A vida não era fácil para aquela família lá pelo começo dos anos quarenta.
Desde muito cedo os seis filhos do casal já eram direcionados ao trabalho no intuito de ajudarem nas despesas de casa. Os garotos ainda na adolescência já desempenhavam com certa destreza o ofício de barbeiro; as filhas mais velhas trabalhavam no comércio e as mais jovens auxiliavam a mãe que além dos cuidados com a casa e com a família, lavava roupas para fora como se dizia naquela época em que a máquina de lavar era objeto de sonhos para a maioria da população.
A despeito da vida simples e desprovida de grandes confortos, o casal criava os filhos com muita dignidade e retidão.
O chefe da família se virava como podia. Suas atividades iam do ofício de alfaiate a porteiro de cinema, passando inclusive pelos negócios pois atuava também como vendedor de pequenos animais domésticos como aves, cabritos, porcos, que criava no quintal da casa.
Enquanto a mãe era mais séria, de pouco riso, o pai já tinha um comportamento totalmente diverso. Brincalhão e divertido, gostava de pregar peças nos amigos e conhecidos.
São inúmeras as histórias contadas na família a respeito de suas brincadeiras. Uma das preferidas era colar moedas na calçada próxima à alfaiataria e ficar de longe espiando aqueles que se abaixavam e em vão tentavam recolher as tais moedinhas de pouco valor. Suas vítimas preferidas eram duas irmãs solteiras, tidas como endinheiradas e sovinas. Elas não resistiam e sempre paravam para pegar as moedas provocando gargalhadas no autor da brincadeira que escondidinho presenciava a cena.
A criação dos animais em casa também dava motivos para muitas histórias.
Certa vez adquiriu um galo de temperamento um tanto agitado. Volta e meia vinha reclamações da vizinha dizendo que ele havia voado para seu quintal e feito estragos nos canteiros de verduras.
A princípio seu proprietário resolveu cortar as pontinhas das asas do animal na tentativa de retê-lo em seu espaço. Essa solução logo se mostrou ineficiente já que o irrequieto galo mesmo com um vôo totalmente desastrado e meio sem rumo conseguia chegar até o território vizinho.
Cansado de tantos bate bocas seu criador teve a ideia de amarrar uma pedra bem pesada na extremidade de uma tira de barbante e com um forte nó prender a outra extremidade numa das pernas da ave.
Logo que essa estratégia foi colocada em prática, o bicho tentou fazer algumas decolagens mas o peso da pedra não permitia que ele conseguisse sequer sair do solo. Depois de várias tentativas frustradas resignou-se a simplesmente caminhar em seus domínios, sempre arrastando a perna onde a pedra estava presa. Dava um passo e arrastava a outra perna, outro passo, novo arrasto.
Finalmente havia sido encontrada uma solução para o problema e a política da boa vizinhança voltou a imperar.
O tempo passou e a ave envelheceu. Já havia perdido todo aquele arroubo de um perfeito galo de briga quando seu dono resolveu tirar de vez a pedra que por anos acompanhara o animal.
O que se observou a seguir foi um misto de espanto, pena e gargalhadas.
Mesmo sem o peso da pedra o galo dava um passo e arrastava a outra perna, outro passo e puxava a perna. Não parava de coxear de um lado para outro.
O galináceo ficara psicologicamente afetado e na impossibilidade de fazer terapia tornou-se um coxo assumido permanecendo assim até o final de seus dias.
Santos, 07 de dezembro de 2011
Eis o proprietário do galo, Sr. Izidoro Arnold, meu avô materno com o qual pouco convivi mas de quem guardo boas e belas recordações.
Oi Lígia,nossos avós tinham muitas histórias para nós; eu gostava dessas histórias. Eu sabia sobre galo cego, mas nunca ouvi sobre galo coxo.
ResponderExcluirParabéns.
Beijão.
Lígia, parabéns!
ResponderExcluirVc é muito talentosa e escreve com estilo contos deliciosos!
Fiquei com um gostinho de "quero mais".
Beijos!
Fátima Lages
Você escreve muito bem e com um estilo absolutamente singular! Parabéns!
ResponderExcluirMto legal!
ResponderExcluirGde abraço.
Muito bom, Lígia!!! Ler aqui é tão gostoso quanto ouvir você contar. Um beijão!
ResponderExcluirUma surpresa agradável a cada novo texto seu que leio . Obrigada por esses momentos.
ResponderExcluirParabéns! Vc escreve muito bem, Ligia! Nos prende do começo ao fim do conto, dá até pena de acabar a leitura.
ResponderExcluirEste comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirVocê escreve muito bem! Me fez dar gargalhadas pensando no pobre galo e seu assimilado hábito.
ResponderExcluirBoas lembranças do tio Isidoro e tia Ida.
ResponderExcluir