domingo, 9 de setembro de 2012

ALEGRIAS VIVIDAS




Ambiente de trabalho é local onde além da qualificação profissional, deve haver também muita responsabilidade, atenção, educação e respeito.
A somatória desses fatores todos, muitas vezes acaba criando uma atmosfera séria,  circunspecta, tolhendo gestos de descontração.
Não era diferente em meu local de trabalho. O chefe, pessoa muito competente e um tanto autoritária, dificilmente exibia um sorriso em sua face. Tal fato acabou desencadeando a fama de ser muito severo.  Em função disso, muitos de seus subordinados tinham certo temor até em lhe dirigir a palavra.
Esse clima sério, que a despeito de propiciar o bom andamento do serviço tornando-o ágil, gerava certa inquietação. Sempre acreditei que era possível desempenhar bem uma função sem deixar de lado o bom humor. Aliás, muitas vezes o bom humor até melhora o rendimento.
Na sala de trabalho ocorriam alguns momentos de boas risadas sempre que surgia a possibilidade.
Certa ocasião foi designada uma professora até então desconhecida, para ser minha auxiliar.
Notando seu nervosismo inicial, resolvi criar uma situação que a deixasse mais calma, mais descontraída. Resolvi dar certo tratamento de choque para quebrar o gelo.
Lembrei-me que no fundo da gaveta havia um grande frasco de vidro contendo centenas de clips de papel, a maioria dos quais enferrujados.  Com a expressão muito séria coloquei o tal vidro na frente da auxiliar e justificando a necessidade de se evitar desperdício de material, mandei que a professora abrisse cada peça, passasse bom-bril ao longo dela para tirar a ferrugem e finalmente a fechasse direitinho para ser reutilizada.
O olhar de espanto e a paralisação total da auxiliar foram instantâneos.
Creio mesmo que ela entrou por alguns segundos, num estado de coma traumático. Nesse instante acabei deixando a risada escapar, o que foi bom para evitar que um enfarte ou coisa desse tipo acontecesse. Esse foi seu batismo.
Com o passar dos dias fui percebendo que a professora era muito espirituosa e tinha facilidade para soltar frases irônicas muito apropriadas e hilárias.
Foi assim que numa certa manhã ela recebeu a incumbência diretamente do temido chefe, de datilografar (nessa época as máquinas de datilografia reinavam soberanas) um importante documento em três vias.  Em função da urgência, ele posicionou-se em pé ao lado da mesa aguardando o serviço ser realizado.
Nervosa, já que não era muito ágil nesse trabalho, ela começou a suar principalmente nas mãos. Enquanto arrumava os papéis para colocá-los na máquina, o carbono preto em contato com o suor começou a soltar tinta e sujar não só suas mãos, como também as folhas brancas.
Com o chefe muito sério em pé a seu lado, impávido, querendo pressa no serviço e vendo toda aquela trapalhada até para colocar os papéis na máquina, a professora parou tudo o que estava fazendo, apoiou a papelada sobre a mesa, colocou as mãos na cintura, suspirou bem fundo e dirigindo-se a ele afirmou:
- Senhor! Não trabalho sob pressão!
Levei um susto ouvindo isso mas logo veio o alívio. Diante do inesperado desabafo de minha auxiliar, algo um tanto raro aconteceu: o chefe riu descontraído da situação e retirou-se imediatamente para sua sala avisando que lá ficaria à espera do material.
De outra feita, numa tarde já no final do expediente, conversávamos um assunto divertido, uma piada para ser mais exata, quando de repente eis que o chefe entra inesperadamente na sala.  Distraídas com o assunto, não ouvimos seus conhecidos passos no corredor.  De pronto a conversa parou e ele obviamente notando isso, questionou com certo sorriso irônico, se estava nos atrapalhando.
- Atrapalhou sim. A partir de amanhã o senhor venha trabalhar com sapatos de salto alto.
Foi a resposta rápida e divertida de minha auxiliar que novamente conseguiu provocar muito riso no semblante tão fechado do chefe.
Realmente o poeta Vinícius* sabia o que dizia quando escreveu:
É melhor ser alegre que ser triste
Alegria é a melhor coisa que existe
É assim como a luz no coração...”

Santos, 09 de setembro de 2012 

Nota: Uma homenagem à Rosmari  e às lembranças de um tempo muito bom.

*Samba da Bênção” – Vinícius de Moraes e Baden Powell







4 comentários:

  1. Iniciando a leitura já vislumbrava a tal pessoa. Fui rindo o tempo todo e ao final confirmado era mesmo a Rosmari. Muito bom, bons tempos.

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  2. Pois é, vc que conhece bem essa figuraça, responsável e espirituosíssima, pode imaginar como ri nesse período em que trabalhamos juntas. Quantos casos!!!
    Qdo a encontrar, peça que lhe conte o primeiro dia em que ela e família foram ao então recém-inaugurado Restaurante Rainha do Mar. Estou lembrando agora e rindo sozinha.
    Obrigada pela visita e pelo comentário!

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  3. Adorei, Lígia! Você está cada vez melhor! bjsss

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  4. Obrigada Selma, pela visita e por suas palavras.

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