segunda-feira, 31 de outubro de 2011

O PENOSO AFOGAMENTO DA PENOSA


A vida nos leva às vezes a atitudes inusitadas e inesperadas. Olhando para a estrada já percorrida e lembrando fatos vivenciados acabamos nos perguntando como pudemos tomar essa ou aquela iniciativa que hoje classificamos como absurda.
Muitas podem ser as respostas como: inocência, falta de maturidade, má orientação, falta de malícia, etc. No caso em questão foi pura falta de opção mesmo.
Estudantes do Curso de Biologia quando ainda recebia a denominação de História Natural, receberam a tarefa de montagem individual de um esqueleto de galo. O trabalho receberia uma nota de acordo com o resultado final apresentado, levando-se em conta vários critérios como: presença de todos os ossos intactos, limpeza dos mesmos que deveriam estar bem brancos e sem gordura, colocação e articulação corretas, bem como a postura final da ave numa posição altiva.
Para que tudo saísse a contento o ideal seria utilizar uma ave mais velha, com menos cartilagens e com ossos completos. 
O grupo de quatro amigas resolveu se reunir para montarem juntas, cada qual fazendo seu trabalho.  Somente uma delas já possuía uma ave que se encaixava parcialmente nessa situação. O galo era velho demais e provavelmente reumático já que andava lá meio tortinho. Foi o primeiro que começou a ter seus ossos separados e organizados.  
As outras três amigas fizeram contatos com setores da área e ganharam quatro galos para executarem o trabalho.  Os animais foram doados vivos havendo então a necessidade de dar fim a essas vidas de tal forma que nenhum ossinho fosse danificado.  O próprio professor as auxiliou e forneceu equipamento que possibilitava essa ação sem causar sofrimento maior aos animais e sem prejudicar os esqueletos.
Dos quatro galos recebidos um deles safou-se desse destino, ao menos temporariamente, já que sua nova proprietária estava trabalhando no esqueleto da ave que tinha em casa, mesmo tortinha e reumática.  Por um breve período ele cantou altaneiro no novo galinheiro. Era típico galo de briga.
A partir daí foi um período de cozimentos e mais cozimentos em água oxigenada de alto volume provocando furos nos recipientes utilizados. Isso sem contar os problemas domésticos que essa tarefa acarretava visto que as mães não ficavam nada felizes vendo tudo aquilo sendo feito em seus fogões.  Além de tudo havia o cuidado excessivo para que ninguém da casa ou até um animal qualquer surrupiasse algum ossinho por menor que fosse.
Ossos limpos, branquinhos, separados e identificados; chegou o momento das montagens e para isso as amigas começaram a se reunir na casa de uma delas. 
Foi aí que surgiram dificuldades em se trabalhar com os ossos do galo mais velhinho, aquele reumático e primeiro a ser sacrificado.  Os ossos estavam tortos. Isso não deixou outra opção a não ser enterrá-los e substituí-los pelos da outra ave que havia sobrevivido ao morticínio.
Devido à urgência e sem nenhuma outra opção as amigas tiveram que providenciar penalizadas, ali na casa de uma delas, o afogamento do galo, única estratégia que poderiam lançar mão àquelas alturas e que preservaria o esqueleto da ave. Momentos de pura tensão, muita pena (em todos os sentidos) e muita água para todos os lados também. Não se podia correr o risco de quebrar algum osso.
Com a missão penosamente cumprida as jovens iniciaram de fato suas tarefas, cada uma caprichando mais que a outra na montagem do esqueleto.
Vai daí que mexem aqui, mexem acolá, alguns ossinhos sumiram e outros mais finos começaram a partir. Resultado: o velho galo reumático desprezado cujos ossos jaziam enterrados há algum tempo teve seu dia de exumação cadavérica, passando a funcionar como fornecedor de ossos para as necessidades que fossem acontecendo.
Finalmente após um período não muito curto os quatro esqueletos estavam prontos. 
Um dele ques se sobressaia na posição altiva, outro parecia estar dando um passo, mas todos muito corretamente montados.
Na data da entrega como havia alguns poucos quilômetros de estrada de terra batida a serem percorridos até o local de funcionamento do curso, a mãe de uma delas foi escalada para levá-las de carro.
Lá seguiram as quatro cada qual com um esqueleto no colo, num velho carro Mercury 1945, a não mais do que 30 km/h. De repente são ultrapassadas por um fusquinha dirigido por outro colega de classe. Para o espanto das jovens notaram um esqueleto montado no banco de trás do carro, saltando como pipoca a cada buraco da estrada. Os extremos se contrapondo: elas num cuidado excessivo e ele pouco se importando se o galo estava quase voando pela janela.
O resultado final foi plenamente satisfatório assim como as notas que cada uma delas recebeu. Muita risada e muita brincadeira acompanharam todo esse trabalho mas com certeza a cena do afogamento ficou gravada na mente das quatro para sempre.
Recordações de um período marcante na história de todo jovem – a vida universitária.

Santos, 31 de outubro de 2011  

 Uma lembrança e homenagem à Vera, Cristina e Lígia Aparecida.

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