A tarde caminhava para sua despedida e alguns raios de sol ainda teimavam em iluminar a Rua 2, na então calma e tranquila cidade de Rio Claro/SP na década de 1960.
Em nossa antiga casa meus pais apoiados no parapeito existente na área de entrada, olhavam o movimento naquele final de tarde.
Ao lado deles, eu ainda adolescente, também apreciava aquele término de dia.
De repente um carro de coloração alaranjada, não me lembro bem se era Renault Dauphine ou Gordini, estacionou na calçada do lado oposto. De seu interior saiu uma família que até então desconhecíamos.Eram os pais e quatro crianças. Na sequência todos entraram em uma casa distante apenas alguns metros de onde estávamos.
Era a família Serzedello que chegava de mudança para nossa cidade.
Com o passar dos dias os contatos com os vizinhos começaram e de imediato a reação de todos foi altamente positiva.
O pai, professor doutor Alcides Serzedello, iniciava seu trabalho na Faculdade de Filosofia Ciências e Letras de Rio Claro, atual UNESP.
D. Lydia, sua esposa, pessoa extremamente educada e seus quatro filhos logo ganharam a simpatia da turma da Rua 2 como costumávamos nos identificar.
Naqueles tempos, anos finais da década de 1960, ainda havia a possibilidade de crianças brincarem livremente na rua. Foi assim que Juliana e mais tarde Lélia, tornaram-se amigas de infância de minha irmã.
Era comum vê-las juntamente com outras amigas de idades próximas, como Maria Inês e Fátima, correrem pelas calçadas em suas brincadeiras no início de cada noite.
Lembro-me bem que nesta época uma das modas para as meninas era usarem várias pulseiras de plástico duro, todas bem coloridas.
Juliana e Lélia tinham estes acessórios.
Este detalhe memorizei graças a um motivo especial.
Minha irmã nem sempre tinha autorização para estar na rua brincando. Vez ou outra recebia, devido a algumas traquinagens, o castigo de ficar em seu quarto sem encontrar as amigas.
O desespero maior dela era justamente ficar presa em casa enquanto ouvia o barulho característico das pulseiras chacoalhando nos braços das meninas enquanto corriam na rua durante as brincadeiras de pega-pega. Ouvir aquele som e não poder estar junto às amigas, era mesmo o pior castigo para a menina.
O tempo passou e só ampliou o bem querer de todos em relação à família Serzedello.
Os pais, além de suas atividades diárias, também eram bem atuantes na comunidade desempenhando várias funções filantrópicas; os filhos crescendo e sempre demonstrando muita educação, responsabilidade e gentileza.
Graças às redes sociais pude retomar o contato com as meninas, agoras mulheres, mesmo morando há anos em outra cidade e portanto, distante da minha querida Rua 2.
Na verdade pelo que lembro a única pessoa que continuou a morar naquela quadra foi justamente Juliana. Todos os vizinhos antigos mudaram-se e muitas casas comerciais surgiram na região, pois o centro da cidade se expandiu.
Hoje logo pela manhã, recebi a notícia da partida de Juliana.
Foi um susto!
Há pouco tempo trocamos mensagens. Como sempre foi gentil e delicada, comentando sobre o recente falecimento de Luiz, pessoa de meu relacionamento. Eu desconhecia qualquer problema mais sério com Juliana.
Ao receber a notícia de sua partida veio de imediato a lembrança daquela tarde em que a família chegara de mudança para nossa rua!
Muita tristeza com sua partida Juliana!
Com certeza será luz onde quer que esteja, pois aqui entre nós sei que iluminou a vida de muita gente.
Siga em paz ao encontro do Pai.
Santos, 1 de outubro de 2025.
Para Juliana Serzedello (em memória).