Vozes infantis ecoam nos corredores
do prédio. Férias chegam quase a ser sinônimo de crianças brincando.
Mesmo no inverno quando nem sempre
o tempo permite idas à praia, elas circulam pelos andares, brincam nos corredores
e para irritação de alguns, entram nos elevadores e ficam subindo e descendo
sem parar, até que um adulto apareça para acabar com a festa.
Espaços para brincadeiras
praticamente não existem no prédio. Isso, entretanto, não é problema, pois em
qualquer cantinho é possível sentar-se no chão com os novos amigos.
Enquanto para alguns poucos
moradores, as vozes infantis não são muito bem recebidas, eu já as considero
como sinal de vida, de alegria, de esperança e sonhos futuros.
De certa forma o que me entristece,
é que na verdade elas não precisam de muito espaço para as brincadeiras, já que
quase sempre estão entretidas com eletrônicos nas mãos.
A despeito dos pontos positivos que
tais equipamentos oferecem como desenvolvimento da observação, reflexos e raciocínio,
é visível que a aventura, as descobertas da e na natureza, a imaginação, a criatividade
e socialização, são deixadas em segundo plano.
Os tempos são outros e muitas
mudanças ocorreram nas últimas décadas e continuam a ocorrer cada vez mais
céleres. A maior circulação de veículos,
problemas com segurança, riscos de um modo geral, aliados aos avanços
tecnológicos cada vez mais disponíveis, acabaram com as brincadeiras de rua.
O corre-corre, esconde-esconde, mãe
da rua, pega-pega, bolinhas de gude, carrinho de rolimã, são atividades
interativas praticamente desconhecidas pelas crianças de hoje.
Brinquedos tecnológicos contribuem
para a individualização. Muitas crianças gastam o tempo livre, trancadas em um
quarto ou num pequeno espaço, na frente da televisão ou de um computador.
Em outras épocas, logo no início da
noite, a criançada da vizinhança se reunia nas calçadas para decidirem sobre o
que brincariam.
Eram tantos garotos que muitas
vezes formavam-se grupos distintos e em certos aspectos até rivais, como as
turmas da Rua 2 e da Rua 3 formadas no começo dos anos 60 na cidade do interior
chamada Rio Claro. Estes grupos marcavam “combates” e para isso, se municiavam
com muitas tampinhas de garrafas que eram lançadas com estilingues. Era uma
farra só e a correria tomava conta das calçadas e ruas. A Avenida 8 considerada
território neutro, foi palco de muitas destas “guerrinhas”.
Fora dos momentos de confronto, as
crianças moradoras na Rua 2 evitavam circular pela Rua 3 e vice-versa, pois
isso seria considerada uma provocação.
Em noites que não havia combates, a
criançada inventava as mais variadas brincadeiras.
Certa noite alguém teve uma ideia
que de imediato agradou a todos.
Na esquina havia dois postes com
pouca distância entre eles. Usando uma linha preta de costura, a garotada
trançou-a várias vezes de um poste a outro, formando uma espécie de teia de
aranha. Como a iluminação pública era
muito fraca, a linha ficou praticamente invisível.
Armada a arapuca, todo mundo se
escondeu atrás de uma mureta na varanda de uma das casas próximas. E não é que foi justamente um tio nosso (eu e
meu irmão estávamos na brincadeira) que surgiu andando na calçada, todo
garboso, de terno, chapéu tipo Humphrey Bogart , carregando um guarda-chuva
pendurado no braço?!
Ao passar entre os postes ele foi
retido pelos fios da linha.
Assustado, deu um rápido pinote
para trás e quase derrubou seu chapéu estiloso.
Recompôs-se e intrigado com o fato, ergueu o guarda-chuva e com ele
começou a tatear o espaço. Parecia um guerreiro brandindo sua espada contra o
nada. Finalmente percebeu o vai e vem de linhas trançadas. Olhou para os lados e nada viu. Desistindo de
entender tudo aquilo, contornou a esquina desviando dos postes e seguiu seu
caminho sem nunca descobrir os autores da arte.
A garotada escondida segurou as
gargalhadas até que ele sumisse de vista. Foi uma cena impagável e
inesquecível.
Que boas lembranças e saudades
gostosas dessas brincadeiras de rua.
Será que os brinquedos eletrônicos
de hoje, despertarão estes mesmos sentimentos no adulto de amanhã?
Santos, 23 de julho de 2013
Para os amigos das
Turmas da Rua 2 e da Rua 3, na Rio Claro/SP
dos anos 60.
Infelizmente, não...esse novos brinquedos jamais despertarão esses sentimentos e criatividade, esse trabalho em grupo. Agradeço a Deus por ter brincado bastante na rua, rua de pedra que quebrava fácil a tira do chinelo, que prontamente era concertado com um prego...Tantas outras boas lembranças.
ResponderExcluirBjss