Ser prevenido até que é uma boa
atitude desde que esta prevenção seja bem administrada e não parta para o
exagero e a mania.
Pois bem, isso ele sempre foi, bem
prevenido. Planejava suas tarefas com tanta
organização e antecedência que era até motivo de brincadeiras na família.
Quando ainda trabalhava como
representante comercial, viajava de trem pelas cidades da região. Sendo assim, tinha
sempre o cuidado de estudar os horários de ida e volta de tal forma que no
final do dia estivesse em casa para poder dormir na sua cama.
Entretanto, algumas viagens para
cidades mais distantes o obrigavam a dormir em hotel. Nessas ocasiões, o momento de arrumar sua
mala era um divertimento que provocava risos nos filhos e nele próprio. Com muita antecedência começava seus
preparativos separando tudo que levaria, de roupas a sapatos, passando pelos
objetos de uso pessoal.
Sem exagero, a mala ficava pronta
três dias antes da viagem que teria um único pernoite em hotel.
Uma cena presenciada pela filha
ainda menina, ficou gravada em sua memória: o observou usando um grande serrote para cortar ao meio, o
cabo de uma escova de dente.
Nos idos anos 50 não era comum ou
talvez nem existisse ainda no comércio local, escova de dente pequena ou
dobrável, própria para viagem. Ele havia
encontrado uma caixinha que serviria como local para guardar a tal escova. Aconteceu porém, que essa caixa era pequena. Ele não teve dúvidas e lançou mão de um imenso
serrote para cortar o cabo da escova.
E não é que apesar do absurdo da
cena, o resultado foi excelente! A
paciência e o capricho surtiram ótimos resultados e ele feliz, guardou a dita
escova na caixinha a ela destinada.
As compras em supermercados nunca
foram seu forte e ciente disso, as deixava ao encargo da esposa. Entretanto quando ficava sabendo de alguma
promoção que considerasse imperdível, lá ia ele aproveitar a ocasião, afinal
era bom ter um certo estoque em casa para prevenção.
Dentre tantas, duas dessas compras
ficaram registradas nos anais da família.
Aproveitando preços bons, ele resolveu
comprar 100 quilos de açúcar (em pacotes de 5 kg) de uma única vez, para uma
família de 5 pessoas. Quando essa carga começou a ser descarregada na casa, a
esposa entrou em choque.
Como não havia espaço suficiente
para guardar tudo aquilo, começou a distribuição a parentes, vizinhos e amigos.
Despensa lotada e mesmo assim uma parte ficou num canto no chão da cozinha.
Houve entretanto, mais um agravante.
Naquela época o produto vinha em sacos
de papel. Com o passar do tempo, o açúcar começou a petrificar dentro dos
pacotes.
Sendo assim, cada vez que alguém
fosse abrir um deles, tinha antes que pegar o martelinho de carne e dar uma
verdadeira surra de pancada no açúcar para quebrar as malditas pedrinhas e só
depois, abrir o pacote. Às vezes de
tanto apanhar, o papel acabava rasgando e esparramava açúcar para todos os
lados para desespero da esposa e alegria das formigas.
Desnecessário dizer que as sessões de
pancadarias açucareiras aconteceram por meses, meses e mais meses.
A outra inesquecível aquisição, quase
resultou em acidente fatal.
Num final de tarde lá foi ele todo lampeiro, às compras
novamente. Encheu completamente um carrinho de supermercado somente com latas
de óleo. Como naquele dia não estavam
fazendo entregas em domicílio, telefonou para a filha pedindo que ao sair do
trabalho passasse no supermercado para dar uma carona a ele e às suas compras.
Quando viu a filha estacionando o
carro em frente ao supermercado, começou a puxar o carrinho na rampa de saída
do estabelecimento.
Aconteceu que essa rampa tinha uma
inclinação bem acentuada e o peso do carrinho carregado com latas de óleo o fez
ganhar velocidade.
Por alguns segundos ele chegou a correr mas vendo que fatalmente seria atropelado pelas
próprias compras, deu um pinote para o lado abandonando o carrinho, que descendo em
quinta marcha e em desabalada carreira rampa abaixo, acabou atravessando a rua e foi parar somente após bater na guia da
calçada do outro lado.
A filha e todos que estavam nas proximidades
levaram o maior susto.
Por sorte, no momento do ocorrido,
nenhum carro estava descendo a avenida, pois fatalmente aconteceria um grave
acidente.
Passado o susto, a gargalhada foi
geral. A cena lembrou antigos filmes de Chaplin.
Depois do quase acidente e das risadas, já a caminho de casa a filha ficou em dúvida se era mais aconselhável levar junto um cardiologista pois a mãe ao ver toda aquela lataria chegando, provavelmente teria um infarto fulminante.
Foi a última grande compra.
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