terça-feira, 23 de julho de 2013

BRINCADEIRAS DE RUA



Vozes infantis ecoam nos corredores do prédio. Férias chegam quase a ser sinônimo de crianças brincando.
Mesmo no inverno quando nem sempre o tempo permite idas à praia, elas circulam pelos andares, brincam nos corredores e para irritação de alguns, entram nos elevadores e ficam subindo e descendo sem parar, até que um adulto apareça para acabar com a festa.
Espaços para brincadeiras praticamente não existem no prédio. Isso, entretanto, não é problema, pois em qualquer cantinho é possível sentar-se no chão com os novos amigos.
Enquanto para alguns poucos moradores, as vozes infantis não são muito bem recebidas, eu já as considero como sinal de vida, de alegria, de esperança e sonhos futuros.
De certa forma o que me entristece, é que na verdade elas não precisam de muito espaço para as brincadeiras, já que quase sempre estão entretidas com eletrônicos nas mãos.
A despeito dos pontos positivos que tais equipamentos oferecem como desenvolvimento da observação, reflexos e raciocínio, é visível que a aventura, as descobertas da e na natureza, a imaginação, a criatividade e socialização, são deixadas em segundo plano.
Os tempos são outros e muitas mudanças ocorreram nas últimas décadas e continuam a ocorrer cada vez mais céleres.  A maior circulação de veículos, problemas com segurança, riscos de um modo geral, aliados aos avanços tecnológicos cada vez mais disponíveis, acabaram com as brincadeiras de rua.
O corre-corre, esconde-esconde, mãe da rua, pega-pega, bolinhas de gude, carrinho de rolimã, são atividades interativas praticamente desconhecidas pelas crianças de hoje.
Brinquedos tecnológicos contribuem para a individualização. Muitas crianças gastam o tempo livre, trancadas em um quarto ou num pequeno espaço, na frente da televisão ou de um computador.
Em outras épocas, logo no início da noite, a criançada da vizinhança se reunia nas calçadas para decidirem sobre o que brincariam.  
Eram tantos garotos que muitas vezes formavam-se grupos distintos e em certos aspectos até rivais, como as turmas da Rua 2 e da Rua 3 formadas no começo dos anos 60 na cidade do interior chamada Rio Claro. Estes grupos marcavam “combates” e para isso, se municiavam com muitas tampinhas de garrafas que eram lançadas com estilingues. Era uma farra só e a correria tomava conta das calçadas e ruas. A Avenida 8 considerada território neutro, foi palco de muitas destas “guerrinhas”.
Fora dos momentos de confronto, as crianças moradoras na Rua 2 evitavam circular pela Rua 3 e vice-versa, pois isso seria considerada uma provocação.
Em noites que não havia combates, a criançada inventava as mais variadas brincadeiras.
Certa noite alguém teve uma ideia que de imediato agradou a todos.
Na esquina havia dois postes com pouca distância entre eles. Usando uma linha preta de costura, a garotada trançou-a várias vezes de um poste a outro, formando uma espécie de teia de aranha.   Como a iluminação pública era muito fraca, a linha ficou praticamente invisível.
Armada a arapuca, todo mundo se escondeu atrás de uma mureta na varanda de uma das casas próximas.  E não é que foi justamente um tio nosso (eu e meu irmão estávamos na brincadeira) que surgiu andando na calçada, todo garboso, de terno, chapéu tipo Humphrey Bogart , carregando um guarda-chuva pendurado no braço?!
Ao passar entre os postes ele foi retido pelos fios da linha.
Assustado, deu um rápido pinote para trás e quase derrubou seu chapéu estiloso.  Recompôs-se e intrigado com o fato, ergueu o guarda-chuva e com ele começou a tatear o espaço. Parecia um guerreiro brandindo sua espada contra o nada. Finalmente percebeu o vai e vem de linhas trançadas.  Olhou para os lados e nada viu. Desistindo de entender tudo aquilo, contornou a esquina desviando dos postes e seguiu seu caminho sem nunca descobrir os autores da arte.
A garotada escondida segurou as gargalhadas até que ele sumisse de vista. Foi uma cena impagável e inesquecível.
Que boas lembranças e saudades gostosas dessas brincadeiras de rua.
Será que os brinquedos eletrônicos de hoje, despertarão estes mesmos sentimentos no adulto de amanhã?

Santos, 23 de julho de 2013 


Para os amigos das Turmas da Rua 2 e da Rua 3, na Rio Claro/SP  dos anos 60.

Um comentário:

  1. Infelizmente, não...esse novos brinquedos jamais despertarão esses sentimentos e criatividade, esse trabalho em grupo. Agradeço a Deus por ter brincado bastante na rua, rua de pedra que quebrava fácil a tira do chinelo, que prontamente era concertado com um prego...Tantas outras boas lembranças.

    Bjss

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