sexta-feira, 29 de junho de 2012

A MADRUGADA EM QUE A TERRA TREMEU



A noite foi muito agradável num aconchegante barzinho em Santiago. 
O frio não chegou a atrapalhar já que havia vários aquecedores de ambiente colocados entre as mesinhas na parte externa do prédio.  Música suave, gente bonita, um bom vinho chileno, tudo contribuíra para marcar aquela noite como um belo final de férias e uma despedida, pois dali a dois dias retornaria ao Brasil.
Sob uma belíssima lua cheia caminharam lentamente pelas ruas retornando para casa quando os relógios já anunciavam o início da madrugada de domingo.
Havia sido cancelado o último passeio marcado para aquele dia prestes a nascer. Como era para um local distante, perderiam muito tempo no trajeto o que prejudicaria a visita em si.
Acomodaram-se no apartamento do 10º andar e logo o sono chegou.
Passava um pouco das 3 horas, já em pleno sonho, quando ela foi despertada pelo forte balanço do colchão.
A princípio, sem entender o que se passava , sentou-se na cama. Entretanto ao apoiar os pés descalços no chão, a trepidação do piso não deixou mais dúvidas.  
O apartamento todo estava tremendo – era um terremoto.
Olhou pela janela e observou que muitas pessoas já estavam na rua.
Chamou a irmã avisando-a sobre o que acontecia e dizendo que deveriam sair do prédio com urgência.  Para seu espanto ouvi-a afirmar que as pessoas estavam na rua, pois com certeza chegavam de alguma balada e enquanto levantava-se calmamente, esclareceu que iria mesmo era para o banheiro pois estava precisando.
Sem perder mais tempo ela correu ao armário onde os cabides com as roupas balançavam muito. Vestiu rapidamente uma jaqueta e calças compridas por cima do pijama mesmo. A madrugada estava fria.
Nesse momento a energia elétrica foi desligada e o barulho no apartamento já aumentara muito: copos e louças caindo e quebrando no chão da cozinha, talheres pendurados no apoio de metal batiam uns contra os outros tilintando como sinetas, um grande quadro da sala despencou e as paredes estralavam sem parar.
Abriu a porta do apartamento e deparou-se com o vizinho, um rapaz também brasileiro, que apavorado tentava usar o celular sem êxito.  
Nesse momento seu sobrinho que estava no 13º andar surgiu descendo rapidamente as escadarias chamando-as para saírem do prédio. 
Os moradores chilenos também já desciam correndo e precavidos, carregavam uma garrafa de água e uma lanterna nas mãos.
Com certeza ela bateu algum recorde de velocidade ao descer na semi-escuridão, do 10º andar até o térreo.   
Na calçada grande número de pessoas assustadas procuravam informações enquanto os tremores diminuíam de intensidade. 
Com a luz e o serviço de telecomunicações cortados, a única notícia obtida veio do radio de um carro que foi sintonizado numa estação retransmissora de Mendoza na Argentina.  O abalo sísmico havia sido realmente forte: 8,8 na Escala Richter.
O clima era de medo e apreensão e muitos moradores estavam enrolados em lençóis e cobertores, pois a madrugada estava fria.
Com certeza ela era uma das únicas pessoas bem agasalhada e até com sua bolsa com documentos. Trazia também a máquina fotográfica que foi usada apenas para registrar os danos nos prédios da região, evitando clicar as pessoas pois o clima estava tenso.
Por sorte o edifício onde estavam bem como os vizinhos, praticamente não sofreram danos. Eram construções recentes que seguiram as exigências legais necessárias para suportarem tremores de terra de alta magnitude.
Uma rápida caminhada pelo bairro ainda na madrugada mostrou alguns estragos em estruturas de igreja, casas comerciais, vidros de vitrines, trincas em paredes, etc.
Somente por volta das 9h da manhã os moradores ainda receosos, começaram a retornar aos seus apartamentos.  
Apesar do sono não havia mais condições para relaxar e dormir tranquila depois de toda aquela aventura.
Como o aeroporto ficou fechado nos primeiros dias que se seguiram, a viagem de retorno foi atrasada em uma semana.
Nesses dias pós-terremoto, foram constantes as chamadas réplicas, com tremores de curta duração mas que assustavam muito e faziam o coração disparar.
As consequências dessa madrugada foram trágicas para muita gente e para o país.
Para ela foi realmente uma viagem inesquecível, não só pela beleza dos lugares visitados, como também pela intensa e inédita emoção sentida, emoção essa que espera nunca mais vivenciar.

Santos, 29 de junho de 2012


Prédio que resistiu intacto aos tremores






















Isla Negra - Vista da praia a partir da casa de Neruda.





















Casa de Neruda em Isla Negra

sábado, 16 de junho de 2012

DEMORÔ !


- To vazando!
Honestamente, a primeira vez que ouvi essa expressão, interpretei-a como fala de alguém que estava necessitando urgentemente ir a um banheiro.  Somente ao ver a atitude que se seguiu é que entendi o real significado.
Incrível como os termos mais usuais mudaram nesses últimos anos.
Mudanças muito mais aceleradas em relação às que ocorreram há quatro ou cinco décadas.
É relativamente comum durante uma conversa com alguém das chamadas gerações X e principalmente Y ou Z, usarmos algumas palavras que desconheçam, bem como ouvirmos algumas que não têm significado para a chamada geração Baby Boomer (meados dos anos 40 até início dos anos 60) à qual pertenço.
Na realidade até o intervalo entre as gerações aparentemente mudou, pois em meados do século XX considerava-se a diferença entre uma e outra geração, como algo em torno de dez anos. Atualmente é possível considerar-se um intervalo bem menor. 
Tudo tem ocorrido rápido demais e mesmo assim os jovens se expressam com o famoso demorô!
Em uma conversa informal com adolescente, usei o termo manequim referindo-me à profissão que uma amiga exercera.  Questionada sobre o que fazia um manequim, lembrei-me que hoje as chamamos de modelos. Reformulei minha frase e aí me fiz entender.
Ao rever fotos antigas escorreguei novamente no vocabulário e as chamei de retratos, fato que soou mal inclusive aos meus ouvidos já tão usados!
Na verdade até as fotografias já não são mais assim chamadas. Agora são conhecidas por fotos, apenas fotos!  Isso aconteceu também com o termo cinema que logo após sua invenção era chamado de cinematógrafo, passou a cinema e hoje é simplesmente cine.
Constantemente sou corrigida quando uso a palavra firma referindo-me a uma empresa.
Os gibis que povoaram minha infância hoje são as HQs.
Os reclames na mídia são as propagandas.
São as mudanças que sempre ocorreram, mas isso acontecia de maneira mais lenta, gradativamente.
As gírias que também se alteravam ao longo dos anos, atualmente dominam quase 80% do vocabulário principalmente juvenil.
Recentemente numa fila de supermercado acabei acompanhando um diálogo e senti-me totalmente fora de contexto.  De cada frase trocada entre as jovens, consegui entender uma ou outra palavra, entretanto elas se entendiam perfeitamente.
Assim é muito comum ouvirmos um: mó legal, da hora, causei (no sentido de chamar a atenção), buzum ou buzão (ônibus), caô (mentira), demorô, pisante (tênis), tá ligado? , responsa (confiável), dar um rolé (passear), style (estar bem arrumado) e tantas outras.
A mais nova forma de linguagem, a chamada internetês, possibilita uma comunicação extremamente rápida no meio virtual.  A cada dia novas formas são a ela incorporadas. É comum encontrarmos nesse tipo de linguagem, expressões como blz (beleza), fds (final de semana), OMG (oh My God), cmg (comigo), VB (very beautiful), msm (mesmo), vdd (verdade), etc. Elas facilitam a troca de informações entre os internautas.  Percebe-se inclusive que em alguns casos ela já está extrapolando a tela dos computadores, saindo do ambiente virtual e manifestando-se na linguagem verbal do dia a dia.
 Tá ligado no que vai acontecer com a Língua Portuguesa quando a geração alfa (filhos da geração Y ou Z) estiver causando por aqui?
Demorô hein!

Santos, 16 de junho de 2012 

sexta-feira, 8 de junho de 2012

A REUNIÃO SECRETA



Sua sala de trabalho era vizinha à outra sala onde ficavam várias pessoas; as portas bem próximas eram sempre mantidas abertas.
Sozinha e concentrada na elaboração de um relatório, ela teve a atenção interrompida por uma colega que lhe comunicava o fechamento da porta da sala vizinha. 
A justificativa para tal fato foi que tratariam de assuntos importantíssimos numa espécie de reunião secreta e que nada poderia chegar a ouvidos indiscretos de terceiros. 
Como ela era a única pessoa que se encontrava nas proximidades, considerou tal explicação deselegante e até ofensiva.
Entretanto, ao olhar para a porta recentemente fechada, viu que a chave fora esquecida para o lado de fora.  No mesmo instante uma ideia maléfica lhe veio à mente.
Levantou-se, caminhou em direção à porta, virou cuidadosamente a peça na fechadura e retirou-a sem fazer nenhum ruído.  Com a chave no bolso, resolveu parar seu trabalho e dirigir-se para a cozinha que ficava numa ala bem distante.
Para evitar algum problema sério, comunicou o fato a uma funcionária que trabalhava na portaria,  pedindo que lhe avisasse assim que a clausura fosse descoberta pelo grupo. 
Em poucos instantes todos os demais funcionários já sabiam do fato e ansiosos aguardavam o desfecho do caso.  A expectativa era grande uma vez que envolvia a sala que recebera o apelido de olimpo dos deuses.
Alguns minutos depois, seu cafezinho foi interrompido; a tal reunião secreta havia terminado e seus participantes se descobriram presos.
Enquanto a maior parte dos enclausurados encarou o fato com bom humor, alguns poucos, muito irritados, dirigiram-se para as janelas e puseram-se a gritar por ajuda.
Uma razoável plateia se formou e a cena hilária provocou muitos risos.
Gritos pedindo socorro ao mesmo tempo em que se observavam apenas mãos gesticulando entre os pequenos vãos das janelas basculantes da sala, algumas balançando lenços ou blusas para chamarem mais a atenção. 
A visão assemelhava-se a cenas de filmes com náufragos perdidos e acenando para algum navio distante.
Sem apressar o passo, calmamente, ela se aproximou e mostrando que a chave estava em seu poder, justificou sua atitude como um cuidado maior que tivera, contribuindo assim para que tudo fosse realmente o mais secreto possível. 
Esclareceu que com sua atitude precavida, ela evitou que a reunião fosse interrompida por alguém que chegasse. Ao mesmo tempo evitou o risco de serem perturbados por alguém do próprio grupo que decidisse sair da sala antes do final da reunião.  Afinal segredo é segredo!
Claro que a justificativa não foi bem assimilada por uns poucos, mas as risadas que a cena provocou foram suficientes para garantirem o bom humor para o resto da semana, não só o dela como também de todas as outras pessoas que assistiram de camarote.

Santos, 08 de junho de 2012