sábado, 19 de novembro de 2011

EM BOA COMPANHIA

Carregando na bagagem muitos sonhos e ideais, a jovem recém formada iniciou a carreira trabalhando em municípios próximos a sua cidade.
Em cada período do dia ela era encontrada em uma cidade diferente e somente por volta da meia noite é que retornava para casa.  Sem ainda dispor de automóvel e carta de motorista, se deslocava sempre de carona com colegas com os quais dividia as despesas das viagens.
O último período do dia era cumprido numa cidade distante 20 Km da sua. Ligando os dois municípios havia uma estrada de terra batida e mal conservada. Os buracos existiam em grande quantidade e eram os grandes vilões já que provocavam constantes quebras nos carros. No período da seca, a poeira tomava conta de tudo e atrapalhava a visão do motorista.  Já na época das chuvas o problema era outro - a estrada virava um imenso lamaçal.
A jovem e outra colega eram caronistas oficiais do professor de Português que acumulava essa função com o exercício do sacerdócio.  
Bastante ansioso e sempre com muita pressa, o padre professor mal ouvia o sinal das 23h encerrando a última aula da noite, já se instalava em seu fusca e ficava acelerando pronto para zarpar assim que suas colegas chegassem. 
Muitas vezes fazia a primeira curva já saindo da frente da escola com a porta do carro ainda sendo fechada pela colega.  
Na estrada a situação de perigo funcionava para os ocupantes do fusquinha, como uma diversão radical de algum parque de diversões.  O carro simplesmente voava sobre os buracos e as cabeçadas no forro do veículo eram frequentes.
A cada curva feita sem qualquer redução de velocidade, as caronistas se contraiam e esperavam pelo pior.
            Às vezes uma delas não se continha e dizia alto: Cuidado sacerdote!  
De pronto ouvia-se a resposta do motorista: Deus está conosco
A jovem professora que sempre se acomodava no banco traseiro então completava: Espero que Ele saiba disso.
Certa feita logo após uma curva bem fechada e com mato alto em ambos os lados do caminho, os três professores foram surpreendidos pela presença a uns 15 metros de distância, de um grupo de seis homens desconhecidos que posicionados em toda a largura da estrada, faziam um tipo de cerco.
O padre professor brecou bruscamente o fusquinha verde quase provocando seu capotamento.   Sem muito tempo para raciocinar o sacerdote murmurou – “Seja o que Deus quiser” – e na sequência com  luz alta no farol, pisou fundo no acelerador e avançou sobre o grupo.
A jovem no banco traseiro chegou a fechar os olhos momentaneamente enquanto a colega da frente se benzia e dizia “Amém”, mas não se conteve e olhou assim que ouviu os gritos dos homens que literalmente pulavam de lado à medida que o carro avançava.  Todos acabaram agarrados e pendurados nas plantas dos barrancos que ladeavam a estrada. Se o sacerdote já corria normalmente, naquela noite com toda certeza o fusquinha verde poderia ser confundido com um Boeing.
Após um ano vivendo tantas peripécias nessa estrada, inclusive varando a madrugada atolados no meio do caminho mas sem que nada de mais grave acontecesse,  as duas caronistas do fusquinha verde concluíram mais um ano letivo  com a absoluta certeza de que o sacerdote sabia o que falava quando dizia:
- Deus está conosco!

Santos, 19 de novembro de 2011  



Uma homenagem à Marli, companheira das grandes emoções vividas na estrada velha de Ipeúna, a bordo do fusquinha do querido Padre Quirino !  Realmente Deus nos acompanhava!

Um comentário:

  1. Que delicia ler o que voce escreve! Muito bom!!!
    Que Deus a acompanhe sempre Liginha.

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