domingo, 4 de dezembro de 2011

AGORA É A MINHA VEZ!

O silêncio que imperava na saleta só era quebrado pelo barulho do dado rolando sobre o tabuleiro e pelas expressões dos dois jogadores: Agora é a sua vez!
O menino com seus 11 anos e a irmã com 10, entretidos que estavam com o jogo, nem se deram conta que a tarde terminava e que não haviam ainda atendido ao pedido da avó para que tomassem banho já que a hora do jantar se aproximava.
Sentados no chão, tabuleiro entre ambos, as crianças estavam no primeiro pavimento da casa, próximos à escada da qual estavam separados por uma grade protetora.
Da cozinha ouviam-se de tempos em tempos as ordens para que parassem o jogo, ordens essas que nem chegavam aos ouvidos de ambos tal a concentração dirigida às pecinhas coloridas que pulavam casas em busca da vitória que demorava a chegar.
Como diz o ditado, paciência tem limite e no caso em questão esclareço que o limite era o menor possível.  Vendo que nada interrompia a brincadeira, a avó dirigiu-se silenciosamente para a escada.
Na saleta as vozes infantis continuavam empolgadas, ora ele, ora ela: Agora é a sua vez!
Subindo vagarosamente os degraus, o rosto da avó começou a aparecer através do gradil. As crianças, pernas cruzadas, olhos que passeavam do tabuleiro para o dado, voltando ao tabuleiro, não se deram conta do olhar extremamente zangado que os fixava ali há poucos centímetros de onde estavam.
Quando o dadinho rolou mais uma vez e antes que qualquer dos jogadores pudesse falar algo, ouviu-se uma voz muito brava e direi que até ameaçadora, afirmando:
- Agora é a MINHA vez!
O susto fez os pequenos olharem na direção de onde a voz tinha partido e deram com aquele conhecido par de olhos verdes, muito grandes e arregalados. Era a avó a poucos passos dos dois.
Com uma rapidez e flexibilidade só possíveis quando se é criança, os dois deram um salto que fez voar longe tabuleiro, pecinhas e dado. As canelas giraram.
Num pique só, cada um correu para seu banheiro fechando ruidosamente as portas  já que na pressa não dava para se ter maiores cuidados. Trancaram-se cada um no seu espaço.  Estavam salvos.
A velocidade foi tanta que a avó surpreendeu-se e acabou rindo da cena pois as canelinhas dos dois giraram tão rápido que ela lembrou-se dos desenhos do bip bip fugindo do coiote. Disfarçou um pouco e manteve a voz de comando pois não poderia fraquejar diante dos netos.
Passados alguns segundos, ouviu-se o barulho dos chuveiros denunciando que as ordens foram cumpridas; não demorou muito para que pedidos de ajuda viessem dos dois banheiros.  Na correria, ambos não tiveram tempo para pegarem as toalhas e as roupas limpas para vestirem. 
Em voz bem baixinha, quase um sussurro, e bem cautelosos, os dois bip bip pediram socorro à tia. Abriram uma mínima fresta através das quais uns dedinhos apareceram para recolherem as peças que precisavam.
Queriam ter certeza que quem estava atrás da porta não era a avó reclamando que ainda ERA SUA VEZ!

Santos, 04 de dezembro de 2011  

10 comentários:

  1. Adorei Ligia !Lembrei dos meus filhos e da minha mãe.Bjus.

    ResponderExcluir
  2. Ligia amei seu conto, a sua forma de descrever as coisas e' perfeita, me senti vendo as duas criancas jogando, muito bom mesmo, parabens, gostaria de vir aqui mais vezes, mas vc sabe que ainda estou sem um computador proprio, mas adoro seus textos esse em especial e' muito bom mesmo. Um beijo enorme...
    De'

    ResponderExcluir
  3. Muito boa, Lígia. Como sempre.

    ResponderExcluir
  4. Como sempre seus contos são perfeitos. Nos transportam à cena como se fôssemos os protagonistas da história Parabens

    ResponderExcluir
  5. Amei.Cena perfeita .Parece que somos os protagonistas. Parabéns

    ResponderExcluir
  6. Obrigada pelo comentário e visitazao blog. Pena que saiu como anônimo.

    ResponderExcluir
  7. Este comentário foi removido pelo autor.

    ResponderExcluir
  8. Agradeço as visitas ao blog e os comentários. Pena que estão saindo como anônimos. Um abraço a todos.

    ResponderExcluir