domingo, 27 de outubro de 2013

A FUJONA



Naquela época não havia ainda a possibilidade de implantes dentários.
Uma vez perdidos os dentes permanentes o único recurso para substituí-los era a colocação de uma prótese, a chamada dentadura.
Entretanto, por melhor que fosse o resultado, às vezes um ou outro imprevisto acontecia.
Pois não é que justamente um destes lamentáveis imprevistos, aconteceu com ela? Durante um almoço, uma mordida mais forte em um pedaço de carne dura e pronto, a parte inferior da dentadura quebrou-se em duas.
Consultado o protético veio o alívio: havia condições de se restaurar a peça quebrada.  O único senão é que ela ficaria algumas horas sem os dentes.
Para não se expor nestas condições, solicitou auxílio da filha caçula pedindo que levasse a peça ao dentista e a trouxesse imediatamente após ser reparada.  Neste meio tempo ela ficaria reclusa em casa aguardando o serviço ser realizado.
A garota, na casa de seus 7 anos aproveitou a ocasião para usar uma bolsinha nova de ráfia branca que havia ganhado recentemente.  Era bem pequena mas comportava perfeitamente os dois pedaços da dentadura a serem colados. O fecho era constituído por dois pinos que se cruzavam fechando a boca da bolsa. A alça era feita com uma delicada corrente que fazia todo seu charme.
A caminho do protético a garota resolveu brincar com a tal bolsinha e se pôs a girá-la nos dedos enquanto caminhava pelas ruas. 
Girou, girou e girou.
Girou tanto que sem que ela percebesse os pinos se abriram e a dentadura foi projetada para longe.  A garota só se deu conta disso ao chegar ao dentista e não encontrar mais aqueles dentes sorrindo dentro de sua bolsa nova.
Voltou acabrunhada para casa sem saber o que dizer para mãe, mas já esperando uma homérica bronca.
Dito e feito.  Apesar do sol escaldante na Cidade Azul naquele momento um temporal inesperado caiu pelos lados da rua 2. 
Muito difícil foi conter a vontade de rir que os irmãos mais velhos tiveram ao ouvir as cobras e lagartos que a mãe dizia, já muito nervosa e sem os dentes. As palavras saiam com sons diferentes e intercalados por assobios.  Foi preciso segurar o riso pois realmente como se diz hoje, o bicho estava pegando, embora com certeza naquele instante, não pudesse morder.
Encerrada a bronca, o problema persistiu. 
Por onde andaria a dentadura fujona?
Foi quando os dois filhos mais velhos entraram na história convocados com a urgência que a situação pedia, a refazerem o trajeto pelas ruas procurando em todos os cantos, aqueles dentes que sorriam fora de uma boca.
A operação teve início. A menina andava pelo canto da calçada enquanto o irmão andava próximo à guia, olhando a sarjeta.  Teriam que cumprir a missão de resgate a qualquer preço e por isso vasculhavam todo e qualquer pedacinho suspeito de papel para ver se não escondia a peça perdida.
Finalmente após percorrerem algumas quadras, bem em frente a uma quitanda, o menino deu o alerta. 
Ao lado de um caixote velho de madeira cheio de frutas já passadas do ponto, estava a dentadura que alheia à sujeira e em cima de uma casca de banana sorria toda feliz e satisfeita dando a impressão que havia acabado de engolir a fruta.
Por sorte ela se comportara direitinho e não havia mordido nenhum calcanhar desavisado que por ali passara.
Com a missão cumprida a dupla voltou para casa a fim de apaziguar os ânimos, dar um belo banho de espuma na fujona e novamente levá-la ao protético para a devida colagem.  Desta vez o passeio foi feito sem percalços e com toda segurança possível.
Interessante é que esta história inusitada e hilária da fuga, seguida de busca e apreensão de uma dentadura, não podia ser comentada pelas crianças e quando o faziam era sempre com muita reserva, pois mesmo com o passar do tempo o fato ainda despertava a ira da mãe e isso acarretava risco iminente de um grande temporal, onde os raios caiam em todas as cabeças, com ou sem para-raios. 

8 comentários:

  1. Ótima, Lígia!!! Está tão bem escrita que parece que vivi a cena com "as crianças" do conto, rsrsrs.
    Beijão

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  2. O difícil foi segurar a risada, ouvindo-a dar a bronca e as palavras saindo todas esquisitas por conta da falta de dentes.
    Noooossa,.... foi bem "punk" ....kkkk

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  3. apesar do drama que a dona da prótese ,o fato é muito hilário ainda mais descrito por você.

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  4. Foi mesmo uma situação tragicômica!!!!

    Uma tragedia pra uns é uma imensa comédia para outros….kkkk
    Pena que não dá para saber quem postou mas agradeço a visita e o comentário no blog.

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  5. Obrigada Iara Silvia! Vez ou outra me vem na memória estes momentos hilários vividos em família....rssss

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