes.
Lembro-me das festinhas feitas na escola “Marcello Schmidt” quando ainda iniciava a vida estudantil.  As comemorações eram feitas no pátio onde todas as classes ficavam reunidas.
Era uma alegria só!
Em uma ocasião, não recordo o motivo, a criançada foi dividida em grupos menores que posteriormente foram encaminhados para as salas onde sempre funcionavam as 4ªs séries do antigo curso primário. 
Esse dia ficou marcado para mim por dois motivos principais. Como estávamos ainda na 2ª série, eu e demais colegas de turma, nos sentimos muito importantes entrando no espaço que era destinado aos alunos mais velhos. Tínhamos muita curiosidade em conhecer aquelas classes. Outro fato marcante foi observar que a separação entre as duas salas, era feita por uma grande divisória de madeira que para nosso espanto e alegria, foi aberta na nossa frente.  Os dois ambientes foram reduzidos a um único e imenso espaço onde a festa para os professores aconteceu. 
Vi esta divisória ser aberta outra vez, somente muitos anos mais tarde quando já dirigia a escola. Numa noite chuvosa e com muito vento, foi necessário abri-la para acomodar melhor os muitos participantes de uma reunião.
Ao longo dos anos escolares, as homenagens aos mestres continuaram sempre com muitas festas. As crianças, adolescentes ou jovens, faziam questão de cumprimentar seus professores.
Claro que sempre houve e sempre haverá aqueles mais queridos, com mais empatia e mais próximos do alunado.  Independente disso, todos os mestres tinham o reconhecimento e recebiam homenagens.
Já formada e exercendo a profissão, tive a alegria e prazer juntamente com os colegas, de receber muitos cumprimentos por ocasião desta data tão importante para nós.
Ainda tenho guardados muitos cartões, desenhos e bilhetes recebidos de alunos e ex-alunos.  Creio que muitos professores também devem ter este tipo de acervo conservado com muito carinho.
Entretanto ao longo da carreira, começamos a sentir uma desvalorização de nosso trabalho através de governos (ou seriam desgovernos?), que pouco a pouco deixaram a educação em segundo plano. O professor depreciado cada vez mais através dos baixos salários viu-se obrigado a correr de uma escola a outra e trabalhar em três turnos diários, para ter ao menos, um salário para necessidades básicas.
Nessa curva absurdamente descendente do magistério, houve até autoridade política dizendo em alto e bom som, que professora não era mal paga, mas sim, mal casada.  Creio que meus contemporâneos lembrem-se desta famosa frase.
Em função disso tudo, começamos a observar de alguns anos para cá um fato que era absolutamente esperado. Os profissionais estão abandonando o magistério e partindo para áreas onde sua competência é reconhecida e valorizada.  Em certas regiões o diretor de escola tem até dificuldade em encontrar profissionais habilitados, licenciados, que realmente exerçam o magistério com competência.  
Boa parte dos professores que continuam em sala de aula, enfrentam problemas vários que começam com o baixo salário, passam pela ausência de respeito e de educação para consigo, e chegam aos extremos da insegurança pessoal.
Se a despeito disso tudo ainda continuam firmes em seu mister, é porque são movidos pelo idealismo do verdadeiro educador.
Quem sabe num futuro próximo, nossas autoridades educacionais reconheçam a importância e o valor desta profissão e a eleve novamente ao patamar de onde jamais poderia ter caído!
Só espero que não seja tarde demais!
É a esses profissionais idealistas que deixo aqui minha homenagem e o meu respeito.
FELIZ DIA DO PROFESSOR!

Santos, 14 de outubro de 2014.