quarta-feira, 30 de outubro de 2013

"GENTE SEM MÃO PARA DAR" *



Final de tarde de um sábado qualquer.
Chuva fina e constante escorria pela vidraça, desenhando contornos curiosos.  A natureza lá fora parecia adormecida. Mar calmo, abandonado pelas ondas.
Momento convidativo para ouvir alguns CDs especiais para mim.
Nas músicas, ora lentas, ora aceleradas, a MPB cantava solta através das vozes de Chico, Tom,  Gonzaguinha, Adoniran, Elis, MPB 4, Cartola, Nara, Toquinho e Vinícius entre outros tantos. Músicas feitas há décadas, mas que nunca envelhecerão. São mesmo atemporais.
Mentalmente fui acompanhando as letras, velhas conhecidas.
Sempre me espantou e me encantou a delicadeza das poesias contidas nas belas melodias.
Com certeza alguma magia, algum encanto mesmo, domina a alma dos artistas no momento da criação de suas obras.
O som flutuava no espaço, invadindo a alma.
De repente, um ritmo lento que mais lembrava um lamento, tirou-me de um estado meio que de contemplação.  Já havia ouvido esta música outras vezes, mas nunca atentado para detalhes da letra.
Vinícius falava sobre a morte de um vizinho, Alfredo, que se matou de solidão.  Descreveu a situação em que vivia Alfredo e a certa altura ele cantou:
- Gente sem mão para dar.
Eu particularmente nunca havia pensado desta forma, numa solidão tão dolorida e intensa que a pessoa não tem sequer uma mão para dar.  Pessoa, que como diz a letra, é gente que a gente não vê porque é quase nada”.
Creio que todos nós ao longo da vida, já nos sentimos sozinhos em alguns momentos, já sentimos necessidade daquele abraço apertado que diz – estou aqui!
O que sentirá quem vive constantemente esperando este abraço?  O que sentirá quem vive dia após dia numa solidão total, sem atenção de quem quer que seja?
Com certeza já cruzamos com gente que assim se sente, inclusive pela nossa vizinhança, como foi o caso de Vinícius.
E a música continuou:
- Gente com olhos no chão, sempre pedindo perdão.
Envolvidos em nossos pensamentos, em nossos próprios problemas, ou mais objetivamente, com nosso próprio umbigo, não enxergamos estas situações (ou não queremos enxergá-las), e com certeza tratamos tais pessoas realmente como se nada fossem.
São seres para quem muito provavelmente, receber um simples olhar, um simples sorriso, faria toda diferença.
O que dizer então, de um cumprimento e de “uma mão para dar”?
Quantos Alfredos deixamos constantemente passar por nós como se fossem quase nada?  Quantos ainda deixaremos passar?
Alfredo?
Sim, Alfredo... “mas ninguém sabe de quê”.

Santos, 30 de outubro de 2013 

*   Um Homem Chamado Alfredo
Autores: Toquinho e Vinícius de Moraes








7 comentários:

  1. Bacana, Lígia! Não conhecia esta música mas, como todas do Vinícius, de uma sensibilidade e delicadeza ímpares.

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  2. Muito tocante...ainda mais pq o nome de meu falecido pai é Alfredo.
    Amo os seus textos, sempre profundos e nos remetendo a reflexões...

    Bjsss mil

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  3. Pois é Selma, eu a conhecia mas nunca havia prestado muita atenção na letra.
    Obrigada Débora por suas palavras.
    Realmente a letra desta música me tocou.

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  4. Para refletir... quantos Alfredos...Marias.... querendo só um sorriso, para ter certeza que não são invisíveis.

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    1. Sim, mas continuam sendo considerados um nada, infelizmente.

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  5. Nunca havia ouvido essa letra/melodia, que tristeza! Como moro em cidade do interior e mesmo se não morasse, cumprimento todos que por mim passam, indiferente se conheço ou não, mas merecem um bom dia com sorriso ou um aceno de cabeça. Isso é respeito pelo ser humano. Não arranca pedaço sorrir, nem mesmo cumprimentar... é lembrar que as pessoas existem e que embora não as conhecemos, apenas um cumprimento ou um sorriso, pode mudar o dia nublado de uma pessoa.

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    1. Com certeza estas devem ser as atitudes nossas. O trecho que diz "gente com olhos no chão, sempre pedindo perdão", nos passa exatamente essa sensação de que estão pedindo perdão por existirem. Triste isso.
      Obrigada pela visita.
      Pena que saiu como anônimo.

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