sábado, 20 de dezembro de 2014

À LA INDIANA JONES



Tenho por hábito ler quase todas as noites enquanto o sono não vem.
Às vezes a leitura está tão interessante que acabo vencendo o sono e continuo a ler madrugada adentro.  Privilégio de quem já está aposentada e não precisa levantar cedinho na manhã seguinte.
Atualmente leio uma história que no início me fez interrompê-la por duas ou três noites seguidas. O texto é agradável de se ler e o assunto prende a atenção, mas envereda por caminhos da ficção que a princípio deixaram-me assustada.
A personagem principal em visita a uma antiga fazenda dos tempos da escravidão, começa a ser seguida por vultos que mais ninguém vê. 
A descrição das aparições à noite e à luz de lanterna,  já que na fazenda ainda não havia luz elétrica, é tão perfeita que me fez parar várias vezes e correr os olhos pelo meu próprio quarto, um tanto quanto cismada.  Ri de mim mesma pensando: só falta eu olhar em baixo da cama antes de dormir, como fazia quando criança.
Claro que tal leitura influenciou um pouco e meus sonhos foram meio complicados.
Nunca fui chegada a filmes de terror, assombrações e congêneres. Por outro lado, sou completamente leiga quando o assunto é espiritismo.
Na segunda noite de leitura e ainda continuando o clima de suspense envolvendo a personagem, fechei o livro após ler os primeiros parágrafos. Decidi na hora que teria que mudar meu horário de leitura se quisesse dormir sem sobressaltos nas noites seguintes.
Sou adepta da frase: Não creio em bruxas mas que elas existem, existem.
Entretanto, teimosa que sou, insisti  no hábito e agora já lá pelo meio da história, encaro com naturalidade a descrição das conversas entre vivos e mortos. Estou cada vez mais curiosa para ver como a autora irá alinhavar os fatos do passado com a situação presente vivida pela personagem principal.
A sensação de medo ao ler na história sobre os vultos que apareciam na penumbra do quarto, fizeram-me lembrar  de imediato do medo que sentia quando participava de uma brincadeira infantil, que ocorria num local bem escuro e cheio de teias de aranha.
No pátio interno da fábrica de macarrão de meu avô e tios, havia duas portas de zinco ligeiramente inclinadas em relação ao solo. Elas ficavam sempre trancadas com cadeado. 
Claro que para a criançada da família o fato do local ser fechado e proibido, já se tornava atraente e pedia uma exploração.
Assim foi que certo dia por descuido qualquer de um adulto, o cadeado permaneceu aberto.  Foi o que bastou para a meninada se aproximar.
Um dos primos que era mais corajoso, puxou cuidadosamente uma das portas que rangeu baixinho, mas não chegou a atrair a atenção de ninguém.
Pudemos divisar inicialmente apenas alguns degraus cheios de um limbo esverdeado e que levavam ao porão. A escuridão era quase total.
O grupo todo, umas 5 ou 6 crianças, desceu bem devagar cada degrau. Lembro-me até hoje das teias de aranha roçando em nossos rostos.
Ao mesmo tempo em que dava medo, dava também uma sensação incrível de prazer diante da aventura.  Éramos os pequenos Indiana Jones do final do anos cinquenta, começo dos sessenta.
Ao final da escada e assim que nosso olhos se acostumaram com a semi escuridão, vimos encantados muitas, mas muitas mesmo, garrafas de bebidas, precisamente vinhos.
Havíamos descoberto a adega da família.
Pouco ficamos por lá neste primeiro dia de exploração pois o medo do local, e pior ainda, o medo de sermos flagrados por algum adulto, era imenso. Naqueles tempos os castigos para traquinagens eram bem severos.
A partir daquele momento as visitas à adega passaram a ser a brincadeira preferida, pois aliava aventura no escuro e desafio às regras que nos eram impostas.
Por outras tantas vezes conseguimos adentrar tal local aproveitando sempre da ausência de cadeado.
Cada vez era uma sensação nova, uma emoção nova.
Saíamos felizes com a aventura e orgulhosos da coragem que havíamos tido.
Assim foi até que um certo dia, e sempre tem um certo dia, nos descuidamos ao fazermos a observação para termos certeza que ninguém estava por perto. Olhamos para todos os lados e dada a bandeira branca, começamos a invasão. 
Lembro-me direitinho do dia pois eu era a última da fila.  Nem bem dois ou três de nós já estavam descendo os últimos degraus, quando ouviu-se um grito feminino dando a maior bronca:
- Saiam já daí!  Saiam todos! Fechem este porão!
Identifiquei que o grito veio do alto e olhando para cima vi minha tia-avó Fiorina muito alterada, que nos olhava do salão do sobrado onde morava e cujas janelas também se abriam para o pátio interno da fábrica.
O alerta foi dado e rapidamente os adultos chegaram, mas não conseguiram nos pegar. Foi uma correria só. Movidos pelo susto e pelo medo, com certeza corremos mais que qualquer piloto de Fórmula 1. Escapamos ilesos.
Obviamente nos mantivemos por algumas horas longe dos olhos de pais e avós. Quando os encontramos bom tempo depois, a bronca já havia amenizado.
Nunca mais exploramos a nossa caverna pré-Indiana Jones, mas não esqueço as emoções sentidas em cada exploração.  Nem das teias de aranha roçando o rosto.
E não é que agora deu até saudades daquele medo infantil!


Santos, 20 de dezembro de 2014  

Ao meu irmão Edo e primos Claudio Emilio, Arnaldo, Chico e Benito, companheiros desta e de outras aventuras, como soprar canudinhos nos transeuntes. Esta será uma outra história.

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