sábado, 1 de outubro de 2011

NO TEMPO DOS BONDES



Dia desses deparei-me com um bonde prestes a iniciar seu percurso.
Estava cheio de crianças divertindo-se com aquele meio de transporte estranho para elas, jovens e outros não tão jovens mas que também curtiam a expectativa de um passeio sobre trilhos em pleno centro da cidade.
Chamou minha atenção a alegria vinda de um pequeno grupo de pessoas com seus cabelos brancos e olhares de quem já viveu muitas experiências. Estavam todos sentados nas extremidades dos bancos e com os braços apoiados na barra de proteção lateral. Com certeza recordavam momentos da infância quando os bondes eram muito utilizados em grandes cidades. 
Tive também meus minutos de nostalgia lembrando-me de quando ainda muito pequena, fiz com a família alguns raros passeios de bonde em São Paulo e Campinas. Admirava os verdadeiros malabarismos que o condutor fazia para cobrar as passagens, se deslocando pelas laterais do bonde já em movimento.  Veio-me à mente também os ruídos, principalmente o sino que fazia a função de buzina.
Embalada em minhas divagações acabei recordando um fato vivido por uma amiga justamente num bonde aberto que ela, menina ainda, costumava usar diariamente com seus pais. Como toda criança ela sempre corria para sentar-se na extremidade de um dos bancos e assim poder apreciar as pessoas, as lojas e os diferentes lugares durante o trajeto.
Certa vez o bonde estava muito cheio e ela conformou-se em sentar ao lado de um senhor que ocupava justamente a ponta do banco.  Era um homem com aparência muito distinta, de terno de linho branco e que usava chapéu e uma longa bengala escura. Para não atrapalhar as pessoas esse senhor passou a segurar a bengala na posição vertical, próxima ao estribo do bonde no espaço entre o assento que ocupava e o encosto do banco da frente.  
Havia vários homens viajando em pé no estribo e embarcavam e desembarcavam mesmo com o veículo em movimento.
De repente numa curva, surge na rua um rapaz correndo para alcançar o bonde. Apesar do aperto e da pressa, ele conseguiu apoiar um pé no estribo ao mesmo tempo em que procurou se apoiar no balaústre (barra vertical que havia nas laterais do bonde, próprias para apoio) para conseguir se equilibrar.
Foi aí que tudo aconteceu. 
O desatento rapaz fez confusão e se apoiou justamente na bengala que estava firmemente segura pelas mãos daquele distinto senhor.  Ato contínuo, rapaz, bengala e o homem com chapéu e tudo, caíram no calçamento enquanto o bonde seguia sua viagem.  Gritos dos passageiros fizeram o motorneiro parar o veículo e todos se depararam com a cena que de quase tragédia virou uma perfeita comédia.
O distinto senhor àquelas alturas havia perdido sua distinção e já sem chapéu, com o terno de linho branco todo desalinhado e sujo, dava valentes bengaladas no rapaz que aturdido e sem entender o que realmente havia acontecido, tentava se esquivar daquela “arma” que lhe atingia o corpo.
Após algumas lambadas o jovem saiu correndo rua afora e o homem ainda esbravejando, também tomou seu rumo a pé, não sem antes desamassar o chapéu e recuperar sua classe.
Ao motorneiro restou reiniciar a viagem, agora com a garotinha já toda feliz sentada na ponta do banco que ficou vaga com a queda daquele distinto senhor, que afinal revelou não ser tão distinto assim.
O barulho do sino anunciando a partida do bonde com os turistas me fez voltar ao presente e fiquei ali na calçada olhando o veículo se afastar carregado de alegria e de saudades.

Santos, 01 de outubro de 2011 

Vivian, aqui vai uma homenagem e uma lembrança de sua infância.

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