quarta-feira, 3 de dezembro de 2025

O SUMIÇO DO PIJAMA

            



        Diz o ditado popular que "cada um é cada um". 

        Cada indíviduo é único e difere dos outros através da maneira de pensar, de agir, de ser, ou seja, do conjunto de todas suas características.

        Dentre essa gama enorme da diversidade humana os traços de personalidade, ou melhor esclarecendo, o ritmo de alguém no dia a dia, varia de célere demais ao extremamente vagaroso.

        Com certeza todos já conviveram com pessoas que se diferenciavam de nossas atitudes no quesito da agilidade ou lentidão.

        Desde muito jovem ela já manifestava uma característica marcante: possuia um ritmo diário um tanto mais veloz que seu círculo de conhecidos. Na linguagem comum era classificada de maneira jocosa como elétrica e ligada em alta voltagem.

        Com a chegada da fase adulta passou a se controlar mais, pois aprendeu que cada um tem seu ritmo próprio e o respeito a isso é questão fundamental na convivência.  

        Porém, e toda história tem o seu porém, às vezes se esquece dessas diferenciações e por exemplo em uma simples ida ao supermercado na companhia de alguém, pode literalmente disparar na frente deixando para trás quem tem maior curiosidade em conhecer cada produto exposto. 

        Aquela noite prometia ser especial e de fato foi.

        A programação consistia na ida a uma peça teatral com um pequeno grupo de pessoas.

        Com certa antecedência ela começou a se arrumar.

        Sua companhia fez o mesmo, mas com mais lentidão.

        Em pouco tempo, já pronta, ficou à espera que ele também acabasse de se vestir para se juntarem âs demais pessoas que estavam praticamente arrumadas.

        Ainda um pouco aflita o viu finalmente pronto e elegantemente vestido com seu blazer para ocasiões especiais.

        O teatro correspondeu às expectativas do grupo e curtiram bastante os momentos juntos.

        Já no retorno à casa e se preparando para deitarem, ele deu pela falta da calça de seu pijama. Ambos procuraram com calma na mala, no chão, atrás da cama, e nada.

        Nem sinal da tal peça, embora ele jurasse que a havia levado.

        Após um tempo deram-se por vencidos e desistiram da busca.

        Ato contínuo ele começou a se despir, mas ao retirar a novíssima calça jeans, eis que veio o espanto.

        Por baixo de suas calças ele vestia a peça do pijama listrado que até então havia procurado nervosamente.

        A surpresa foi seguida de uma discreta risada, talvez não tão discreta assim, dada por ela. 

        Ele havia esquecido de tirar o pijama que vestira após o banho e colocara a calça jeans por cima. Não teve dúvidas em colocar a culpa do ocorrido no fato de ter sido apressado várias vezes  enquanto se vestia.  
        
        Havia ido ao teatro todo elegante com seu blazer para ocasiões especiais, mas vestindo por baixo, a "discretíssima" calça listrada do pijama!!!

        Como não rir???


Santos, 03 de dezembro de 2025
        

                
        
             
        

quarta-feira, 22 de outubro de 2025

RESTAURANTE AVIÁRIO

        





        Mesmo com os tempos acelerados nos dias atuais, acho difícil encontrar alguém que não se encante com a natureza que nos cerca.

        Em algum momento do dia sempre haverá de maneira sutil ou não, a beleza de um jardim, o perfume de flores, aves cantando ou qualquer outra manifestação de algum ser vivo que não seja humano e que chame nossa atenção mesmo que momentaneamente.

        Eu particularmente sempre admirei o ambiente como um todo e até por isso fiz graduação em biologia que à minha época era chamada de história natural. Além dos seres vivos estudávamos geologia, mineralogia, petrografia, paleontologia,etc.

        Após a aposentadoria pude dedicar mais tempo principalmente às plantas que pouco a pouco estão tomando todo espaço aqui da sacada, lembrando uma mini Mata Atlântica.

        Não tenho os atualmente chamados pets, pois apesar de gostar principalmente de cachorro, não sou tutora de nenhum já que costumo viajar e isso dificulta e seria difícil levá-lo. Considero também o custo para cuidar destes bichichos.

        Como há muitas árvores próximas ao prédio onde moro vejo diferentes tipos de pássaros pousados nos galhos. Resolvi então montar um comedouro para eles, embora de maneira bem amadora.

        Para os pardais que preferem grãos improvisei uma simples tampa de achocolatado onde colocava alpistes. 

        Para as demais aves usei uma determinada embalagem plástica de bolacha de chocolate, onde colocava pequenos pedaços de mamão e às vezes banana. Desta forma eu também me beneficiava, pois sempre que havia a necessidade de trocar tal comedouro eu era "obrigada" a comprar novo pacote desta bolacha de chocolate.

        No final do dia eu recolhia estes comedouros, pois há morcegos nas árvores  e eu não estava a fim de receber visitas deles. Se um entrasse aqui com certeza eu é quem sairia voando pela janela.

        A festa dos passarinhos logo de manhãzinha era enorme. Era hora de eu levantar e servir-lhes o café da manhã, fato que eu fazia antes mesmo de tomar o meu  café.

        De longe eu os observava. Os maiores faziam valer seus tamanhos e sempre que chegavam espantavam os menores. Os principais fregueses do "restaurante" eram pardais, sanhaços azuis, sabiás-laranjeira e bem-te-vis. Às vezes vinha também o tiê sangue, mas não era muito assíduo.

        Comecei a observar detalalhes nos comportamentos e notei que o bem-te-vi, ao menos os que aqui vinham, era o mais bravo e dominante. Aprendi que quando fica visível um topete loiro sobre sua cabeça, à moda Trump, signifca que está excitado, fazendo um cortejo ou demonstrando agressividade, que creio ser o caso aqui, já que espantava até o sabiá.

        O tiê sangue que no meu entender era o mais bonito, era também o mais arisco e desconfiado.

        Entretanto, surgiu um problema já que há outras sacadas sob a minha. Não tinha como ser evitada a queda de casquinhas de alpistes e até mesmo pedacinhos de frutas em casas alheias. Isso acarretou em reclamação de um morador que se sentiu lesado, fato este que me fez fechar o restaurante para não prejudicar ninguém.

        As casquinhas do alpiste o vento levava, mas os pedacinhos de frutas eram às vezes levados no bico pelas aves maiores. Cheguei a observar esse fato. Elas se alimentavam e saiam voando carregando um pouco da comida presa ao bico.

        Infelizmente os pássaros não me pediam embalagem para viagem e nem serviço de delivery. 

        Apesar do tamanho reduzido do alimento, creio que alguns possam ter escapado e caido no vizinho de baixo.

        Descartei a ideia de colocar um comedouro mais internamente na minha sacada, pois observei em algumas ocasiões que quando uma ave se desorientava e não usava o waze, ao sair ela voava para o lado contrário e entrava em casa. Tentando achar a saída mesmo com a janela totalmente aberta, a ave se dirigia justamente para a parte onde o vidro é fixo e dava violentas cabeçadas até conseguir sair, sempre com minha ajuda. 

        Hoje me contento mais em ouvir os pássaros e vê-los às vezes em meio aos galhos e folhas. 

        O único incômodo, se é que posso chamar assim, é ouvir o sabiá-laranjeira cantar geralmente às 5 horas da madrugada e não mais ao amanhecer e entardecer. 

        Também pesquisei esse fato e vi que a insônia do sabiá se deve a uma adaptação da ave: canta mais cedo pois o barulho durante o dia dificulta a demarcação de território e a atração de fêmeas

        Nos tempos atuais até as aves têm estresse!


Santos, 22 de outubro de 2025

Obs: dia 5 de outubro - Dia da Ave - Sabiá-laranjeira é a ave símbolo do Brasil.



quarta-feira, 1 de outubro de 2025

JULIANA SERZEDELLO



    A tarde caminhava para sua despedida e alguns raios de sol ainda teimavam em iluminar a Rua 2, na então calma e tranquila cidade de Rio Claro/SP na década de 1960.

    Em nossa antiga casa meus pais apoiados no parapeito existente na área de entrada, olhavam o movimento naquele final de tarde.

    Ao lado deles, eu ainda adolescente, também apreciava aquele término de dia.

   De repente um carro de coloração alaranjada, não me lembro bem se era Renault Dauphine ou Gordini,  estacionou na calçada do lado oposto. De seu interior saiu uma família que até então desconhecíamos.Eram os pais e quatro crianças. Na sequência todos entraram em uma casa distante apenas alguns metros de onde estávamos.

    Era a família Serzedello que chegava de mudança para nossa cidade.

    Com o passar dos dias os contatos com os vizinhos começaram e de imediato a reação de todos foi altamente positiva. 

    O pai, professor doutor Alcides Serzedello, iniciava seu trabalho na Faculdade de Filosofia Ciências e Letras de Rio Claro, atual UNESP.

    D. Lydia, sua esposa, pessoa extremamente educada e seus quatro filhos logo ganharam a simpatia da turma da Rua 2 como costumávamos nos identificar.

    Naqueles tempos, anos finais da década de 1960, ainda havia a possibilidade de crianças brincarem livremente na rua. Foi assim que Juliana e mais tarde Lélia, tornaram-se amigas de infância de minha irmã.

    Era comum vê-las juntamente com outras amigas de idades próximas, como Maria Inês e Fátima, correrem pelas calçadas em suas brincadeiras no início de cada noite.

    Lembro-me bem que nesta época uma das modas para as meninas era usarem várias pulseiras de plástico duro, todas bem coloridas. 

    Juliana e Lélia tinham estes acessórios.

    Este detalhe memorizei graças a um motivo especial.

    Minha irmã nem sempre tinha autorização para estar na rua brincando. Vez ou outra recebia, devido a algumas traquinagens, o castigo de ficar em seu quarto sem encontrar as amigas.

    O desespero maior dela era justamente ficar presa em casa enquanto ouvia o barulho característico das pulseiras chacoalhando nos braços das meninas enquanto corriam na rua durante as brincadeiras de pega-pega. Ouvir aquele som e não poder estar junto às amigas, era mesmo o pior castigo para a menina.

    O tempo passou e só ampliou o bem querer de todos em relação à família Serzedello. 

    Os pais, além de suas atividades diárias, também eram bem atuantes na comunidade desempenhando várias funções filantrópicas; os filhos crescendo e sempre demonstrando muita educação, responsabilidade e gentileza.

    Graças às redes sociais pude retomar o contato com as meninas, agoras mulheres, mesmo morando há anos em outra cidade e portanto, distante da minha querida Rua 2. 

    Na verdade pelo que lembro a única pessoa que continuou a morar naquela quadra foi justamente Juliana. Todos os vizinhos antigos mudaram-se e muitas casas comerciais surgiram na região, pois o centro da cidade se expandiu.

    Hoje logo pela manhã, recebi a notícia da partida de Juliana.

    Foi um susto! 

    Há pouco tempo trocamos mensagens. Como sempre foi gentil e delicada, comentando sobre o recente falecimento de Luiz, pessoa de meu relacionamento. Eu desconhecia qualquer problema mais sério com Juliana.

    Ao receber a notícia de sua partida veio de imediato a lembrança daquela tarde em que a família chegara de mudança para nossa rua!

    Muita tristeza com sua partida Juliana!

    Com certeza será luz onde quer que esteja, pois aqui entre nós sei que iluminou a vida de muita gente.

    Siga em paz ao encontro do Pai.


Santos, 1 de outubro de 2025. 

Para Juliana Serzedello (em memória).



quinta-feira, 25 de setembro de 2025

ATO DE CORAGEM

        




        Quando o assunto é cozinhar geralmente não dou muito palpite, já que é uma tarefa que faço sem grandes aptidões. Faço com carinho, capricho e na maior parte das vezes quando invento de preparar algo mais elaborado, acabo tendo sucesso e sempre seguindo à risca uma receita. Confesso entretanto, ser uma atividade que não domino. 

        Por este motivo sempre que me disponho a pilotar o fogão, procuro ser cuidadosa e prestar muita atenção ao que faço. Um momento no qual tenho mais precaução é o instante de usar a panela de pressão.

        Cresci ouvindo falar do perigo que ela representa na cozinha e este receio aliado a casos ocorridos com pessoas conhecidas,  me fazem ficar mais atenta ainda.

        Recentemente conversando com uma amiga, tomei conhecimento de sua desavença com a famosa panela.

        Por motivos a serem esclarecidos o utensílio ainda com pouco uso, resolveu repentinamente fazer um barulho diferente, assustador e na sequência, mostrando que não estava para brincadeiras, começou a eliminar parte de seu conteúdo. 

     Diante daquela situação ameaçadora as duas cozinheiras presentes desligaram rapidamente o fogo e correram para fora da cozinha. Como se fosse cena de um desenho animado ficaram atrás da porta, com as pernas bambas, olhos arregalados e só espiando a fúria da panela.

         É bom que se esclareça que uma das cozinheiras já tinha know how da situação quando presenciou há tempos uma explosão violenta deste equipamento. Portanto, o pavor dela foi instantâneo.

        Após alguns momentos de pura cólera a panela foi se acalmando aos poucos até silenciar, mas somente depois de provocar uma imensa sujeira por todos os lados.

        Provavelmente tal objeto estava estressado e a maneira que encontrou de se vingar foi ter este chilique pondo as duas mulheres em fuga.

        O veredito ainda não foi divulgado, mas graças a Deus não houve consequências mais sérias além da grande sujeira provocada.

        Ao ouvir entre risos este relato, no mesmo instante lembrei-me de outro fato semelhante ocorrido há anos com uma outra amiga.

      Preparando o almoço no fogão que ficava no rancho dos fundos da casa, acabou deixando a tal panela de pressão trabalhando a todo vapor sozinha sobre o fogão. 

        A cobertura do local era de telhas de amianto.

        "De repente, não mais que de repente"* como já disse o poeta Vinícius, ouviu-se em toda a região uma explosão que mais parecia a queda de um meteoro na casa.

        Mais uma vez a mão de Deus permitiu que ninguém estivesse por perto.

        Passado o susto e a gritaria, minha amiga foi pé ante pé até o rancho verificar o que de fato havia acontecido.

        Encontrou um ambiente pós guerra.

        A parte superior do fogão havia afundado até o forno, as grelhas totalmente disformes e a panela destroçada e arreganhada.

        A comida se espalhou por todos os lados.

        Limpando todo o local da sujeira, foi notado que a tampa da panela havia sumido.

        Bastou olhar para cima e ver um rombo enorme nas telhas de amianto que ficavam sobre o fogão.

        A tampa àquelas alturas devia estar orbitando em torno da Terra.

        Tudo arrumado, almoço cancelado e vida que segue.

    No dia seguinte após a "queda do meteoro", eis que a vizinha da casa ao lado surgiu segurando o que restara da tampa da panela de pressão.

        A dita cuja tampa depois de orbitar na atmosfera, havia aterrissado sobre a goiabeira do quintal da casa ao lado.

        Realmente cozinhar utitlizando a panela de pressão constitui-se em ato de coragem.


Santos, 24 de setembro de 2025

Para as amigas Maria Sueli e Maria Lygia, com os agradecimentos pelas risadas ao ouvir os fatos.

* Poema: Soneto de Separação - Vinícius de Moraes..










sexta-feira, 12 de setembro de 2025

Eu e o cinto de segurança

     





    Não há dúvida quanto à necessidade e importância do uso obrigatório do cinto de segurança durante qualquer deslocamento em veículos sejam, automóveis, ônibus de viagem, transporte escolar, táxis, carros de aplicativos, vans, etc.

    Não discordo de seu uso em momento algum, mas realmente eu e ele temos uma incompatibilidade constante.

    Como tenho pouca altura uso o banco posicionado bem para frente, assim como o encosto do referido banco. Resultado: o cinto passa justamente sobre meu pescoço, fato que incomoda demais. 

    Para sanar este problema passei a usar um tipo de proteção com um pouco de espuma que protege a pele do meu pescoço contra o atrito com o tecido do cinto.

    Mesmo antes do uso deste acessório tornar-se obrigatório eu já fazia uso quando em viagens a passeio ou a trabalho.

    Foi justamente por ocasião de uma dessas situações que ocorreu o primeiro incidente.

    Éramos quatro profissionais e eu ocupava um local no banco traseiro. 

    O carro não era muito novo e era dirigido por sua proprietária. 

    Deslocávamos na chamada Serra de Corumbataí para participarmos de reunião com professores em uma cidade vizinha.

    Foi quando resolvi colocar o cinto de segurança que se encaixou perfeitamente.

    Chegamos ao destino bem em cima do horário marcado para o início dos trabalhos.

    Sendo assim, mal a motorista desligou o veículo e todas suas ocupantes já desceram apressadas.

    Todas não!!!!!

    Eu fiquei presa no carro!

    Não consegui destravar o cinto. 

    Foi quando notei que ele estava enferrujado e provavelmente essa era a causa do problema. 

    Minhas companheiras ao me verem literalmente lutando com o cinto, voltaram para o carro com o objetivo de me ajudarem. 

    Nenhuma tentativa surtia efeito e a estas alturas, as risadas para não dizer gargalhadas, atrapalhavam mais ainda. 

    Tentei escorregar por baixo do cinto, mas não deu certo. 

    Uma amiga ajoelhou-se no chão do carro para ter melhor visão do problema, mas também não teve êxito em me soltar.

    O diretor da escola que de longe via toda a confusão e sabendo a causa, veio em meu auxílio com uma tesoura na mão.

    Por sorte, antes de cortar o cinto, fiz um movimento mais brusco e consegui me libertar.

    Não preciso dizer que na viagem de volta nenhuma das ocupantes do carro se atreveu a colocar o tal cinto de segurança.

    Recentemente fui a São Paulo de ônibus e embarquei sem maiores problemas.

    Antes de começar a viagem resolvi colocar o bendito acessório que realmente é necessário.

    No banco ao meu lado estava sentado um rapaz um pouco acima do peso.

    E foi aí que começou meu sofrimento.

    Por mais que eu tentasse não conseguia encaixar e fechar a fivela do cinto mesmo porque  mal conseguia vê-la já que parte do corpo do rapaz tampava minha visão do local.

    Embora o ar condicionado estivesse relativamente fresco dentro do veículo, eu já estava suando de tanto tentar sem sucesso abotoar o bendito cinto.

    Foi quando ouvi um..CRECK

    Isso deu-me um grande alívio!

    Aquele barulhinho foi como um bálsamo para mim. 

    Recompus-me e já preparava para relaxar quando o companheiro do banco ao lado virou-se para mim e disse:

    - A senhora acabou de soltar meu cinto!

    Olhei para ele incrédula e já rindo muito.

    O tal CRECK que ouvira fora justamente o cinto do rapaz sendo aberto.

    Foi nesse momento que ele se levantou e  pude ver que a ponta que correspondia ao meu acessório estava justamente sob o corpo dele.

    Aproveitei o momento que ele estava em pé para então fechar meu cinto de segurança, fato que ele também fez com o dele assim que se acomodou novamente no banco. 

    Realmente eu e os tais cintos de segurança temos uma visível incompatibilidade.


Santos, 12 de setembro de 2025

Para as companheiras de viagem até Itirapina (SP) e em especial para Lázara (in memoriam) que até se ajoelhou no chão do carro na tentativa de me ajudar.

quarta-feira, 9 de julho de 2025

sábado, 31 de maio de 2025

DORMINDO NA PRAÇA

    


  


"Prefiro a música porque ela ouve  o meu silêncio e ainda o traduz, sem que eu precise me explicar".

    Li há poucos dias a frase acima cujo autor não consegui identificar, e concordei de imediato. A música fala por nós de uma maneira plena e objetiva.

    Impossível existir alguém que não tenha sido marcado na mente e na alma, por uma música.

    Todos temos nossa trilha sonora da vida!

    Eu por exemplo tenho várias que me trazem desde belas lembranças, até momentos de medo, ou ainda de muita gargalhada e descontração.

    Em minha memória afetiva carrego muita MPB, bossa nova, baladas, boleros, rock and roll, etc, mas nunca fui muito chegada no gênero musical sertanejo. Claro que sempre há uma ou outra música que aprecio e chego a cantarolar, mas com certeza não é o meu estilo preferido. 

    Há pouco liguei a TV e uma dupla sertaneja cantava um sucesso do início dos anos 2000. Impossível não sorrir e lembrar de um fato insólito que vivenciei e que me fez cantarolar essa música.

    Estávamos numa cidade no interior de SP onde ocorreria ao final daquele dia, um baile de formatura. 

    Devidamente hospedadas num hotel no centro e bem próximo ao local das festividades, não nos preocupamos em ver número de táxi (ainda não havia sistema uber e similares) para o retorno que seria durante a madrugada e muito menos anotar o telefone do hotel.

    No horário marcado para o início do baile dirigimo-nos ao clube caminhando calmamente. Afinal eram poucas quadras de distância.

    A festa estava muito animada, com os formandos, amigos e familiares festejando o final de uma jornada de anos de estudos e o próximo início da vida profissional.

    Por volta das 3 horas resolvemos retornar ao hotel pois o cansaço e sono já haviam chegado fortemente.

    Surpresa!!!!!

    A porta de acesso ao hotel estava fechada, muito bem fechada até com cadeados. Olhando pelo vidro da porta não divisávamos ninguém na portaria que se encontrava totalmente âs escuras. 

    Nunca soube até aquele momento de um hotel que fechasse as portas e não ficasse ninguém responsável por atender clientes já hospedados no local e que chegassem no meio da noite.

    Batemos com força na porta mas o silêncio foi a nossa resposta.

    Bem em frente ao hotel havia um jardim com muitos bancos que àquela hora da madrugada estavam absolutamente vazios. 

    Foi quando o sucesso da dupla Bruno e Marrone bateu em nossas lembranças: Será que teríamos que dormir na praça???

    Impossível não cantarolar, entre risadas:

"Seu guarda eu não sou vagabundo

Eu não sou delinquente, sou um cara carente

Eu dormi na praça...."

    Continuamos a bater na porta até que vi em um canto da parede uma pequena anotação com o número do telefone do hotel.

    Foi a nossa salvação. 

    Liguei e claro, demorei a ser fui atendida. 

    Quando já estava desesperançosa e até escolhendo em qual banco terminaria a minha noite, ouvi uma voz sonolenta atendendo o telefonema. 

    O funcionário ainda custou a entender que queríamos entrar em nossos aposentos e nos olhou com expressão incrédula, tipo assim, de onde vieram estas duas a esta hora da madrugada e com roupas de festa?

    Nem nos explicamos porque o sono era grande e já estava quase clareando o dia.

    Por muito pouco não pudemos curtir a mesma experiência de Bruno e Marrone e sermos acordadas por um guarda enquanto dormíamos no banco da praça! Encerraríamos com chave de ouro esta grande noitada.


Santos, 31 de maio de 2025

Obs: Para Carolina, lembrando de seu baile de formatura e para Tutu, que quase foi minha companheira de noitada no banco da praça.






 


quinta-feira, 1 de maio de 2025

DORMINDO COM O INIMIGO

                         
           

         Se você pensou em alguma história de suspense ou terror, errou!

        Nada a ver com assassinos ou fantasmas.

        Foram companheiros de quarto bem incomuns.

        O perigo que poderiam provocar era causarem um grande susto e até uma gritaria em plena madrugada.

        O chalé era muito gracioso e aconchegante. O jardim que o rodeava era bem cuidado, com árvores e flores em quantidade.

        Na janela do quarto uma floreira carregada de gerânios dava um toque especial ao aposento.

        Logo após o pôr do sol ela resolveu fechar as venezianas com receio que algum inseto entrasse voando no aposento.

        Eis que no momento em que fazia isso uma andorinha desavisada e provavelmente com seu GPS desregulado, ao invés de se dirigir para seu ninho em alguma árvore, entrou voando rapidamente dentro do quarto.

        Não havia forro no aposento. O madeiramento do telhado era bem alto, com caibros de aspecto rústico.A ave pousou em um deles e lá se acomodou.

        Aí começou o drama: fazer com que ela saisse novamente pela janela.

        Não surtiram efeitos os barulhos, gestos e lançamentos de objetos na direção da pequena ave.

        Ela fazia acrobacias mil por todo o espaço e às vezes dava até umas rasantes que obrigavam o casal a se abaixar.

        Foi quando ele resolveu jogar o paletó de seu pijama.  A peça subia e caia e a ave continuava impávida, até que...

        Até que o paletó enroscou em um caibro bem alto.

        Aí a situação só se complicou. A andorinha saracoteava pelo quarto enquanto o pijama permanecia pendurado e em uma posição impossível de ser resgatado.

        A estas alturas o sono já dominava o casal que se deu por vencido. Fechou a janela e desistiu de espantar a ave.

        A solução foi se cobrirem até a cabeça para evitarem surpresas em plena madrugada. Adormeceram receosos de acordarem no meio da noite com algum míssil de fezes explodindo bem no rosto.

        Na manhã seguinte acordaram e já se depararam com a avezinha toda lampeira e feliz após ter curtido uma noite diferenciada, revoando pelo espaço aéreo do quarto. Foi só abrir a janela e ela saiu num átimo em busca de seu café da manhã. 

        Ela chegou a ver um sorriso irônico no biquinho da andorinha.

        Em tempo: o paletó do pijama foi posteriormente resgatado.

        Mais recentemente um outro casal também teve uma companhia singular em seu quarto.

        Hospedados em um local bem próximo à natureza, não contavam com um terceiro ser devidamente acomodado no cantinho da parede.

        Na verdade foi visto de soslaio por ela, mas por estar sem óculos considerou que era simplesmente um daqueles objetos que chamamos de peso de porta.

        O tal peso de porta era na verdade um gorducho sapo bem vivo que quietinho aproveitava o aconchego do quarto. 

        Na manhã seguinte foi reconhecido e recebeu a devida carta de despejo do aposento.

        Ainda bem que nos dois casos não houve acidentes e nem gritarias em plena madrugada. 

        Foram companhias bem comportadas.


Santos, 1 de maio de 2025.





sexta-feira, 18 de abril de 2025

CAMINHADA NA SEXTA-FEIRA SANTA

 



            Vamos fazer um passeio de ônibus?

            Recebi este convite irônico nesta Sexta-Feira Santa. Nem precisei responder.

            Por que irônico? Porque partiu de minha irmã que com certeza estava se lembrando, assim com eu já havia feito logo pela manhã, de um desastrado passeio feito neste dia santo, há aproximadamente 6 décadas.

            Vivíamos em Rio Claro no interior paulista e o slogan da administração municipal àquela época estimulava a visita à cidade. 

            Ouvia-se com frequência a frase: Conheça Rio Claro, a cidade que se expande dia a dia.

            Vivia-se um tempo muito diferente dos dias atuais. A Semana Santa era um período onde as diversões e prazeres, principalmente para os cristãos, eram deixados de lado em total respeito ao martírio e morte de Cristo.

            Em nossa casa a televisão e o rádio eram proibidos de serem ligados. Não programávamos passeios, jogos ou qualquer outra diversão que despertasse risos e consequentemente barulhos.

            O respeito pela data sempre foi priorizado e entendíamos isso.

            Em meados dos anos 60 eis que numa tarde de Sexta-Feira Santa o tédio irrompeu-se nas duas irmãs. Os pais dormiam e o irmão mais velho havia saido com amigos.

            Os ponteiros do relógio teimavam em girar demasiadamente lentos e a tarde se arrastava.

            Foi quando uma delas lembrou-se da frase: Conheça Rio Claro, a cidade que se expande dia a dia. 

            De imediato surgiu a ideia de passearmos de ônibus pelas ruas mais distantes de casa e por caminhos desconhecidos e não rotineiros. 

            Sugestão dada e aceita imediatamente.

            Com dinheiro para duas passagens dirigimo-nos até o ponto de õnibus onde havia linhas para vários bairros mais distantes.  Optamos por um que atendia bairros que não conhecíamos, afinal o objetivo era visitar a cidade.

            Acompanhamos curiosas o trajeto feito e que ficava justamente do lado oposto aos caminhos que costumávamos fazer para passeios, para irmos à escola, à igreja, casas de amigos, etc.

            De repente a aventura foi interrompida.

            O motorista parou o ônibus e avisou que ali era o ponto final. Todos teríamos que descer. Quem pretendesse continuar no transporte precisaria pagar nova passagem.

            Não tivemos outra opção a não ser sairmos do ônibus. Estávamos sem dinheiro para pagarmos a volta e o pior, nem sabíamos onde realmente estávamos.

            Resolvemos voltar a pé, única solução viável no momento. 

            Surgiu aí o primeiro fator complicador. Minha orientação espacial sempre foi avariada, para não dizer quase nula, e portanto, não sabia nem para qual lado ficava o centro da cidade. 

            Depois de perguntarmos a alguém e pensarmos um pouco, decidimos o caminho a seguir. 

            Logo após percorridas as primeiras quadras de regresso, eis que o tempo mudou de repente e uma chuva, a princípio leve, mas depois mais forte, começou a cair e assim permaneceu por um bom tempo.

            Quando finalmente avistamos prédios já conhecidos o ânimo voltou e aceleramos os passos.

            Chegamos em casa molhadas dos pés à cabeça e com uma canseira imensa.

            Para evitarmos broncas não contamos sobre o desastrado passeio. Nossos pais vieram a saber disso sómente tempos depois.

            De certa forma conhecemos mais a cidade do que pretendíamos, pois o percurso a pé nos permitiu ver com calma, ruas e avenidas existentes entre a Vila Martins e o inicio do Jardim Floridiana onde estávamos, e o centro da cidade onde morávamos. 

            A caminhada sob chuva de mais de 3 km em plena Sexta-Feira Santa nunca foi esquecida e se depender de mim, também jamais será repetida.


Santos, 18 de abril de 2025 / Sexta-Feira Santa.






segunda-feira, 7 de abril de 2025

TELEVISÃO

 



            Não sei se sou eu que ando exigente demais ou então ranzinza, mas o fato é que os poucos momentos nos quais ligo a TV  em canais abertos ou não, não consigo soltar das mãos o controle remoto. 

          Isto porque em poucos minutos olhando para um canal qualquer já me desinteresso pelo assunto e lá vou eu apertando o botão sem parar, até que vez ou outra algo me prenda a atenção. 

           Como sou cinéfila geralmente acabo optando por um filme apresentado em plataformas de streaming.

            Há pouco liguei o aparelho e a cena me trouxe de imediato a lembrança de meu pai. Vi na tela a figura conhecida de Galvão Bueno. Instintivamente já mudei o canal. Não tenho nada especificamente contra este profissional; apenas me cansei de seus comentários. 

            Tal fato lembrou meu pai pois ele tinha verdadeira antipatia por Galvão. Entretanto, por gostar de assistir futebol pela TV se deparava com um problema já que a maioria dos jogos tinha a apresentação e comentários sob a responsabilidade deste locutor. A solução encontrada pelo sr. Italo, meu pai, foi deixar a TV ligada só com a imagem do jogo e ouvir a transmissão pelo radio.

        Dizia ele que ficava meio conflitante já que o som era num rítmo inflamado, entusiasmado e a imagem na TV trazia cenas bem menos aceleradas. Mesmo assim, segundo ele, valia a pena.

         No meu caso específico fico à procura de filmes interessantes, sejam dramas, comédias ou mesmo documentários. Se na primeira vista já vejo cenas exibindo armas, violência, mortes, etc, já mudo em busca de outro. Já basta a realidade.

            Ultimamente procuro por histórias que me deixem leve, mais esperançosa, que despertem sorrisos ou mesmo algumas lágrimas, mas que tais lágrimas sejam provocadas por momentos onde os bons sentimentos falem mais alto e deem alento. 

            Dentre os filmes que já assisti várias vezes cito dois: 

Cinema Paradiso vi umas três vezes e fiquei emocionada em todas elas. Além da bela história nos traz a música de Ennio Morricone; e Meia Noite em Paris que tem uma apresentação leve, agradável, com belas imagens e fantástica viagem ao passado. 

            Creio que de certa forma o fundo nostálgico que pode ser observado no filme de Woody Allen (Meia Noite em Paris), mostra indiretamente, ou até mesmo diretamente, que o passado foi mais interessante que o presente.

            Porém, e sempre há um porém, atualmente há poucos filmes que ficam em nossas memórias como estes citados acima. A grande maioria visa a comercialização, as bilheterias concorridas, e a chamada sétima arte acaba esquecendo de ser arte.

            Neste contexto todo opto por filmes clássicos, produzidos em décadas passadas, mas que com certeza são atemporais.

            Quanto à TV aberta, raramente me lembro dela.


Santos, 7 de abril de 2025.



domingo, 9 de março de 2025

CONVERSA DE ELEVADOR



            De uns tempos para cá e com frequência maior do que eu desejaria, fico lembrando de um quadro do programa A Praça da Alegria, atualmente chamada A Praça é Nossa, onde a personagem principal era uma senhora idosa e muito surda de nome Bizantina Scatamacchia Pinto.

            A conversa que ela mantinha com Apolônio sempre sentado no banco lendo seu jornal era toda confusa, com muitas trocas de palavras. Devido à surdez ela entendia as falas do amigo completamente trocadas, resultando sempre em frases muito engraçadas.

            Roni Rios interpretava a velha surda e Apolônio era vivido por Viana Junior, que ficava extremamente irritado com as confusões de Bizantina. A cena final mostrava uma interação dela com Manuel da Nóbrega e posteriormente com seu filho Carlos Alberto da Nóbrega. 

            O quadro deixou de ser apresentado após os falecimentos dos dois protagonistas, pois ficou tão marcante que dificilmente outros atores os representariam tão bem.

            E não é que de uns tempos para cá Bizantina frequentemente tem incorporado em mim ou em pessoas próximas causando muita confusão?

            Houve um episódio no qual me senti a própria velha surda.

            Fui agendar consulta médica e ao ser atendida respondi várias questões sobre os dados pessoais para efeito de cadastro. Foi durante a epidemia de Covid e a jovem que me atendia usava uma máscara. Entre nós havia ainda uma placa de plástico transparente.

            Após algumas perguntas eu a ouço indagar:

            - Usa lente de contato?

            Como o exame que eu solicitava na ocasião nada tinha a ver com a visão, antes de responder eu a questionei:

            - Por que você precisa saber se uso lente de contato?

            Ela mal segurando o riso respondeu-me em alto e bom som, quase soletrando:

            - Senhora, eu pedi um telefone de contato!

            Fui a primeira a gargalhar seguida por todos à minha volta que escutaram a conversa.

            Em outra ocasião durante um bate-papo em família falando sobre a atriz Sophia Loren, lembrei-me de seu último filme Rosa e Momo, onde ela aos 86 anos se destacava ainda pela beleza.

            Ato contínuo pronunciei:

            - Ela está inteirona!

            No mesmo instante veio a interrogação de meu irmão:

            - Ela vive em Verona?

            Não precisei responder mesmo porque a risada de todos já demonstrou que a pergunta feita estava totalmente fora do contexto.

            Mais recentemente numa troca de conversas no elevador a Bizantina entrou em ação.

            O equipamento era espaçoso e cabiam até vinte pessoas. 

            Fui uma das últimas a entrar e não tive acesso ao painel dos botões pois uma pessoa bloqueava o caminho. Eu iria ao 5º andar e com o elevador já fechando as portas perguntei rapidamente:

            - O cinco está apertado?

            Imediatamente um idoso que estava atrás de todos dirigiu-se a mim com uma expressão de espanto:

            - Tem que por o cinto?

            Logo na sequência a mulher ao lado dele já questionou querendo saber onde estava o cinto para ela colocar.

            Ainda sem entender a confusão que estava havendo respondi que nunca vira elevador ter cinto de segurança.

            Nesse momento o senhorzinho olhando muito sério para mim e com ares de que estava irritado, deu-me uma bronca:

            - Como nunca viu, se foi a senhora mesma quem falou para por o cinto??

            Tem dias que meu riso é mais frouxo que o normal, mas naquele momento tive que fazer um esforço e me concentrar para não rir pois ele me olhava bem zangado.

            Fui salva pelos demais que ao notarem a troca de cinco por cinto começaram a rir descontraindo o ambiente.

            Para meu azar tal idoso também desceu no 5º andar, dirigiu-se para a mesma sala e ficou sentado próximo a mim. 

            Resultado: o tempo todo tive que olhar para o outro lado e segurar a risada, mas as lágrimas escorriam no rosto. 

            A Bizantina Escatamacchia Pinto saiu do banco da praça, mas vira e mexe ela ressurge em nossas lembranças cantando sua música preferida:

- Ó querida, ó querida, ó queriiiiiiiiida Clementina!!!!


Santos, 09 de março de 2025.





segunda-feira, 3 de março de 2025

AVALIAÇÃO E SEUS DESACERTOS

 


                   
                                          Imagens: Facebook - Grupo Professores Sonhadores


            Há poucos dias vi  uma publicação em rede social de um grupo intitulado Professores Sonhadores cuja legenda era: O aluno mais injustiçado do Brasil.

            Abri o arquivo que estava em forma de reel (vídeo curto) e me surpreendi com o conteúdo. 

          De imediato reportei-me aos tempos de magistério e às experiências bem semelhantes às apresentadas neste reel, cujas imagens estão na abertura deste texto.

            Há duas questões básicas envolvidas no processo avaliatório: o objetivo - o que avaliar e a maneira - como avaliar.

            Há anos já comentei sobre a dificuldade que muitos professores têm no momento de formularem as perguntas nas avaliações. Muitas vezes uma pergunta mal elaborada deixa dúvidas sobre o que realmente se deseja saber.

            No fato citado no reel está óbvio que a criança concluiu assertivamente cada questão apresentada.

            O que deve ter levado o professor a considerá-las erradas foi com certeza ver que as respostas não traziam exatamente as mesmas palavras que ele esperava ler. A interpretação tanto quanto o raciocínio do aluno foram totalmente desconsiderados.

            Até o famoso Calvin, personagem do desenho em quadrinhos criado por Bill Watterson, aproveitou a oportunidade que lhe foi oferecida ao se deparar com a questão formulada por sua professora:

             - O que você sabe sobre os presidentes dos Estados Unidos?

            A resposta bem objetiva do garoto foi:

            - Não sei nada.

            Ele foi absolutamente sincero e correto em sua resposta.

            Outros exemplos similares pude acompanhar na profissão como foi o  caso em que a professora das séries iniciais do Ensino Fundamental, após ensinar sinônimos e antônimos, pediu na prova:

            - Dê o contrário de: bonito, frio, claro e alto.

            A criança respondeu prontamente: otinob, oirf, oralc e otla.

            A professora não teve outra opção a não ser considerar certa pois o modo como formulara a questão havia dado abertura para este tipo de resposta. Posteriormente explicou melhor a pergunta para a classe toda.

            Atuei como intermediadora em um caso hilário e bizarro durante um desentendimento entre pai de aluno e professor.  Era prova de Ciências e após estudos sobre Higiene e Saúde, apareceu na avaliação a seguinte pergunta:

            - Qual a primeira coisa que você deve fazer após usar o vaso sanitário?

            O professor esperava como única resposta possível: Lavar as mãos.

            Aconteceu porém que era uma 7ª série com alunos em plena adolescência. E não é que um dos garotos respondeu que chacoalhava seu pênis?

          O professor ficou tremendamente irritado e considerou a resposta muito desrespeitosa. Além de colocar um grande X vermelho sobre ela,  humilhou e criticou severamente o aluno diante da classe toda que acabou caindo na gargalhada ao saber a resposta dada.

            Pela idade do aluno e seu histórico brincalhão com certeza a resposta foi proposital, mas independente disso, a maneira como foi feita a questão abriu a possibilidade desta afirmação.

              Em casa o rapaz mostrou a prova ao pai e contou sobre a humilhação. Ato contínuo  este pai foi pedir explicações ao professor, reforçando que a resposta estava certa.

            Foi complicado chegar-se a um consenso e tive muita dificuldade em segurar o riso ao me ver naquela insólita situação, onde pai e professor discutiam o que era prioritário: chacoalhar o órgão ou lavar as mãos. O professor acabou por admitir, não sem muito reclamar, que falhou na formulação da frase.  

            A importância sobre o que avaliar deve ter a mesma intensidade e o mesmo cuidado em relação ao como avaliar.

            O objetivo da  prova é um elemento que não pode ser relegado a segundo plano.São relativamente comuns mesmo em concursos públicos questões que nada têm a ver com o real propósito da avaliação. 

            Nunca me esqueço de um fato ocorrido há anos ainda no início de minha carreira, quando um diretor de escola resolveu ele próprio elaborar uma prova para selecionar dentre vários candidatos, qual seria o mais apto para ocupar a função de servente, atual auxiliar de serviços gerais.

            Fez as questões sozinho e aplicou a avaliação. Ao fazer a correção ficou muito chocado (palavra dele) ao verificar que nenhum candidato acertou uma pergunta em especial.

            Entrou na sala dos professores indignado e nos contou o fato. Todos ali presentes ficaram curiosos. Ele então esclareceu que ninguém soube responder quantos quilômetros tinha a ponte Rio-Niterói. 

            A expressão de espanto de todos inclusive a minha, seguida dos olhares disfarçados, foi imediata.

          Nenhum de nós sabia a resposta. Tal ponte havia sido inaugurada há mais de dois anos.

            O rosto da professora de Geografia que estava em pé ao lado do diretor, perdeu a cor no ato. Ficamos todos em silêncio.

         Assim que ele se retirou da sala a risada foi geral, seguida pela busca imediata da resposta, afinal ele poderia voltar e nos questionar.

            Qual a importância de saber a quilometragem de tal ponte para exercer a função de servente escolar numa pequena cidade do interior paulista? Serviria apenas e tão somente para uma análise insignificante da cultura geral de cada um. Com certeza nenhum candidato havia passado por ela e creio que nem tinham a menor intenção de fazê-lo.

             Portanto devemos ter sempre em mente o que é realmente significativo avaliar, bem como, o modo de proceder a este questionamento de tal forma que não deixe dúvidas a quem for submetido a ele.


Santos, 03 de março de 2025. (segunda-feira de carnaval).

Nota: A quem possa interessar: a ponte Rio-Niterói tem 13,29 km de extensão e foi inaugurada em 1974. Seu vão central tem 300 m de comprimento e 72 m de altura.