segunda-feira, 28 de novembro de 2011

TUDO CULPA DE UNS BICHINHOS


A vida é mesmo uma caixinha de Pandora. Fatos e experiências inimagináveis de repente nos envolvem e nos colocam em situações inusitadas.
Remexendo em documentos e papéis, ela encontrou alguns recortes de jornais amarelados pelo tempo. De imediato não se lembrou do que se tratava, mas curiosa os abriu e aí toda a cena aconteceu novamente diante de seus olhos que visualizavam o passado.
Eram notícias publicadas em vários jornais que circularam há muitos anos. Relatos das peripécias na Mata Atlântica, de três estudantes mais a professora e o motorista de uma Kombi da universidade.
A despeito da situação preocupante vivida nessa ocasião, não conseguiu conter o sorriso ao lembrar-se dos momentos passados madrugada adentro, no mato, em meio a muitos soldados e bombeiros. Reviveu mentalmente cada detalhe.
Nas primeiras horas daquele fatídico dia, o grupo formado por três estudantes acompanhadas da professora, se deslocou para um local específico da Mata Atlântica onde fariam coletas de insetos da região. Duas delas já haviam percorrido alguns quilômetros de estrada para chegarem a São Paulo, visto que residiam em cidade do interior.
A terceira jovem, Marta, foi justamente quem primeiro desceu do veículo numa encruzilhada, local que já conhecia razoavelmente pois era onde coletava os besouros usados em suas pesquisas na pós-graduação. Após combinarem horário de encontro no final da tarde naquele mesmo ponto, as outras seguiram na viatura da universidade, para uma outra região mais distante.
O dia foi cansativo mas bem proveitoso. Encontraram farto material que necessitavam para pesquisas. Quando o Sol já dava mostras de partir, o grupo encerrou as atividades e foi em direção à encruzilhada, ponto de encontro marcado com Marta.
Chegado o horário combinado, não havia sinal da jovem nas proximidades. Como a tecnologia do celular ainda não existia, o jeito foi esperar um pouco. Naquele final de tarde no meio da mata, as nuvens de pernilongos invadiam o veículo e não havia repelente que funcionasse a contento. Quando os últimos raios de sol começaram a sumir, o desespero já era grande pela procura da estudante.
Alguns homens que estavam acampados próximos ao local, ouvindo os chamados por Marta, vieram em auxílio e tochas acesas nas mãos, todos entraram na mata gritando pelo nome da jovem.  Nada. Silêncio total somente cortado pelos ruídos dos animais noturnos e pelos gravetos quebrados à medida que o grupo caminhava.
Diante da situação, a professora pediu ao motorista que levasse as outras duas alunas à cidade mais próxima em busca de auxílio dos bombeiros.
Como não conheciam a cidade, foram diretamente para a Delegacia de Polícia a fim de registrarem a ocorrência e solicitarem o grupo de resgate.   Quando entraram na repartição já passava da meia noite.  Naquele ambiente pouco agradável, foram atendidas pelo delegado que a princípio mostrou-se incrédulo com o caso. Não acreditava que as jovens haviam vindo de uma cidade distante, simplesmente para coletar insetos.  Considerou aquilo um absurdo, mas, diante da situação acionou os bombeiros e a chamada COE - Companhia de Operações Especiais do Exército; esta última viria de São Paulo e demoraria um pouco para chegar.
Sendo assim, as duas jovens tiveram que se separar. Uma foi designada para acompanhar os bombeiros e lhes mostrar o local da mata onde a professora os esperava; a outra ficou na delegacia esperando o grupamento da COE chegar.
Na sequência, a estudante se viu dentro de uma viatura dos bombeiros, rodeada por oito deles carregando grandes facões, deslocando-se com sirene ligada e em grande velocidade, por uma estrada em plena madrugada.  Jamais havia pensado em viver uma experiência semelhante e o inusitado da situação provocou-lhe uma vontade de rir que teve dificuldade em disfarçar. 
Não demorou muito para que o caminhão com mais de uma dezena de soldados e mais a amiga, chegassem também a tal encruzilhada onde Marta fora deixada na manhã anterior. As duas jovens estavam tão pasmas vivendo aquela situação que até esqueceram-se do cansaço, da fome, das picadas de insetos. Aqueles homens todos, com fardas camufladas, empunhando armas, saltando da carroceria coberta do caminhão e se embrenhando mata adentro, fizeram lhes parecer que estavam dentro de uma cena de filme e que a qualquer momento Sylvester Stallone ou Arnold Schwarzenegger iriam aparecer por ali.
Por sorte a jovem Marta foi encontrada e praticamente sem ferimentos, exceto arranhões superficiais nos braços e rosto. Quando se deu conta que estava perdida e andando em círculos, abriu um espaço no chão com seu facão e sentou-se esperando ajuda.
Na volta a São Paulo, os soldados no caminhão do exército e as três estudantes e professora no veículo da universidade, ainda houve uma parada num hospital para que Marta fosse medicada.
O sol já brilhava alto quando finalmente o grupo todo chegou à capital.
Depois de toda peripécia, as duas estudantes ainda enfrentaram mais algumas horas de viagem no retorno para casa no interior.  Traziam na bagagem os vidrinhos com os insetos coletados e riam ao lembrarem-se da expressão no rosto daquele delegado de polícia que numa mistura entre incrédulo e indignado, havia lhes perguntado:
        – Não tem bichinhos lá na cidade de vocês não? Nenhum besourinho por lá? Não é possível isso. Viajaram até aqui e se enfiaram na mata só por causa de uns bichinhos? Tem louco pra tudo nesse mundo!
Com certeza ele nunca conviveu com um biólogo, mas não deixou de ter razão: foi mesmo tudo culpa de uns bichinhos!

          Santos, 28 de novembro de 2011  


 Para Vera, companheira dessa odisseia e de tantas outras.

6 comentários:

  1. Liginha, que aventureira voce era menina!!
    O que eu acho mais bacana ainda e voce guardar tudo isso e agora se deliciar nas lembrancas e contar para nos com muita maestria.
    Muito lindo, parabens minha queria.
    Beijinhos

    ResponderExcluir
  2. Obrigada Malu. Custei a decidir escrever minhas lembranças e saber que lhe agradam me motiva a continuar. Um beijão!

    ResponderExcluir
  3. Oi Lígia, tudo bem? Esse Casa Grande é em Biritiba-Mirim? Se for, já fui. Muito bonito, muito verde. Além dos pernilongos, tem pium, uma praga. Gostei da história, parabéns pelas heroínas. Beijão, Lígia.

    ResponderExcluir
  4. Lígia, troquei a identificação. Anônimo e Alberto mesma pessoa. Beijão.

    ResponderExcluir
  5. Oi Alberto. É nesse local mesmo, vc acertou. Realmente é um lugar lindo com mto verde mas não guardei boas lembranças dos borrachudos não...rs. Obrigada pela visita ao blog e pelo comentário. Bjss

    ResponderExcluir