sexta-feira, 17 de junho de 2011

MEIAS DE OUTONO

Conviver com uma pessoa extremamente bagunceira é difícil.
Igualmente complicado é morar com alguém excessivamente organizado.
Ela se encaixava na segunda situação. Desde os tempos de namoro já sabia que ele gostava de cada coisa em seu lugar, devidamente anotado, arrumado e tantos “ados” quantos fossem possíveis.
Com o passar dos anos e já casados, ele foi aperfeiçoando cada vez mais sua criatividade de um modo geral, principalmente no quesito organização. 
O armário embutido do quarto do casal era bem espaçoso e tomava uma parede toda do cômodo, de cima abaixo.  Já foi assim projetado em função do território que ele precisava para seus pertences.
No início fez-se a divisão do espaço em duas partes iguais. Entretanto isso durou pouquíssimo tempo.  Logo ele se viu atrapalhado e sem lugar para guardar suas coisas.
As camisas que não usava no dia a dia, e as tinha em quantidade razoável, eram guardadas em suas caixas de origem, devidamente empilhadas e etiquetadas com todo capricho.  Dizia que assim procedia para facilitar a identificação de seus conteúdos.
Quem abrisse seu lado do armário veria além de camisas nos cabides, muitas embalagens empilhadas. Coladas nas laterais das caixas, tiras brancas de papéis com grandes letras de forma feitas com pincel atômico colorido, exibiam informações tais como: camisa branca fina de mangas compridas, camisa azul clara de mangas curtas, camisa bege de lã, e assim por diante. Lembravam prateleiras de uma camisaria dispostas de maneira até melhor e mais racional.
A esposa logo começou a ter seu lado no armário invadido por caixas alheias. Para evitar problemas, aos poucos foi passando a usar o armário do quarto vizinho. Não demorou muito para que ele tomasse posse de todo o espaço.
Os filhos, em sua ausência claro, divertiam-se abrindo as portas famosas e rindo muito pois sempre havia alguma ideia nova lá dentro.
Certa feita a mãe ao abrir o armário espantou-se muito com algo que viu. Ficou tão pasma que chamou a filha para ver a última novidade em termos de organização.
Ao entrar no quarto, ela encontrou a mãe parada diante das portas abertas do armário com uma caixa retangular nas mãos. 
Era uma caixa de meias. O pai havia passado também a guardar cada par de meias dentro de uma caixa.
Nessa em particular que a mãe segurava, havia uma etiqueta em sua lateral onde caprichosas letras vermelhas informavam: MEIAS DE OUTONO.
Ele chegara ao cúmulo de classificar meias segundo a estação do ano mais própria para usá-las e o fez de forma tão precisa, que em pleno país tropical distinguiu meias para usar no outono de meias para usar no inverno.
Enquanto elas ainda espantadas se divertiam com aquilo, o dono das meias chegou de improviso e as flagrou com a caixa nas mãos.
Quis saber o que se passava e a mãe aproveitando que a bronca esperada não veio, questionou-o curiosa sobre a classificação das meias.
A explicação foi dada com toda calma e tranquilidade que lhe eram peculiares:
- Essas meias esquentam muito meus pés tanto no verão como na primavera. Já experimentei usar no inverno e vi que elas não aquecem bem.  Então as classifiquei assim para usá-las somente no outono. Simples assim. Mais alguma pergunta?
Diante dos olhares atônitos das duas, pegou a caixa, guardou-a no lugar, fechou o armário e saiu assobiando como era seu costume.
Estava encerrada a visitação pública aos seus pertences.

 Santos, 06 de junho de 2011  

                 Ao Sr. Italo, meu pai, uma homenagem relembrando uma de suas "artes".
                 Extremamente conservador, crítico e de temperamento forte, aliados à tranquilidade,   calma e bom humor junto aos amigos.  Sua criatividade se manifestava em excêntricas "invenções" caseiras. Tinha o hábito de andar sempre assobiando (geralmente marchas militares e o Hino Nacional) e o fazia muito bem. Teve atitudes muito humanas mas as fez em silêncio e só viemos a saber depois de sua partida.    Sua criatividade em termos de organização merecerá um conto à parte.

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