quinta-feira, 27 de outubro de 2022

A TURMA DA RUA 2




Passeando recentemente pelas calçadas que tantas e tantas vezes andei da infância à fase adulta, fui olhando para as casas do quarteirão, uma a uma, recordando como eram as arquiteturas nos anos 60, relembrando as famílias e mentalmente citando seus nomes um por um. Lembro de todos principalmente das crianças.

Dos moradores de minha época não há mais nenhum ocupando sua antiga casa.  Na verdade, há ainda uma pessoa que não chegou a compartilhar dos folguedos de minha turma, mas brincou com minha irmã caçula. Juliana permanece como representante da Rua 2.

Neste intervalo de quase 6 décadas houve uma mudança incrível no quarteirão e  praticamente nada lembra o cenário de minha infância.

Eram casas simples, outras um pouco mais elaboradas, mas sempre abrigando pessoas que valorizavam a amizade acima de tudo.

Não há como esquecer a residência do pianista Eugênio Benetti. Além do som belíssimo que se fazia ouvir, a família costumava colocar sobre as muretas na frente da casa, lindas e coloridas araras que lá ficavam enfeitando e encantando os olhos da meninada. Nunca cheguei a ver, mas os adultos contavam que Geninho fazia suas serenatas à noite colocando o piano sobre a carroceria de um caminhão e percorrendo as ruas da cidade. Imagino a emoção de quem recebia tais serenatas.

Asfalto ainda não havia chegado e era sobre o calçamento de paralelepípedos que a criançada toda noite se reunia para as brincadeiras de rua.  Eram muitas.

Lembro que quando íamos brincar do que chamávamos de Pai da Latinha (uma variedade de pega pega), colocávamos uma lata bem no cruzamento da rua 2 com a avenida 8 e o dono da lata contava até 10 enquanto a molecada se espalhava pelo pedaço. Ele tinha que alcançar alguém sem deixar que ninguém viesse tocar na dita cuja lata. Se ao menos relasse em alguma criança ambas trocariam de função e ele ficaria livre de tomar conta da latinha.

Só de pensar no local já se conclui o pouco trânsito que havia neste pedaço.

Ainda neste mesmo cruzamento sobre o bueiro que ainda deve estar lá, meu pai acendia fogos de artifício na época das festas juninas.  Colocava o que se chamava vulcão e era lindo ver aquela explosão de cores e luzes subindo bem alto.

Futebol era meio constante. As portas de aço das casas comerciais serviam como gol.

Entretanto o que mais me recordo eram as turmas.

Nós nos identificávamos como a Turma da Rua 2 e outros meninos moradores na rua de baixo, entre as mesmas avenidas (8 e 10), se intitulavam Turma da Rua 3. Como era de se esperar havia rivalidade entre ambas.

Para quem morava na 3, passar pela rua 2 a qualquer hora do dia significava provocação.  O mesmo ocorria quando alguém da 2 ousasse passar pela rua 3.

Lembro-me que toda vez que tinha que ir na antiga Padaria Gaib (esquina da rua 3 com avenida10) eu ia e voltava usando apenas a rua 2 e avenida 10 como percurso. 

De vez em quando uma guerrinha surgia entre as turmas. O campo de batalha era a avenida 8 entre as duas ruas.  Para estas ocasiões fazíamos estoque de munição: tampinhas de refrigerantes amassadas ao meio. Elas eram lançadas com estilingues.

Apesar de serem somente tampinhas doía bastante quando éramos alvejados.

Muitos anos depois em uma consulta com um dermatologista em Rio Claro, ele reconheceu-me. Lembrou-se da infância e em particular das Turmas das Ruas 2 e 3. Éramos inimigos naqueles tempos.

Por um bom período fui a única menina do pedaço já que minha irmã nasceu anos depois. Não tive muita escolha: era entrar nas brincadeiras dos meninos ou ficar de fora olhando. Confesso que morria de medo do carrinho de rolimã (Geórgeres andava como se fosse piloto de Fórmula 1) e também não gostava de ficar no gol pois tinha medo das boladas.

Flávio era o expert em empinar papagaios. Sempre os colocava nas alturas para orgulho do pai Euclides (proprietário da loja Bazar da China).

Até um ringue de luta de box como manda o figurino foi montado certa vez na casa do Beto (Casa da Borracha). Meu primo Francisco foi escolhido para massagista e adaptou uma malinha infantil de viagem com esparadrapos e que tais.  Colou até uma cruz branca na tampa da mala. Lembro que a disputa mais esperada foi Beto x Luiz Ângelo (Cerri). Não me lembro quem ganhou, mas isso nem nos importava. O que valia era a festa que fazíamos nas brincadeiras.

A maior parte dos prédios abriga atualmente casas comerciais. A região central da cidade se expandiu e atingiu nosso reduto infantil.   Novos tempos.

Não se vê mais a criançada em turmas brincando nas calçadas e ruas.  Na cidade como em todas as outras os vizinhos mal se conhecem e se cumprimentam.

São as consequências do mundo moderno que nos trouxe tantos benefícios nas áreas da saúde, tecnologia, educação, etc, mas em contrapartida, abafou de vez a alegria dos gritos infantis que se ouviam nas ruas e esquinas de minha infância.

 

Santos, 27 de outubro de 2022

OBS.: Aos amigos desta época que nos deixou grandes e belas lembranças.


 

9 comentários:

  1. Perfeito. Acho que mamonas também eram usadas como munição.

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  2. Se eu não estiver enganada, acho que usávamos mamonas nas guerrinhas lá no Grêmio, perto do campo de futebol, quase na rua 10. Havia muitos pés de mamonas por lá.

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  3. Nossa Lígia. Passou um filme na.minha cabeça . Tempo bom que saudades. Tivemos infância. Sem celular , tablet , computador , infância sadia.vFomos felizes.

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  4. Sim, temos muita coisa boa a recordar. Obrigada pela visita ao blog. Pena que saiu como anônimo e não pude identificá-lo(a).

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  5. Delícia de texto!!! Fez com que as recordações da minha infância viessem à tona. Parabéns, Lígia!!!!

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  6. Obrigada Angela! Agradeço a visita ao blog e suas palavras!!!

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  7. Ah que saudade da rua 2. Que delicia de infâcia. Vera Geromel.

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    1. É mesmo Vera, sua família também morava na rua 2, distante algumas quadras. Tempos felizes que vivemos e relembra-los é muito bom!!!! Obrigada pela visita ao blog e pelo comentário.

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