Sua paciência até que era razoável
mas havia momentos nos quais ela esgotava-se com muita facilidade. E aí, como hoje se diz, o bicho pegava!
Isso era tão perceptível que os
filhos associavam seu estado de humor à roupa que vestia.
Um vestido que funcionava como
sinal de alerta para sua tolerância quase zero era muito bonito e lhe caia
muito bem. Trazia estampas com traços geométricos onde predominavam riscos na cor
de vinho misturados a outros pretos e tons cinza claro. Ele denunciava que o dia não terminaria bem
para alguém, bastando apenas saber para quem.
A despeito das regras bem claras
sobre respeito e obediência dentre tantas outras, era constante o esquecimento
dessas em especial principalmente pela caçula da família que teimava em querer dar
sempre a última palavra, tivesse ou não razão.
Após um almoço domingueiro onde o
clima, sem motivo aparente, assemelhava-se a uma pesada segunda-feira, mãe e
filhos estavam na cozinha envolvidos nos serviços domésticos.
Enquanto o filho mais velho, já um
rapaz, acomodava as cadeiras em torno da mesa, a mãe lavava as louças, uma
filha as secava e a caçula as colocava nos devidos lugares no armário.
Nesse esquema de trabalho quem
lavava as peças na pia, obrigatoriamente ficava de costas para quem estivesse guardando
as louças.
Durante a execução da tarefa do
grupo, eis que “de repente, não mais que
de repente” como disse Vinícius*, a caçula resolveu discordar de uma ordem
dada pela mãe respondendo-lhe de forma um tanto provocativa. Na sequência houve
nova advertência materna que foi totalmente e tolamente, ignorada pela garota.
Pressentindo o aquecimento dos
ânimos, o rapaz e a filha que enxugava as louças trocaram olhares
significativos anunciando claramente que um litígio estava prestes a acontecer
naquela cozinha!
Recuaram um pouco para abrir espaço e
se colocaram propositalmente em posições onde assistiriam de camarote a
contenda sem riscos de serem atingidos.
Agindo como uma perfeita câmera
lenta, a mãe deixou as mãos livres, balançou-as sobre a cuba da pia para
escorrer o excesso de água e teve o cuidado de manter todo o sabão que nelas
havia.
A essas alturas os dois filhos mais
velhos já não conseguiam segurar o sorriso e curtiam a expectativa que a cena
provocava já que enquanto a mãe se preparava para a ação, a caçula ainda de
costas, continuava a boquejar sem parar.
O que se ouviu a seguir foi um alto
e sonoro... PLOOOOFT !!!
Cada palma da mão totalmente coberta
de sabão acertou em cheio e ao mesmo tempo cada orelha da garota respondona e com
tamanha intensidade que milhares de bolhinhas de sabão esparramaram-se pelo espaço
aéreo da cozinha. Foi bolhinha pra todos os lados.
O susto foi tão grande que sem
sequer se virar para ver o que a atacara, a caçula deu um enorme pulo e praticamente
voou da cozinha para o quintal passando sem quase tocar nos degraus da escada
que separava os dois locais. O pinote dado foi digno de uma atleta
profissional. Creio até que deve ter quebrado o recorde olímpico de salto em extensão.
Continuou sua corrida pelo corredor
lateral da casa até se refugiar em seu quarto, deixando no trajeto um rastro de
bolhinhas de sabão.
Em sua rota de fuga provavelmente não
escutou as gargalhadas dos irmãos porque depois de tamanho “pé do ouvido” por um
bom tempo só conseguiu ouvir zumbidos e apitos, mesmo depois de tirar toda
espuma que entrara pelas orelhas.
Naquela tarde domingueira por
motivos óbvios, o último som ouvido na cozinha foi justamente ....o espumante
......PLOOOOOFT.
Santos, 7 de maio de 2012
* Soneto da Separação - Vinícius de Moraes
Tempos em que os chinelos ,as cintas tb faziam o PLOOOOOFT".Ou um simples olhar diferenciado calavam de imediato a teimosia.Belo texto LIGIA.SUCESSOS!!
ResponderExcluirrsrsrsrsrs Perfeito, Lígia! Você não só conta como escreve muito bem! bjsssss
ResponderExcluirValeu as gargalhadas!! Lígia você é ótima!
ResponderExcluirLucinda, dou risada sozinha cada vez que me lembro da cena. O mais legal foi a expectativa que eu e Edo tivemos acompanhando tudo.
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