sexta-feira, 1 de abril de 2016

COMO TIRAR O BOI DA LINHA




- ALÔ!!!!!   ALÔ!!!!   ALÔÔÔÔ????  O telefone está novamente com linha presa!  Que droga de  Telesp!!!*
Naqueles anos iniciais da década de 90, era muito comum ouvirmos estas expressões em casa, pois realmente o problema era frequente.
A casa era grande e alguns cômodos ficavam bem distantes entre si, além da escada a ser vencida.  Isto acabou motivando a instalação de 3 extensões do telefone fixo, além do ponto principal.  Dois aparelhos ficavam no térreo e outros dois na parte superior do sobrado.
Sendo assim, não era raro  estar se usando a linha e ser interrompido por alguém que na outra extremidade da casa, pegava o aparelho para também fazer alguma chamada.
Este fato não criava problemas para os moradores, ou ao menos parecia não criar para os adultos, mas sim para o neto adolescente.
Como sabemos,   a adolescência é uma fase linda, mas um tanto complicada e com oscilações de humor inesperadas. Uma questão primordial tanto para meninos quanto para meninas é a privacidade, fato perfeitamente compreensível e lógico.  
Acontecia que o rapaz andava encontrando dificuldades em conversar tranquilamente com quem desejasse sem correr o risco de uma provável escuta indesejável e acidental. O celular ainda não reinava absoluto na vida das pessoas e dos jovens especialmente.
Decidido a ter seus momentos telefônicos preservados, resolveu puxar uma fiação, obviamente clandestina, para seu quarto.  Sem que os adultos soubessem ele subiu no forro da casa, puxou o fio telefônico, desceu-o pelo conduíte da rede elétrica e instalou um tipo de chavinha comutadora, num local muito bem escondido.  Tudo feito com capricho e sem deixar vestígios. Um serviço profissional.
Conforme a posição em que o botão desta chave fosse colocado, a linha do telefone estaria liberada para a casa toda, ou então somente para seu quarto, e nesta situação deixava mudos os demais aparelhos.  Assim ele falava sem receio de estar sendo ouvido.
Acontecia porém que após seu uso, o rapaz esquecia de retornar a chave na posição que liberava os demais aparelhos e por incrível coincidência, sempre a vítima era seu avô. Ao pegar o aparelho e encontrá-lo mudo, ficava indignado e irritado com a Telesp. Esbravejava enquanto seguidamente retirava e punha o monofone no apoio, na esperança de liberar a linha presa.
O rapaz ouvindo as reclamações ditas em alto e bom som, lembrava da tal chavinha e corria para seu quarto.  Instantaneamente e para surpresa de todos, a linha era liberada.  O avô, incrédulo, comentava que parecia até que a Telesp havia ouvido as broncas tal a rapidez do conserto.
Assim ocorreu por um bom tempo até que certo dia topei com o esconderijo da chavinha. Mexi nela e acabei por descobrir sua utilidade.
Pesando os prós e contras conclui pela manutenção da privacidade adolescente e juntamente com minha mãe, tornamo-nos coniventes com a estratégia inteligente usada para tirar não só o "boi", mas a "manada" toda da linha.
Claro que com isso acabamos também ficando com a responsabilidade de zelar para que a tal chavinha liberasse a linha após seu uso clandestino no quarto do rapaz.
O avô jamais veio a saber do fato e continuou a vociferar contra a  companhia telefônica toda vez que ia usar o aparelho enquanto o neto estrategicamente, tinha tirado o "boi da linha".

Santos, 30 de março de 2016

Para Luis Fernando e sua criatividade!

* Telecomunicações de São Paulo - empresa operadora de telefonia no Estado de São Paulo, antes da privatização ocorrida em julho/1998.